Ontem recebi um e-mail da minha professora de sueco dizendo que teria de assistir um filme para a próxima lição. Como saí do trabalho mais cedo ontem e a próxima lição é amanhã não tive muita opção senão estourar uma boa panela de pipocas e curtir meu cinema em casa.
Bom, ao menos essa era a intenção mas o filme não colaborou: “Play” foi lançado ano passado e recebeu ótimas críticas no circuito nacional. Não sei bem como classificaria o filme, se um drama ou o quê, mas para mim ele significou duas horas de angústia. Se eu entendo alguma coisa de fotografia, essa foi a melhor coisa do filme: como a história é sobre dois grupos de adolescente as câmeras sempre parecem meio baixas e a perspectiva é de alguém que olha “de baixo”.
Sem mais chorumelas: um grupo de adolescentes negros (visivelmente descendentes de somalianos) aborda um grupo de adolescentes brancos – dois suequitos e um oriental que dá-se entender foi adotado por uma família sueca. As diferenças entre os dois grupos são gritantes: enquanto os meninos brancos parecem saídos de catálogo de revista os negros parecem ser tirados de um clipe de hip hop. Um dos rapazes negros começa a intimidar os branquelos dizendo que o celular de um deles (o menos do grupo) é o celular do irmão do primo do parente do vizinho do conhecido do tio de sei lá quem que foi roubado não sei quando. Apesar dos meninos brancos estarem visivelmente assustados eles fazem tudo que os negros mandam e seguem o grupo como zumbis idiotas (todo zumbi é idiota visto que não teria cérebro), sem gritar, sem protestar, apenas tentando fugir uma vez ou duas, para um lugar esquisito onde não há ninguém.
Se fosse uma parábola de Jesus, os branquelos poderiam ser as ovelhas.
No fim das contas os negros propõe uma aposta: quem vencer uma corrida fica com tudo que o outro grupo possui. É claro que eles trapaceiam, ganham a aposta e “tosquiam os cordeirinhos” – que além de tudo levam uma multa ao voltar para casa por não ter o bilhete do trem.
O filme ainda mostra mais alguns detalhes, tudo contribuindo ainda mais para definir e marcar quão grande é o abismo entre as culturas sueca e dos estrangeiros. Mas é absurdamente irritante como tudo se desenrola, tanto que eu tinha vontade de gritar.
O pior é que essa sensação não passou. Não consigo me conformar com a atitude idiota dos cordeiros suecos que simplesmente seguem os lobos somalianos até fora da cidade. Calma moça, é só um filme. Mas é um filme que foi baseado em dado reais e em boletins de ocorrências de roubo de celulares de adolescentes por outros adolescente aqui em Göteborg (a história se passa aqui).
Não sou parte do clube “mande os somalianos de volta a Somália”, afinal, não é a Suécia um país que busca fortalecer os direitos humanos e que luta por igualdade? Apenas trazer o povo para cá e dar-lhes uma bolsa não significa que alguém vai se sentir beneficiado com isso; ainda mais quando isso faz com que o resto da população olhe com maus olhos para o grupo por causa da religião, do jeito de vestir, do jeito de gritar por aí (que os brasileiros também tem), da aparente preguiça e falta de vontade, e daquela bolsa e auxílio que o governo dá.
Eu mesmo já reclamei aqui que o pessoal refugiado atrapalha nas aulas de sueco (não são todos, mas alguns são verdadeiras topeiras) e não penso que seja necessário explicar que isso não é uma questão pertinente somente ao grupo dos refugiados – há topeiras por toda a parte. O que mais me incomoda no filme não é a atitude errada do grupo somaliano (sim, porque eles são frutos do sistema e caem nessa por falta de opção blá blá blá – não concordo com esse discurso mas não vou discutir agora – mas ainda roubam e isso não é legal) e sim a atitude patética dos suecos, apática, medrosa, conciliadora até.
Isso me faz pensar em mim mesma como estrangeira aqui. Todo sueco tenta ser gentil comigo – sem exceções – não posso me lembrar de um indivíduo que fosse grosseiro. Mas isso não significa que não há aqueles que são/foram estúpidos – e agora eu não to falando de terem problemas na cabeça, to falando daquela estupidez para machucar. Sueco adora se gavar de sua ínfima capacidade ser irônico e há certos momentos que eu não sei dizer se alguém está rindo de mim ou está rindo comigo.
Isso que sou brasileira e não somaliana, não uso burka e nem véu, não sou negra e falo razoavelmente sueco, tenho uma família sueca que me ampara e apóia, venho de uma cultura europeizada (o sul do Brasil é muito “Europeu”)… imagina o que acontece para o povo da outra ponta?
Esse filme é do mal, me deixou sem esperanças! Não só na sociedade sueca, mas no ser humano…
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Tinha esquecido o trailler, sorry!!
