Pequenas Grandes Coisas da Minha Vida Sueca #05

Eu moro num coletivo – o que na minha região a gente chama de república – e isso é uma coisa mais ou menos estranha por aqui. Tanto, que vi um artigo no jornal sobre coletivos na Suécia ressaltando a questão como um contra-movimento importante na vida dos cidadãos suecos. A Suécia tem um grande contingente de “pessoas adultas” e idosas morando sozinhas e uma taxa de suicídio em torno de 3 pessoas ao dia. Praticamente, morrem mais pessoas no auto-assassinato do que por causa de violência ou acidentes de trânsito.

São cinco pessoas que moram no coletivo – Joel e eu mais Liv, Carolina e Joseph. Todos suecos. Já falei um pouco sobre eles no blog, e agora que a Carolina  está fora por três meses temos a Frida para completar o time. Para mim isso é/foi especialmente bom e importante, por dois grandes motivos: quase não estou sozinha e posso ouvir/treinar/aprender sueco todos os dias.

Um jantar com todo mundo: eu (de amarelo), Carolina, Joseph, Joel, Frida e Liv (e o chocolate meio amargo que eu adoro!).

Sendo que Joel e eu somos um casal morar em um coletivo pode parecer um tanto estranho. Mas não quando se conhece o sistema habitacional sueco – que eu ainda não entendi direito. Primeiro, morar na Suécia é caro – aluguel aqui é coisa de outro mundo em cidades como Göteborg e Stockholm – e segundo, as regras de compra, venda, aluguel e etc são tão complexas que nem vale a pena eu querer entrar no mérito da questão. Já a questão da privacidade é tranquila porque suecos sabem como manter seu espaço – mesmo que a casa esteja cheia, assim sempre tem tempo para nós dois.

No sueco se utiliza a palavra mysigt para expressar que uma coisa que acontece entre pessoas é gostosa, como por exemplo passar momentos em família, passear de mãos dadas, fazer comida juntos, assistir a um filme ou conversar com amigos. Eu acredito que isso define bem o que a gente tem aqui no coletivo: todo mundo se ajuda. Não rola stresse por causa de comida já que o “mercado” é dividido em partes iguais; todo mundo é responsável por manter o ambiente limpo – em especial a cozinha – mas existe um cronograma de limpeza geral da casa; não há briga pelo controle remoto porque não tem televisão, e; todo mundo ajuda no dia de lavar roupa – e isso é uma daquelas coisas que o dinheiro não compra.

Eu já vi em muitos blogs a questão da tvättstuga (lavenderia) como um caso de stress constante. Concordo, a minha mãe tem uma daquelas máquinas de lavar automáticas e isso é formidável – em termos de Brasil – porque você pode lavar roupa a hora que quiser e estender, como é quente sempre  seca. Mas aqui, além do frio tem a questão da chuva (chove muito), e o sol… então, dizer que o sol é fraco não seria a forma adequada de descrever – porque não é o sol, é a inclinação da terra e a posição da Suécia em relação a linha do equador – mas é o adjetivo mais fácil para emitir a compreensão; enfim, todo mundo precisa secadoras. Não há lavanderias nos apartamentos suecos – em alguns tem uma maquininha de lavar dentro do banheiro – e por isso há grandes lavanderias no subsolo dos prédios ou em uma casinha próxima ao conjunto de apartamentos. A lavanderia sueca tem máquinas automáticas e secadoras, o foda é o tempo: você tem 3 horas para lavar roupas. Depois disso a porta tranca e só pode entrar quem tem a chave do próximo tempo, que vai ser uma pessoa extremamente brava e nervosa se você precisar “roubar” alguns minutos do tempo dela por causa da sua “irresponsabilidade”.

Bi bi bi, bó bó bó, eu moro com pessoas legais. Bom para economizar, para aprender sueco mais rápido e para enfrentar o longo inverno que vem chegando…

Quê?

