Preconceito? Imagina…

O país mais acolhedor do mundo é o Brasil.

Só que não.

Na verdade, o Brasil é um país excelente no que se refere a acolher turistas. Tá certo que existem casos e mais casos de turistas que foram roubados e juram nunca mais voltar para o Brasil. Mas isso passa. Morre em questão de dias. Afinal, o Brasil é o país mais simpático do mundo.

Só que não.

Se você não é um turista europeu ou estadunidense, ou melhor, se você não for um turista branco cheio de grana, você será tratado como um turista qualquer. Afinal, pra quem serve um turista se ele não for o cara cheio de grana que vai deixar muito dinheiro no Brasil?

Eu to generalizando, eu sei.

Mas é foda. Sim é foda, não é triste, é foda. É foda abrir o navegador e ver mais gente compartilhando o quanto é que os médicos brasileiros estão sendo mesquinhos e infantis na forma de tratar os médicos cubanos.

Provavelmente, eu não devia meter a colher porque eu nunca trabalhei na área de saúde. E tá certo. Eu nunca trabalhei na área de saúde, mas eu já usei o sistema de saúde brasileiro, tanto o particular como o privado e sabem, não há lá tantas diferenças.

Não me lembro de uma só vez que eu tenha pago uma consulta no Brasil e que eu não tenha esperado para ser atendida. Sempre uma desculpa: é que o “doutor” teve uma chamada de emergência, então, nos desculpe, você não pode ser atendida no horário em que marcou. Ou seja, todo mundo pode esperar pelo médico, todo mundo DEVE esperar pelo médico, no sistema público de saúde ou não, porque ele é o senhor doutor.

Esse é um argumento emocional que não vale de quase nada. É só um choramingo igual a de praticamente duzentos milhões de pessoas que vivem no Brasil. Então passa.

O que eu quero dizer mesmo é que eu sei o quanto é chato você ter que provar para todo mundo que você é qualificado. Sim, porque a situação pela qual os médicos cubanos estão passando no Brasil não é diferente da situação da maioria dos expatriados que estão trabalhando ou tentando trabalhar fora do Brasil, não é diferente da minha situação atual. Mas o quê? Tá chorando de barriga cheia, menina, afinal, tu tá na boa, nos estrangeiro… acabou de voltar da Grécia.

Eu não entendo essa mania, essa merda que incutiram na cabeça do povo, que viver na Europa é bom pra caralhoooo (sim, esse é um post com muitos palavrões, eu sinto falta também de falar palavrão em português), então você tem que ficar apenas feliz e contente de viver na Europa. Se estiverem fudendo com você, se estiverem te tratando com preconceito porque você não tem um diploma europeu, que se dane minha filha, “tu tá nas Europa”.

Isso cansa.

Mas dizer que eu sofro algum tipo de discriminação aqui que eu já não sentisse no Brasil – ou que eu mesmo reproduzisse – é mentira. A exceção do campo de negócios e de tecnologia (que eu acredito sejam mais abertos porque eles querem simplesmente pessoas inteligentes e audaciosas, corajosas); os demais campos de trabalho são extremamente fechados. A gente fica olhando uns e outros com desconfiança, brigando para sermos reconhecidos e para construirmos um status semelhantes aos dos médicos. Exatamente isso, no fundo no fundo, todo mundo gostaria que a sua profissão tivesse o mesmo status quo que a dos senhores de branco.

E por que não? Por que algumas profissões são tão absolutamente invejadas e veneradas enquanto outras, sei lá, ficam como em segundo plano?

Porque somos humanos, e gostamos de nos gavar. A gente sempre quer ter alguém olhando lá de baixo. Se não for a empregada doméstica, tem que ser o mecânico, ou o professor (sim, infelizmente, professor já foi uma categoria profissional com status quo, mas isso foi no tempo das fadas), o gari.

