Se somos imensamente diferentes em nosso universo subjetivo, há uma coisa que inevitalmente nos faz muito iguais: a morte. Eu sabia que a minha nona estava doente, e que dois anos é um tempo longo demais para ver novamente quem tem 93 anos de muita luta e calejo. Ou não – ela sempre foi tão forte. Só não esperava enfrentar isso assim cedo.
Dai o que a gente faz? Eu tenho feito esta pergunta com tanta frequência nos últimos dias que cheguei a conclusão que a resposta mais certa é NADA. O ser humano é engraçado nesse sentido, a gente sempre quer encontrar respostas e soluções simples para um tudo, e no fim, a única coisa certa é aceitar que somos limitados e que algumas coisas simplesmente não podemos.
Talvez seja só um jeito de não sofrer – ao menos não muito. Talvez faça sentido que a minha oração preferida seja: “Senhor, dá-me serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar o que posso e sabedoria para distinguir uma das outras.”.
A fé no divino e numa vida após a morte é apenas um instrumento de negação à nossa finitude? Quem sabe… Enfim, que eu saiba, ter fé nunca fez mal a ninguém…
— O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
(Trecho de Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto)
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Bem, enquanto eu espero o post mais recente ter seus comentários liberados, escrevo aqui (espero não esquecer o que queria escrever lá).
Há 2 semanas perdi uma amiga num assalto aqui em Recife. Foi uma merda de sensação. Fiquei pensando “e se fosse comigo? com minhas amigas? com meus pais?”. E foi com ela! Não podia ter sido, nem com ela, nem com ninguém. Dá raiva, sabe? Porque a ordem natural da vida é os pais morrerem antes dos filhos…
Meu avô vai fazer 91 e minha avó 85, esse ano (avós paternos, os maternos já se foram tb). É uma pena que a sua nona tenha partido, sempre é uma pena. Mas depois de 93 anos, imagino que ela tenha curtido a vida plenamente, com todas as suas dores e prazeres. E é bom que ela tenha te visto feliz, dando esse passo tão grande na vida, sendo amada e descobrindo, literalmente, o mundo!
Bjos :*
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Não é que eu goste de velórios, e toda essa coisa que envolve a morte, mas é importante. Nessas horas a gente sempre pára e questiona o mundo, as relações, nossas escolhas…
Eu tenho certeza de que a minha mormor viveu intensamente, eu apenas sinto por ela ter sofrido tanto no fim!
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