Hej Maria Helena Freitas!
Såg att du hade besökt Arbetsförmedlingen och frågat om yrkessvenska. Eftersom
du har arbete både som lokalvårdare och personlig assistent så kan du inte få
gå kurser genom Arbetsförmedlingen. Eftersom du nu arbetar deltid så kommer du
att få en annan handläggare som heter Britt-Marie Myrberg Du måste höra av dig
om du arbetar heltid eller om timmarna blir mindre än 8 timmar/ vecka. Du kan
alltid ringa till Kundtjänst 0771-416 416.
Hälsningar
Ingela Diaw

Arbetsförmedlingen não funciona. Aliás, aqui vai uma dica para quem vem para a Suécia: não espere nada do Arbetsförmedlingen. Porque quando você chega deve se registrar e etc, e eles te apresentam uma série de programas para ajudar o imigrante a ter um emprego e paparico e bico de pato, mas sabe o quê? Você não recebe nada.

Eu tive um encontro com uma tradutora logo que me inscrevi no A e de todas as coisas que me disseram eu gravei principalmente duas: 1) o A oferece um incentivo as empresas que empregam imigrantes pagando até 80% do valor do salário e 2) que eu poderia fazer um curso para melhorar o sueco (aprender palavras relativas) dentro da área em que estivesse trabalhando.

Primeiro, que as empresas para quem eu trabalho não recebem incentivo nenhum porque eu tenho dois trabalhos e porque eu tenho que dizer ao Arbetsförmedlingen que eu vou trabalhar em tal lugar e eles tem que aprovar o emprego. Isso pode demorar um mês, no qual eu não posso trabalhar. Então passei por cima do incentivo, afinal o que eu queria era trabalhar mesmo.

Segundo, eu fui ao A – porque é imensamente difícil conversar com alguém de lá, eu tenho uma handläggare que não atende o telefone e não responde e-mails a menos que o título seja URGENT!!!! – e pedi o curso para melhorar o sueco aprendendo palavras dentro da área de assistência pessoal, já que fico meio perdida quando as pessoas não conversam sobre coisas do cotidiano, imagina como é quando a conversa é sobre paralisia cerebral, deficiência física ou restrição mental, termos médicos relacionados e tudo o mais – como cadeiras de rodas e aparatos afins. A resposta, que está no início do post é que eu não posso fazer o curso porque eu já trabalho!

Eu não trabalho 40h na semana (heltid), trabalho por hora como faxineira e algumas semanas eu nem tenho 20h de trabalho com isso. Trabalho com assistência pessoal para complementar a carga horária e porque aprendo mais sueco, porque o trabalho é melhor etc. Mas eles não entendem assim, entendem apenas que eu já to trabalhando então não importa o que eu faço, para o Arbetsförmedlingen a única ambição de um estrangeiro é ter um emprego, crescer profissionalmente deve ser privilégio de sueco.

Eu fico puta da cara nervosa ao extremo, frustrada e decepcionada porque eu não to encostada no governo vivendo de social ou o que, to me esforçando para aprender sueco e construir alguma coisa aqui. Mas o que parece é que só tem benefícios quem está justamente fazendo o contrário, quem tá aqui parado sem trabalhar e frequentando o SFI há anos.

Pelo menos vou ter outra handläggare, quem sabe eu consigo que alguém fale comigo ao telefone ao menos…

Coisas de Caipira

Depois de um dia duro de trabalho, nada melhor do que um prato de macarrão. Na verdade, bom mesmo seria ter comido o kebab que eu não pude comprar porque esqueci a carteira em casa (!); o que me fez pagar um mico duplo: um porque já tinha pedido o kebab quando percebi a falta da minha plånboken, e dois porque eu tinha convidado o Moisés para comer. Ai Jesus, que vergonha!