“Caí” (e de pronto simpatizei com seu blog) quando pesquisava sobre filmes suecos para incrementar minha filmoteca pessoal. Confesso que os primeiros genuinamente suecos que assisti custei a pegar a embocadura. A princípio fazia downs e procurava à parte por legendas em português, boa parte delas com erros gritantes de grafia e concordância – valiam, por assim dizer, apenas pra entender, em termos de diálogos, o que se passava nas películas. Recentemente o TC-Cult enveredou por mostrar parte da filmografia de Ingmar Bergman e eu aproveitei para gravar pois estavam primorosamente legendados. Alguns deles, como Persona, Gritos e Sussurros, Face a Face e Cenas de Um Casamento eu já tinha. Mas pelo Cult, áudio e legendas tinham qualidade superior. Desnecessário dizer que a beleza anos 70e80 de Liv Ullmann e Lena Olin me conquistaram (não que do alto de suas idades atuais sejam menos belas): um raro encontro entre conteúdo e forma. Agora estou buscando torrents dos filmes de outro importante diretor sueco: Jan Troell. Por enquanto o Cult não tem nada programado para exibí-los. Resta tentar – pela net – conseguir filmes como Os Emigrantes, Everlast Moments etc. Não conheço sua cidade natal embora no período 10-15/out estarei em Blumenau e dali para outras cidades, a título de passeio. Já conheço As Serras Gaúchas, POA, Floripa, Curitiba etc. Concordo que o sul do Brasil tem muito da cultura européia. Pena que a minha Sampa de infância tenha perdido o pouco que, nesse sentido, tinha… Com relação ao Play, talvez chegue nos circuitos por aqui. Mas acho que teria semelhante impressão que a que teve ao assistí-lo…
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Já tinha ouvido falar desse filme, e lembro-me que na altura fiquei com uma sensação de desconforto também… Acho que foi por se tratar de bullying… Acho tão triste que estas coisas aconteçam na vida real! Agora que li o seu post, decidi de vez passar longe desse filme. Eu fico-me pelas pipocas, rá! :D
Espero que pelo menos vocês tenham uma discussão interessante sobre o tema, na escola. Afinal, de certeza que foi por isso que insistiram na visualização dele.
Beijo!
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Eu tenho uma grande amiga que é advogada de direitos humanos, trabalhou pra ONU e agora pula de ONG em ONG voluntariando, um trabalho maravilhoso, admirável, atualmente ela tá lá na Africa fazendo isso, acho bem legal, poréééééémmm discordo de inumeros pontos quando se trata de refugiados, a Suécia ainda é uma pais rico, mas por exemplo a Hungria, mal se sustenta e segue proíbida pela UE de resusar asilo, isso é o fim, eu acredito que o fundo de ajuda pra essa galera deveria vir da UE e não do pais onde se instalam.
Aqui na Holanda pagamos 47% DE IMPOSTO, tem noção, quase metade do salário do Karo é imposto e boa fatia desse imposto vai pra asilados, refugiados e afins, eu acho absurdo, sou sim imigrante e não me acho melhor que ninguém, mas acredito que o governo local ou a UE deveria fazer algo pra mudar esse quadro, proque não é justo o povo trabalhar pra manter os outros, fazer “caridade” com o dinheiro do povo é fácil né! =(
Beijocas
PS:Tive uma namorada de Malmo que trabalhou um ano e meio de agente penitenciario pra escrever a tese de doutorado dele, ele escreveu sobre as condiçoes de vida de muçulmanos na Suécia e a vida carcerária foi um dos capitulos, a coisa era complicada.
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Oi povo… antes tarde né?
Luiz!
Obrigada! Infelizmente eu não sei muito sobre o cinema sueco, procurei dividir algumas informações pensando mais no pessoal que está tentando aprender a língua do que o cinema como a arte em si mesmo… É uma pena que fecharam (de novo) o Pirate Bay, lá você encontraria com certeza o torrent para filmes suecos que você quer, ainda mais os mais antigos. Em todo o caso, é muito legal quando alguém que sabe das coisas participa, comentando e deixando dicas para quem está pesquisando (a sério) a sétima arte sueca.
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Joana,
Nem tivemos a tal discussão… os outros alunos não conseguiram acesso ao link do filme e no final das contas apenas eu havia assistido ao bendito. Na altura que vão as coisas terei de assistir de novo pois a discussão ficou para 26 de outubro! Tortura!
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Luiz,
Há muito o que se discutir a respeito da questão dos refugiados africanos que desembocam aos milhares na Europa. Certo é que pagamos por isso, mas os nossos governos e empresas privadas não deixam de ganhar (e muito) ao vender armas e munição aos países africanos em guerra (a Suécia vem discutindo isso meio firme sem chegar a lugar algum). Isto posto, é fato que remediar nunca foi o melhor remédio, tanto que, como já afirmei, trazer o povo para cá aos montes para salvá-los da guerra e… larga-los a marginalização? Pode estar certo que eles tampouco estão felizes com esta situação.
Abraços povo!
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