Mais uma do facebook: tenho o azar de topar com demagogos o tempo inteiro. Gente que tem o maior discurso para qualquer coisa. E eu entro, fácil fácil. Infelizmente, não para concordar, mas para ser do contra. O Joel diz que nunca conheceu alguém que cai tão fácil nas falácias de propagandas como eu; e é verdade. Por outro lado, nem sempre o discurso massivo me corrompe e eu tenho o azar de, ou melhor, a burrice de me irritar e bater de frente com demagogos facebookianos que encontro por aí. Quando há qualquer idiota discursando sobre o óbvio, lá vou eu bater de frente (sabem, igual aos insetos bestas que ficam batendo de contra luz? Sou eu). Nesse fim de semana descobri, num desses meus rompantes, que não passo de uma analfabeta funcional.
Nem vou entrar no mérito da questão do analfabetismo funcional, eu não teria a audácia de explicar isso e apontar os meus dedos sujos para os demais. Mas, decidi definitivamente que está na hora de eu ser feminista. E como toda boa feminista tem que ser chata, decidi começar a praticar o meu discurso aqui no blog.
Sempre me irrito com gente que fala mal de pobre e mais ainda, gente que fala mal do Bolsa Família. A frase mais repetida do facebook é que os beneficiários do bolsa família são os culpados pela corrupção do Brasil, uma vez que o BF é um programa do PT, e que só no PT é que estão os políticos corruptos do Brasil que usam o programa para continuar no poder – porque afinal, todos os milhões de beneficiários do programa votam no PT. E só no PT.
Obeservação: as colocações do parágrafo acima são um resumo generalizado, é óbvio! Mas o que é um peido para quem tá cagado, não é mesmo?
E o que tem toda essa conversa de Bolsa Família (mais corrupção e PT) a ver com feminismo? Tem a ver que eu acabei de decidir que todo mundo que se diz contra o programa Bolsa Família é MACHISTA.
Porque o programa Bolsa Família é acima de tudo um programa de promoção de mulheres: 90% dos beneficiários do bolsa família são beneficiáriAS, ou seja, mulheres. São as mulheres que são beneficiáriAS do bolsa porque são elas que são os chefes da família depois de serem abandonadas com cinco filhos pelos homens. Assim, não importa muito quem é o homem da casa porque eles vão e vem, mas a mulher sempre fica com as crianças e é por meio dela que o programa atinge a população infato-juvenil miserável do país.
É mais do que certo que o programa tem ajudado a melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes principalmente porque ele deu aos beneficiados a possibilidade de continuarem na escola. Se a escola tem boa qualidade ou não, essa é uma questão educacional complementar ao programa, uma questão que tem que ser debatida e corrigida por meio das políticas de educação e não por meio da suspensão das políticas de assistência social e transferência de renda.
O livro “Vozes do Bolsa Família” (eu falo sobre ele abaixo) mostra que as beneficiárias sentiram pela primeira vez – por meio do programa – o que significa ter uma fonte de renda regular. Será que eu preciso relembrar que a média do benefício é de R$119 mês por família? Você já se imaginou ficando feliz por causa disso? Pode imaginar qual será que era a situação anterior dessa mulher, qual o grau de miséria, marginalização e submissão ao qual ela vivia para ficar feliz ao receber R$119 mensais? No nordeste – ah, o Nordeste é o prato cheio dos facebookianos preconceituosos, ops! MACHISTAS – o programa tem ajudado a tirar as mulheres da prostituição. Se R$ 119 mensais faz com que as mulheres parem de se prostituir, dá para chegar a conclusão simples de que o que elas ganhavam fazendo programa um mês inteiro era menos do que isso. Sente o drama?
Eu podia encher o meu texto de referências mas é tanta coisa! Ainda assim deixo aqui um texto curto da Carta Capital apenas a modo de tira gosto. Só para ter uma ideia, a cidade de Nova Iorque copiou o modelo do programa. É claro que eles devem ter melhorado a coisa, afinal lá nos EUA tudo é perfeito, mas o meu intuito não é convencer a ninguém de que o programa é perfeito e sim que essa propagação ridícula de preconceito machista no facebook tem que acabar!
E não tem que acabar porque eu quero e sim porque tá na hora de refletir: quando as pessoas compartilham que as beneficiárias do bolsa família são as responsáveis por reeleger candidatos corruptos estão afirmando que mulheres não sabem escolher na hora de votar. Quando o pessoal fica compartilhando que toda beneficiária deveria ter o título de eleitor confiscado está afirmando que as mulheres tem que perder o direito de votar. Quando você fica dando curtir para gente que compartilha que o programa é feito para sustentar vagabundas você está afirmando que mulheres e crianças não precisam ter seus direitos atendidos. Em resumo, você que faz isso é um machista que não quer ver as mulheres independentes e tendo uma vida melhor.