Eu amo pasta. Comer é uma coisa que me faz feliz, e fazer comida também é legal quando eu não vou comer sozinha, blá blá blá, este não é um blog de culinária e enfim, tantos comentários sem nexo são produto da minha cabecinha que gosta tanto de voar. O quê é que foi filosofando em um prato de macarrão que eu me deparei com a questão: pelo que/o que é importante lutar? Porque eu vejo out doors e cartazes todos os dias conclamando as pessoas a lutarem por alguma coisa – inclusive contra a importação de carne do Brasil (porque os brasileiros poluem muito o meio ambiente durante o processo de produção, os animais sofrem e…) – e sinceramente, parece insano tudo isso.

Não que eu não me importe com os problemas mundiais como a fome, exploração de crianças, a violência, guerras, aquecimento global e tudo o mais, eu só não entendo porque as pessoas falam tanto, e falam e falam e falam. Eu to lendo um livro muito bom da Melissa Grey cujo título é “Eu não existo sem você” (e a solidão é meu pior castigo, =) que fala da AIDS na África, e como uma mulher lutou contra o preconceito e marginalização sozinha por muitos anos ao trabalhar/criar um orfanato para etíopes. Isso sim me inspira: enquanto tantas pessoas discutiam a AIDS na África, enquanto laboratórios de farmacêuticas – principalmente dos EUA – tentaram impedir a produção de medicamentos retrovirais (de combate ao HIV) em massa com preço acessível aos países em desenvolvimento, enquanto o governo etíope não fez nada pela população, alguém fez alguma coisa.

Sinto que muito se fala e pouco se faz e fica todo mundo naquele perfil do faço o que eu digo mas não faça o que eu faço. Também, com tanta coisa pelo que lutar e tantas pessoas gritando e fazendo propaganda pra tudo – na internet então… – às vezes de forma apelativa – pense nos pobres animais presos e infelizes – ou acusativa – você pode ficar parado diante disso? – e manipulativa – o seu futuro, o futuro de toda a humanidade depende das suas escolhas (lembra um pouco aquela coisa de correntes da internet: encaminhe a mensagem ou isso significa que você não ama Jesus, que você tem vergonha de Cristo e que vai para o fogo do inferno!)… é tanto para prestar atenção e avaliar que fica difícil decidir, o que me faz voltar a pergunta do início: pelo que é importante lutar?

Egoísmo a parte, o importante é lutar por si mesmo. Sim porque saco vazio não para em pé, e isso não se restringe ao comer, ao manter-se fisiologicamente vivo e em funcionamento. As pessoas tem que aprender a se gostar, a se cuidar, a se alimentar de coisas boas para a alma e o coração e então poder estender as mãos para outras coisas, outras causas.

Eu acredito que é importante se importar com mais do que o próprio umbigo, mas creio também que mais do que nunca vivemos em um mundo interligado, conectado e interdependente. Se cada um cuida do “seu” pedacinho como num quebra cabeça o geral também fica melhor. A sociedade sueca funciona dessa forma e se tem algo que eu admiro nos suecos é esse senso de responsabilidade de cuidar do que é seu, a família ou a própria vida, não importa, mas cuidar e fazer nisso o seu melhor. Aposto que quem tem partner por aqui sabe e entende o que eu quero dizer…

Lute pelo não sofrimento dos animais. Lute por um mundo mais limpo. Lute por um mundo mais igual, por um mundo sem fome, com todas as crianças na escola, em paz, com acesso aos mínimos sociais. Mas lute primeiro para que a sua vida e mundo seja cheio de luz e força, dai sim tudo o mais faz sentido.

“É dando que se recebe, mas ninguém pode dar o que não tem”.

Seis meses de Suécia – Parte II

Todo mundo faz uma listinha de coisas que gostaria de fazer enquanto está fora. Pelo menos eu imagino isso, porque não foi simplesmente ah, eu vou para a Europa. Ponto. Foi tipo: ahh… eu vou para a Europa, então eu poderia fazer uma viagem para ali ou aqui, ver isso ou aquilo, visitar esse ou aquele monumento histórico e similares…

A primeira coisa que eu queria muito ver aqui eu já realizei ano passado. Pode parecer estranho, mas foi atravessar a Ponte de  Öresundsbron que liga as cidades de Malmö (Suécia) e Copenhagen (Dinamarca), porque a ponte de quase 8km termina no meio do “mar” e vira um túnel de quase 5km [eu acho], o túnel do Estreito de Drogden, que está construído sob o mar… Sei, sei, mas pareceu extremamente excitante passar por cima do mar e abaixo dele praticamente ao mesmo tempo.