Eu, como assistente social, fico puta da cara se me compararem a um conselheiro tutelar, e fico puta da cara porque minhas palavras e meus relatórios tem menos peso do que os mandatos de um senhor promotor. É um ciclo parecido com o da cadeia alimentar, onde os menores, no mínimo, tem que mostrar respeito aos maiores se quiserem continuar respirando.

Sim, deixemos as nossas máscaras caírem: somos preconceituosos. Brasileiro tem horror a gente negra, porque o símbolo do Brasil é um corpo moreno, não negro; brasileiro tem horror a gente pobre, porque estamos cansados de ser um país de terceiro mundo, então eu quero fugir daqui, sair dessa zona. Brasileiro tem muito mais orgulho do seu sangue branco do que muito alemão nazista. Eu quero viver no glamour europeu porque lá todo mundo tem uma vida boa, porque lá a diferença de classes é menor e não importa se você é formado nisso ou naquilo, a diferença salarial é pequena. Imagina que até mesmo uma faxineira tem uma vida boa lá! Eu ficaria contente de limpar banheiros por um salário assim mas, meu Deus do céu! Eu não vou pagar um absurdo desses para uma “tatinha” cuidar das minhas crianças, ou para uma Dona Maria esfregar o chão em que eu piso. É um absurdo que o governo queira dar privilégios a classe serviçal.

É um absurdo que o sistema de saúde seja poluído de médicos negros que a gente nem sabe se tem qualificação.

Mas essa é outra história não é mesmo?

Não, isso é hipocrisia. E nem é velada, é escancarada: a gente não quer morar no Brasil porque é fora do Brasil que está a vida boa. Só que a sociedade brasileira é um reflexo dos nossos desejos: a gente quer ter acesso a tecnologia como nos países de primeiro mundo, a gente quer ter salários de primeiro mundo, mas a gente quer perpetuar o modelo colonial, em que os senhores de branco, os engravatados, o pessoal que trabalha em escritórios continua tendo a possibilidade de ter seus escravos. E onde todo mundo que não está tão mal na fita assim, e que tem uma profissão intermediária, sonha chegar lá no status quo dos grandões, só para ter seus próprios escravos.

Enquanto isso não acontece, a gente, dessas profissões intermediárias (ou ao menos alguns de nós) não estão nem aí se precisarmos nos comportar como os cachorrinhos dos grandões, seja no Brasil ou aqui na Europa. Afinal, se a gente ficar nas proximidades da mesa, quem sabe nos sobrem algumas migalhas.

É foda ter que ficar provando que você é qualificado. Mas a gente só pensa nisso quando tá queimando na própria pele. E é por isso que me irrita ver o comportamento dos médicos brasileiros.

Eu não sou cachorra não. Nem gostaria de ser, ainda que eu fosse um cachorro de madame. Não quero ser tratada como alguém que veio de um país em desenvolvimento, quero ser tratada como uma pessoa. Acho estupidez, mesquinharia, rabugice e burrice tratar os médicos cubanos como cachorros que vieram pra pegar os restos da mesa dos senhores médicos brasileiros, só porque eles são negros e cubanos.

Sabe o que é mais chato de tudo isso? A Suécia é um país fechado. Suecos tem fama de ser um povo, no máximo, gentil. Gentil, mas frio, fechado, organizado. E são tão organizados que não importa de que lugar do mundo que você veio, se a sua formação não tá dentro dos parâmetros suecos, você pode vir do Reino Unido, não tem choro e nem vela, o jeito é voltar para os bancos universitários e estudar até que esteja no nível que é exigido. Ao menos eu sei que o tratamento que me é dispensado até esse momento não é diferente do tratamento que é dispensado a qualquer outro estrangeiro, vindo ele do primeiro velho mundo ou não. Mas no Brasil…

Bom, pelo menos Brasil é o país mais simpático do mundo. Está de braços abertos como o Cristo Redentor, não é mesmo?

Só que não.