E se você é mulher, vou ser ainda mais cruel e usar todo meu veneno feminista recém adquirido: eu tenho vergonha da sua postura.
Preciso abraçar a minha cunhada por me contaminar com essas ideias feministas.
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Aqui vai uma entrevista com a professora de teoria social da Unicamp, Walquíria Leão Rego que escreveu o livro “Vozes do Bolsa Família”. Note que ela sempre se refere a “elas” e “delas” quando fala do programa, em referência as mulheres que são beneficiárias.
Recomendo também a leitura desse post sobre o livro.
Eu quero muito esse livro.
Uau, gostei essa.Nas notícias de P1 hoje eles conversaram sobre o desenvolvemento dos partidos xenofobicos na união europea. Eles falavam que esses partiodes tem mais uma coisa em comum, fora da xenofobia: todos eles são contra o feminismo. Achei muito interessante.
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Parabéns!
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Maria, você é incrivel! Adoro seus textos, principalmente quando você pega no ponto.
Beijos
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E sim, a Suécia é o lugar perfeito pra aprender mais sobre feminismo e gênero. Que bençao a sua cunhada. hehe
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Mary, eu fiquei emocionada com esse texto!Compartilhando now!!
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Adorei, como sempre você fala tudo, e para os facebookianos preconceituosos, não foi o PT que inventou a roda da corrupção, nesse livro: A Privataria Tucana de autoria do jornalista brasileiro Amaury Ribeiro Jr, temos uma ideia de quem iniciou e veremos que a dor é mais embaixo. Parabéns pelo texto Maria e continue assim, inspirada.
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A minha relação com o feminismo começou bem antes de eu me mudar para a Suécia e foi lendo o blog da Lola que fui aprendendo mais sobre o assunto, apesar de já apoiar muitas das ideias muito antes também de chamá-las de feministas.
Eu queria ter o poder para acabar com toda essa enorme desigualdade social no Brasil neste exato momento.Não entendo como tem gente que consegue ser contra a uma ajuda tão pequena a pessoas com problemas tão grandes!!!
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(Gente eu to ficando chique! Até meu boy veio me comentar!)
Joel,
Você ainda vai me amar quando eu ficar ainda mais chata do que sou? Não por causa do feminismo. Só porque acredito que feministas chatas são chatas porque sempre foram chatas, só encontraram mais um motivo para sair chateando os demais… Chega de brincadeiras então! Eu penso que o fato dos xenofóbicos odiarem (ou talvez apenas não tolerarem) feministas está ligado ao fato de que, ao menos em tese, o feminismo luta para que todos sejam tratados com o mesmo direito, independente de cor, gênero ou orientação sexual, classe, etc. Ou seja só um reflexo do conservadorismo.
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Cíntia,
Eu ainda não me considero feminista de verdade. Só de meia tigela. Mas obrigada.
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Paula,
Hahaha! Obrigada, mas acho que não é só a Suécia é que um lugar ótimo para aprender sobre feminismo. Acho que no Brasil também. O triste é que no Brasil tem muita mulher que luta pela igualdade de direitos e não é reconhecida pelo movimento (feminista) porque ela mesma não se auto-intitula feminista. Eu continuo não gostando da ideia de me declarar feminista. Acho que sou um ser humano que pensa nas questões de igualdade e gostaria de poder transformar essa realidade. Ah, e sim, minha cunhada é um charme de pessoa.
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Nara,
Eu te dou metade do cachê depois. :P
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Claudia,
Eu vou colocar esse livro na minha lista de desejos também. To fazendo uma lista de livros que quero comprar quando for ao Brasil! Obrigada pela dica e pelo incentivo!
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Jose,
Eu também leio a Lola e o que eu mais gosto nos textos dela é essa abertura que ela dá para todo mundo sabe. Ninguém precisa ter lido os grandes nomes do feminismo mundial para se sentir acolhido no blog dela. Ninguém precisa estar em palanque pregando feminismo como os pastores/padres por aí pregam Jesus. É só querer a igualdade entre os gêneros que pronto, já começou muito bem. Bom, se algum dia você conseguir esses poderes aí, me liga que eu me junto com você!
Beijos!
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Mas muitas criticas ao bolsa-familia é sobre a forma que ele é aplicado. Eu mesmo acredito que ele deveria ser acompanhado de uma politica que desse uma autonomia as familias, mas do jeito que é feito acaba transformando muito dos beneficiarios em gado eleitoral.