E esse ano… eu queria muito assistir ice hockey. O ice hockey é um esporte grande na Suécia, muito importante, tanto que a Suécia tem um dos melhores times do mundo na modalidade – tanto feminino quanto masculino – e eu sempre tive curiosidade, enfim. Dai que exatamente no dia em que completei 6 meses aqui teve jogo do campeonato nacional na cidade do “nosso time” – Frölunda Indians, liderando a competição – contra HV alguma coisa, quarto colocado. Uma promessa. Compramos ingressos e…

Foi melhor do que eu esperava. Tudo bem que eu demorei o primeiro tempo inteiro para entender as regras (nunca tinha visto um jogo a não ser em filmes), mas depois disso foi fantástico. Tenho que confessar que perdi o “puck” (aquele disquinho preto) várias vezes e que o primeiro gol eu nem teria percebido se não fosse pela explosão de luzes e de um rojão (??!! é eu acho que era um rojão) situado atrás do gol, mas é realmente excitante ver os jogadores patinando para trás em alta velocidade no gelo enquanto brigam por aquela coisinha minúscula e… puxa, como aqueles caras fazem isso?

Sempre gostei de assistir esportes. E uma coisa que é fabulosa é assistir jogo ao vivo – eu não tinha feito isso no Brasil. Eu e Joel fomos duas vezes ao estádio ver futebol e agora assistimos o ice hockey, e eu tenho que tirar o chapéu para a torcida sueca: eles cantam e embalam o time o jogo inteiro. Engraçado é que o futebol – que é um esporte sem violência dentro do campo na Suécia – ainda tem torcidas violentas (da última vez que assistimos foi tipo Göteborg x Stockholm e tinha tantos policiais quanto torcedores); já o ice hockey que é um esporte violento – eles partem para cima do time adversário literalmente – tem torcedores tranquilos cantando, e que não brigam no final.

Assistir ao jogo me inspirou a adicionar mais um item a minha litinha de coisas a fazer na Europa: patinar no gelo. Ou tentar…

Seis meses de Suécia

Seis meses de Suécia. Viva! Ufa! Droga… é tanto sentimento misturado que eu ainda não cheguei a uma conclusão sobre o fato. É certo que eu sou impulsiva, apaixonada, entusiasta e emocional o bastante para colocar um monte de macacos no mesmo galho – acho que seria capaz de confundir a um phd em psiquiatria. Mas eu sou humana, caralho!, e mulher – que as suecas não leiam isso porque definitivamente elas me jogariam para fora daqui… –  e, enfim, pra quem eu devo explicações?

Ok, então de trás para frente, droga é porque eu tenho saudade. Imensas. De todas aquelas pessoas maravilhosas que eu  já nomeei tantas e quantas vezes no blog. Família. Amigos. Sol. E música…

Ufa, que eu posso falar um pouquinho de sueco, fazer algumas piadinhas e pedir informações – e entender a resposta; e que eu tenho um emprego, porque é mesmo extremamente deprimente ficar em casa no escuro (sim, é maravilhoso para dormir, mas quem vai dormir 4 meses? Fora os ursos…). Claro que ninguém tem que ficar em casa só porque não trabalha, mas isso foi importante para mim – conquistar um trabalho – e me faz sentir tranquila.

E viva, que eu tenho Joel. Porque eu ainda sinto aquela coisa quente e gostosa quando olho dentro do azul dos olhos dele, porque eu me sinto uma princesa quando ele pega a minha mão, porque o mundo inteiro some quando ele me abraça, porque a gente fala até dormir (ou eu falo até ele dizer que tem que levantar cedo noutro dia), porque meu coração quase para quando ele sorri… é tão leve de viver quando se é amada!

