Será tabu?

Dias atrás eu comentei que as grávidas suecas costumam esperar no mínimo até o término do terceiro mês para compartilhar a notícia de que estão esperando, às vezes até mesmo nem os membros mais próximos da família sabem. Eu fico imaginando como é que é que ela escondem os enjoos, o cansaço e outros trelelês que são comuns nos primeiros meses de gravidez entre as mulheres em “estado interessante”.

Eu liguei para a família (tanto a brasileira como a sueca) no mesmo dia em que descobri. Mandei sms para as amigas no Brasil (quase matei algumas do coração!) ou recadinho no facebook, além de mandar um sms para o pessoal próximo aqui também. Recebi um monte de recadinhos de volta, sms e também mensagens pelo facebook, com congratulações. Estava me sentindo a própria rainha da cocada preta.

Eu acho que essa parte de contar para todo mundo é tão legal: não tem uma pessoa que fique triste. Eu lembro que uma das minha colegas de trabalho ficou tão emocionada que chorou. Me deu um abraço forte e disse que desejava paz e bem para mim e a criança. Me deixou emocionada também. E encucada… por que as suecas não compartilham do seu “estado interessante” logo que o descobrem?

Uma das coisas que ouvi por aqui é que o pessoal quer ter certeza que a criança vai “vingar”: segundo uma pesquisa de 2010, cerca de 12 mil suecas perdem seus bebês a cada ano, o que significa que entre 10 e 35% das gestações (a estatística varia de acordo com a idade da mulher) terminam antes do terceiro mês. Isso não é muito comparado com os números de abortos provocados na Suécia. Em todo o caso, não estou aqui para retomar aquela discussão e nem para estabelecer um juízo de valor, mas a impressão que tenho é que há um tabu gigantesco em torno do aborto espontâneo.

Uma das primeiras vezes que encontrei uma grávida aqui ela estava no quarto mês e com uma barriga aparente. A gente foi a uma festinha de uns amigos e a guria estava lá, para cima e para baixo com super cara de grávida mas o resto do povo tava assim… sei lá, como que ignorando o “estado interessante” dela… É difícil explicar. Eu perguntei ao Joel se ele sabia se aquele casal estava esperando, e ele só riu e disse que não sabia, que provavelmente ela estava gorda. Daí foi a minha vez de rir: gorda? Com aquela barriga de grávida? Sem essa. Lá pelo meio do jantar o casal levantou e informou aos presentes a gravidez da guria. Achei aquilo super surreal – um monte de gente fazendo cara de surpresa, um monte de vivas e tals e o clima do ambiente mudou, com toda a mulherada passando para abraçar e cumprimentar a futura mamãe… super cara de pau ou sei lá, respeito?

Ou vai ver que o pessoal na Suécia é como o Adão aqui...

Ou vai ver que o pessoal na Suécia é como o Adão aqui…

Recentemente um casal de amigos próximos “engravidou” e eu fiquei super surpresa quando a guria me contou mas pediu que eu não comentasse com outras pessoas, pois eles estavam dividindo a notícia apenas com os mais próximos. Me surpreendeu eu ser uma entre “os mais próximos”, mas também o fato de que eles não queriam que muita gente soubesse porque “a primeira gravidez a gente nunca sabe… há um risco grande de aborto espontâneo”.

Obviamente, a questão é choque cultural… mas eu ainda fico imaginando se não há um grande tabu por detrás dessa história toda. A impressão que levo é que perder uma criança aqui é tão ou mais chocante do que no Brasil, onde ser mãe é ainda uma questão imposta pela sociedade, não uma escolha. Aqui, apesar do debate em relação a questão ter versus não ter filhos parecer estar mais avançado, ainda é chocante que mulheres não possam levar adiante uma gravidez – tanto que elas guardam o fato somente para si e os mais próximos. É claro que cada um tem o direito de dividir o que bem quiser a respeito da sua vida, mas se a gravidez é um motivo de alegria para o casal, por que esconder? Suecos são mais reservados, em todos os casos. Só não entendo gente que tem uma super barriga e ainda disfarça que não está grávida.

Uma das minhas cunhadas me perguntou se eu queria que a minha gravidez fosse um segredo até o terceiro/quarto mês da gestação e eu respondi que elas poderiam comentar que seriam tias para todo mundo  porque eu não entendia essa coisa de “esconder a gravidez” – se eu perder a criança, quero que as pessoas que estão ao meu redor e gostam de mim possam me apoiar; não quero virar uma mártir solitária. Aí ela comentou que também não entendia isso, que parecia que era feio uma mulher perder o bebê… eu fique surpresa por ela dizer isso e começamos a discutir um pouco a questão. Todo mundo que eu conto a respeito da gravidez fica surpreso por eu dividir isso assim (puxa, tão cedo… você ainda nem completou o terceiro mês!), mas eu ficou enjoada toda vez que abro uma geladeira (agora tá melhorando!), recebi uma lista enorme de coisas que não devo comer durante a gestação e aí? Como é que explico que a louca por carne aqui de repente parou de comer presunto? Seria lindo dizer que estou apoiando a causa de ativistas contra os maus tratos animais mas, a bem da verdade é que, apesar de eu respeitar o trabalho deles, quero mais o meu pedaço de bife suculento no prato. Ao invés de ficar de mimimi é muito mais simples dizer simplesmente: estou grávida. Só que na cultura sueca o buraco é mais embaixo…

Tô viajando na maionese? Será tabu? Ou só mais uma questão de choque cultural?