Claro, não se pode esquecer suas conquistas (como o combate a mortalidade infantil e outros que você citou), mas o governo tem criado muitas soluções pela metade. Como o ProUni, que é ótimo, mas olha a qualidade do ensino universitario brasileiro?
Da mesma forma, o Bolsa-familia deveria vir acompanhado de um ensino de qualidade, o que não acontece: esse é o problema!
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Outra coisa, eu estou pesquisando bastante acerca do feminismo e tentando entendê-lo.
Li um texto no Groselha News (http://srtabia.com/2013/09/prostituicao-e-legalizacao/) este texto, e o ponto que eu queria chamar a atenção é no final, que a autora do texto se refere ao feminismo sueco como “um feminismo extremista, fundamentalista ou autoritário.” Porque essa afirmação?
Eu tentei pesquisar, mas não consegui encontrar muitas informações concretas, exceto duas coisas: sobre a discussão do “sexo por insistência” e o fato de que muitos homens da suecia estão preferindo se casar com mulheres de outros paises (http://passaportelove.blogspot.com.br/2013/02/as-suecas-e-o-autoritarismo.html).
Enfim, estou apenas tentando entender este movimento, ficaria muito grato se você me respondesse. :)
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Oi Jonas
Bem vindo ao blog!
Eu não estou reclamando das críticas construtivas ao programa. Só acho que o programa recebe todas as críticas por causa do sistema não funcionar: o sistema de saúde não funciona e a crítica recai sobre o BF, o sistema educacional não funciona e a crítica recai sobre o BF. Você mesmo pontuou o caso das universidades, agora me diga: isso compete ao MDS ou ao MEC? É o BF que tem que fazer as universidades melhores no Brasil? O BF está criando as pontes para que os pobre e marginalizados cheguem até o sistema do qual eles sempre foram excluídos. Se o MEC não está providenciando para que as escolas fundamentais, de ensino médio e técnicas assim como as universidades brasileiras tenham boa qualidade, você realmente acha que esse é um problema que compete ao BF resolver??? Será que não deveríamos voltar essas críticas ao MEC? Dá no mesmo dizer que olha a saúde como está, com o BF os postos de saúdes ficaram ainda mais lotados e ninguém recebe atendimento de qualidade. Ok, e qual é a solução então? É o BF responsável pela má oferta dos serviços de saúde no Brasil? Vamos novamente fechar a porta aos mais pobres porque o sistema não está preparado? Ou vamos pressionar o MS para que trabalhe mais seriamente o SUS? Mais uma coisa: Prouni é para universidades particulares, e as universidades particulares no Brasil (com exceção de duas ou três) sempre foram piores do que as universidades públicas no quesito ensino, pesquisa e extensão (mesmo diante do sucateamento das universidades públicas pelo governo FHC).
Com relação a sua questão, eu não acho que posso responder. Em todo o caso, diria para você que eu tenho pouquíssimo contato com o feminismo sueco (com exceção da minha cunhada) e algumas coisas que a gente conversou achei bastante sensatas. Por exemplo, o feminismo sueco (se é que eu posso chamar assim) é ciente de que ele é um modelo de feminismo que deu certo dentro dos padrões suecos e não quer vender esse pacote para o mundo. O Brasil tem que encontrar o seu próprio modelo de feminismo, um modelo que possa crescer e se fortalecer levando em consideração os problemas culturais e sociais do Brasil, e nesse ponto, definitivamente o feminismo sueco não serviria para nós. Eu sei muito pouco dos movimentos feministas pelo mundo, não tenho vergonha de falar isso, acho que nós mulheres temos que fazer mais (na política principalmente) do que discutir. É óbvio que é importante ler sobre o tema, se informar e trocar ideias, mas também colocar o pé no chão, porque tem gente que se prende demais na teoria e se perde em discussões tipo essa, será que o feminismo sueco é autoritário? Só para começar, se é autoritário não é feminismo porque o feminismo não é um movimento pela hierarquia, pela exclusão; mas tem gente que acredita que as mulheres estão prontas para subverter a ordem mundial e fazer os homens de escravos. Na minha opinião isso é fofoca da oposição e não condiz com a realidade (nem na Suécia e nem em lugar nenhum do mundo). Essa questão dos homens irem buscar mulheres fora da Suécia porque não aguentam a mulherada é mito, eu ouvi demais essa história quando cheguei aqui e até acreditei, mas o que acontece é que homens de meia idade na Suécia também tem suas crises – assim como no Brasil – assim eles saem para países onde a carteira deles é mais interessante do que a barriga de cerveja para encontrar uma mulher bonita e jovem. Simples assim – e não tem nada a ver com o feminismo das mulheres suecas (que nem é tão homogêneo assim como se fala).
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