Não posso dizer que eu saiba mais sobre a Suécia hoje do que quando eu cheguei. Talvez um pouquinho. Mas tenho certeza que sei muito mais sobre mim mesma…

Pequenas Grandes Coisas da Minha Vida Sueca #04

A Ana sempre me xingou que eu não dava bola para a moda e muitas vezes ela foi curta e grossa afirmando que eu me visto mal. Nunca dei bola. Mas às vezes o que sinto quando saio com o Joel como é que eu vesti alguma coisa errada, primeiro porque às vezes eu passo frio pacas e segundo porque eu sempre pareço o ET da festa.

A moda sueca é meio anos 60. Não, não estou me referindo ao estilo e sim a cor: parece que você tá vendo um filme em preto e branco. Tá bom, pode incluir marrom e todas as cores sóbrias, mas é fato de que ninguém sai muito colorido e que a predominância aqui é o preto. Esses dias eu estava ouvindo um programa chamado “Ring P1” (Ligue para P1) numa rádio popular que deixa um espaço aberto para que as pessoas comentem algo que acreditam ser importante e um cidadão de Stockholm ligou pedindo para que as pessoas parem de usar preto. “É tão formal, como se todos estivessem em um enterro. Podemos ter um inverno mais colorido”, ele falou (ou alguma coisa como isso – foi o que entendi). Blá blá blá, achei super interessante que não são apenas os imigrantes que pensam que é estranho ter um visual negro constantemente.

Enfim, não me animo muito a fazer compras devido a falta de variedade de cores “quentes” e porque eu ainda não aprendi, em 6 meses, a me vestir em “camadas”. Acho essa expressão muito legal e quem usou ela comigo a primeira vez foi a Helena. Eu não entendi o “vestir-se em camadas”, e acho que só vendo mesmo para ter uma ideia, mas o princípio é colocar um monte de roupas no corpo. Primeiro vai um top, daí uma camisetinha mais comprida, daí um casaco tipo mais largo e uma jaqueta ou outro casaco maior ainda. Parece ridícula a descrição não é? Na minha humilde opinião, o resultado é mesmo estranho: calça de moleton vai com jaqueta de couro e bota numa boa, mas usa um vestido colorido e todo mundo te olha como se…

Ainda assim algumas coisas eu não poderia deixar para trás, como o casaco de inverno (que eu ganhei da família do Joel – Tack Per, Florence och Fredy), botas de borracha e uma touca – porque perdi a minha no spårvagn; sorte que a cabeça… Ainda falta a bota  ou sapato de neve, mas como ainda não temos temperaturas negativas (fica nos 10 graus C a média) e neve, vai de boa com tênis mesmo. Comprei um super casaco na sexta, a prova de água, vento, tempestade de neve, incêndio, ataques terroristas, fenômenos sobrenaturais e extra terrestres – mesmo porque agora eu não vou mais parecer tão estranha… Ok, de fato o casaco é a prova d’água do tanto que eu posso rolar na neve e ainda ser feliz e quentinha.

Acho que essa é uma coisa para a qual eu nunca prestei atenção antes e é tão óbvia: manter-se seco é importante para manter-se quente. E chove pacas nessa Suécia de meu Deus, tanto que até com as botas de borracha acabei me molhando esses dias. Eu comprei botas azuis, mas aqui você encontra de todas as cores – e até de flores, aquelas botas de borracha mesmo, no estilo que o colono usa para trabalhar com porcos e galinhas e vacas… – e é caro, porque todo mundo precisa e quer e porque é moda. Sim, é moda ter botas coloridas. Alguém, enfim, ouviu o cara de Stockholm!

O problema maior de todos são as calcinhas suecas. Eu estou sobrevivendo com o que trouxe do Brasil (eu comprei um monte porque sabia que era estranho aqui), mas tem dias que eu fico decepcionada de não poder comprar essa coisinha tão imensamente necessária na vida de uma mulher. Calcinha bonita dá um gás novo na gente, é antidepressiva! Pelo menos para mim. A questão é que gosto de calcinhas confortáveis. E as lojas suecas oferecem duas opções: o modelo fio cheiroso ou a calçola da vovó. Não há – que eu tenha visto – um meio termo. Nem existe aquele fio dental com um pouco de pano, só aquele sem pano nenhum atrás! Certo, mas quem precisa de calcinhas quando tem um casaco grande, novo, vermelho e quente? Brincadeira, eu preciso!

Que venha a neve!!!

Pequenas Grandes Coisas da Minha Vida Sueca #03

Eu quase morri de rir quando descobri que a palavra sueca para estar arrepiado é gåshud [e você pronuncia gozruid] que remete à pele do ganso depenado. Ou à pele de uma ave depenada – porque enfim, a pele da galinha, do ganso, do pato, do marreco, enfim, das aves todas devem ser daquele jeito sem penas… ou não? Posso dizer que tenho certeza que é assim com frangos, porque quando a gente mora em cidade pequena sempre tem frango da colônia (=sítio= chácara= pequena fazenda) para vender no mercado, e a minha mãe mesmo matou frango em casa.

Em todo caso eu penso que isso não seria engraçado para pessoas que nunca viram uma ave depenada. Não sei se o povo sueco chega a ver isso de fato [aves depenadas] mas quem mora por aqui sabe que bicho é o que não falta: a cidade é cheia de gaivotas prontas para roubar seu Mac Lanche Feliz, e porque tem “mato” para todo lado é extremamente fácil ver veadinhos ou esquilos atravessando a estrada. Na casa dos pais do Joel – que moram 50km de Göteborg – às vezes os veados estão no quintal!

Que lindo né?

Nem tanto. No verão, quando tem luz praticamente 24h por dia, ninguém vai ser surpreendido por um veadinho despreocupado atravessando a estrada. Ok, pode ser mas se vocês bem lembram eu disse no blog que suecos são ultra preocupados com segurança e dirigem sempre dentro do limite de velocidade – que nas estradas secundárias é de, no máximo, 90km/h – e nesse jeito lagom de ser dá para evitar o acidente. Já no inverno…

Hoje a gente estava na casa do avô do Joel de carro e quando voltamos – cerca de 19h – já estava bem escurinho e chovendo, e a gente viu muito rápido dois veados atravessando a estrada cerca de 100m talvez à nossa frente! Já imaginou o estrago que causa um bichinho desses no carro? E no caso de um alce então?

O alce é o animal símbolo da Suécia e puxa, eu acho que é maior do que um cavalo. Não é tão comum aparecer em qualquer lugar como os veados e esquilos, mas sim, em alguns casos eles aparecem do nada cruzando as estradas. Porque os suecos gostam de mato, tem muito mato ao redor dos lagos, tem muitos lagos grandes e pequenos – o que facilita com que os alces acabem se perdendo das reservas – afinal animais não lêem aquelas placas territoriais. Já houve até o caso de aparecer um casal deles no Posseidon – no centro centro de Göteborg.

A caça é permitida em algumas regiões e o Joel disse que a carne – de alce – é muito saborosa. Mas ninguém pode sair dando tiro nos bichos fora das zonas de caça, e isso significa que simplesmente não rola um tipo de controle populacional desses [veados e alces] próximo aos centros urbanos. Durante o inverno passado o governo permitiu a caça de lobos porque eles estavam literalmente invadindo as cidades, o que causou a maior polêmica.

Também não acho legal essa coisa de ficar atirando contra os animais, mas o que fazer então? Se alguém fecha os animais em cercados, está colocando os bichos na prisão. Se atirar contra é assassinato. Mas e quem mora no norte, não tem luz praticamente durante um mês, vai viver com os lobos uivando na porta de casa? Com chuva e escuridão, é quase impossível ver os animais próximos das estradas, e no caso de atropelar um alce, o motorista e passageiro da frente também correm risco de vida.

Problemas a parte, dizem a boca pequena que a questão não é de toda má e que também rola a solução: se você bater o carro mas de alguma forma provar que foi por causa de um alce, o seguro cobre completamente.

Quem disse que é só no Brasil que se dá um jeitinho?

PS.: O Joel comentou que a Volvo é uma de duas empresas que fazem testes de colisão contra alces! HahahAHHaahahA!

Ordem e Progresso, a bunda é o sucesso!

Dias desses eu encontrei um folhetim com propaganda do Brasil daquele tipo com o slogan “conheça o Brasil” no céu de uma praia ensolarada, mulheres bonitas e todo mundo feliz, mais ou menos pelado. Abri o folhetim para espiar – o que será que teria ali? – e vi duas páginas sobre o Rio de Janeiro,  meia página sobre Salvador, e dali em diante um quarto de página para algumas outras localidades brasileiras – a Amazônia, o Pantanal, Fernando de Noronha, e pasmem, nesse folhetim Foz do Iguaçu existe!

Eu não sei como se sente o resto do povo brasileiro, mas me dá uma depressão disso! Todo brasileiro é da cor de jambo – até se assustaram por eu dizer que sou brasileira porque “sou branca demais”, toda mulher sabe sambar, em todo o Brasil tem praia, todo mundo usa bíkini – para trabalhar também… Assim assim, o Brasil é formada de um número sem fim de Rios de Janeiro com direito a um pacote completo que contém desde o glamour de Ipanema a bizarrice da favela – porque até a favela está cool devido algumas produções hollywoodianas.

So… o que dizer dos índios de verdade? Sim, aqueles que em pouco tempo serão afogados… O que dizer de nós, do sul, que não sambamos, não temos praias famosas (Balneário Camboriú talvez?), que somos colonos, gaúchos e caipiras? Quem sabe o que é chamamé? Alguém sabe que nem todo baiano pratica candomblé, e que nem todo mundo na Bahia curte axé? Sabem que o nordeste é mais do que sertão, é mais do que pobreza, falta d’água e forró? E o povo do meio do Brasil, que está agorinha mesmo descobrindo o que é água, energia elétrica e estrada de asfalto?

Sabe que às vezes quando o Joel diz para um grupo “minha namorada é brasileira”, alguém me olha e fala só: Ronaldo (?). E sorri. Ou faz um pouco de mímica do tipo o cara que joga bola. Puxa, índios falam o que mesmo, tupi? Não, os brasileiros falam espanhol.

Tinha uma festa de funk, no sábado e eu fui. Acho que gosto de tortura enfim. Ouvi cada coisa… “mulher brasileira tem vergonha de dançar o funk, tem vergonha de mostrar a cultura do seu país!”  Imagina se eu teria vergonha de mexer as cadeiras como se estivesse transando com o cara que canta ‘vai que vai, vou na frente, vou atrás…’

Eu amo mesmo o Brasil. E puxa vida, penso que está crescendo e melhorando. Mas daí ver um folhetim mostrando o Rio de Janeiro como “o Brasil” e ouvir que funk é a cultura do nosso país… tipo TODA A CULTURA, e não uma das expressões culturais de um país de 180 milhões, me faz sentir tanta estranheza, tanta tristeza…

Que país é esse???

Pequenas Grandes Coisas da Minha Vida Sueca #02

A falta de novas postagens não é devida a falta de tempo, ou de que estou atolada na minha bagunça – como de costume. Eu poderia fazer uma lista de desculpas com coisas e coisas que soariam mais ou menos aceitáveis – afinal eu não ganho pago para escrever, não tenho que dar satisfação da minha falta de vontade, a não ser para mim mesma. Então é só isso mesmo, desânimo. Grande, e em certos momentos, perturbador. Eu nem lembro onde eu ouvi que a palavra desânimo tem origem grega e que significa “sem alma” (anima significa alma em grego). Faz sentido que tudo pareça pesado e triste e irritante.

E daí porque colocar isso em Pequenas Grandes Coisas da Minha Vida Sueca? Justamente porque eu li em alguns outros blogs várias pessoas falando do quanto “cool” parece aos outros (digo os outros brasileiros) quando a gente muda para fora do país, principalmente Europa e USA. Viramos gente chique, importante, que mora nos “estrengeiro”. Pessoas absolutamente felizes de conto de fadas que viajam, se dão bem acima de tudo e que mesmo quando tem um trabalho ruim tem grandes salários e estão por cima da carne seca.

É verdade que meu salário de Marinete é maior do que o que eu recebia no Brasil. E? É tão frustante quando as pessoas pensam que a vida se resume a quanto você percebe por mês como… trabalhador. Não, eu definitivamente não estou reclamando, apenas gostaria de deixar todas as coisas muitíssimo claras porque, apesar de tudo, tem gente que acredita no conto do vigário.

Conheci uma moça que está morando aqui cerca de dois meses. Ela veio da Bahia, foi auxiliar de enfermagem em uma fábrica no Brasil. A fábrica fechou, estava um pouco difícil para ela encontrar trabalho e aí, apareceu uma amiga. “Vamos comigo para a Europa, lá você vai se dar bem”. E ela veio, está aqui, sem visto, sem trabalho e sem… o que mais eu poderia dizer?

Eu tenho Joel aqui e a família dele me ajudando e dando apoio todo o tempo. Eu posso estudar sueco porque tenho permissão de residir aqui e isso me ajuda a ter um emprego (se você não vem para cá com contrato de trabalho assinado, não importa o nível do seu inglês). Falo de trabalho porque é importante para mim, mas existem muitas moças que mudam para ser esposas de um sueco – nada contra, acho que elas fazem muita coisa sendo somente esposas. Minha mãe foi esposa a vida inteira e não conheço ninguém que tenha trabalhado mais do que ela – e para isso também é importante o visto: é sua garantia de atendimento de saúde, na escola para as crianças, para o transporte, para ser livre. E as pessoas que vem com contrato de trabalho então tem tudo isso.

Mas se você não tem visto por conta de um trabalho ou visto por laço familiar, por que sair do Brasil e se aventurar como “preto” na Europa/USA? Para tentar a sorte? Sei que cada um faz da vida o que quiser, mas quem tem uma formação no Brasil tem mais chances de conseguir um emprego lá, por mais difícil que a coisa seja, do que aqui – sem documentação, sem poder aprender a língua numa escola.

Eu sou feliz, e muito, e não quero dar uma de “pobre menina rica, olha ela reclamando de barriga cheia”. Mas depois de encontrar a Fulana aqui, eu fiquei pensando que caraca!, ainda tem realmente gente que acredita que estamos num conto de fadas? A vida é igual em qualquer lugar do mundo, seja no Brasil, na Europa ou na Nova Zelândia. Todo mundo tem que ralar, tudo tem que ser conquistado!

E sabem qual a coisa mais engraçada disso tudo? O Brasil aqui está sendo noticiado cada vez mais como a terra das oportunidades – mostraram no jornal essa semana que 1200 sueco se mudaram para o Brasil. E todo mundo aposta que vai ser para lá que os portugueses e espanhóis vão tentar correr, devido a crise.

Não quero criticar ninguém. Não acho burrice mudar – eu fiz isso, sei os meus motivos, e tem muitas brasileiras como eu, que encontraram marido e mudaram para cá, ou pessoas com contrato de trabalho, estudando e ou o quê. Mas o que eu gostaria de sublinhar é que todas essas opções que eu citei vem com uma espécie de suporte – financeiro, social e familiar – além do visto e essa é uma diferença grande, que só quem já saiu sabe!

A vida por aqui é exatamente como aí. Mas a diferença pode ser desestimulante e esmagadora se você está sozinho.