A Suécia não tem barata mas…

O primeiro blog que eu li a respeito da Suécia foi o super divertido Na Suécia não tem barata. Infelizmente, a autora deixou de escrever nesse endereço ali e passou para esse outro aqui (o que eu fui descobrir apenas recentemente – sim, chamem-me de retardada). Minha tag favorita no blog dela foi “a Suécia não tem barata mas…” porque, além dos posts serem super engraçados, acho que ela fala bem dos outros tipos de situações que nos deixam tão sem reação quanto aquele momento em que você descobre que uma barata está dividindo o chuveiro com você. Só que, obviamente, na Suécia.

Dias desses compartilhei uma informação no Facebook dizendo que cerca de 385 mil crianças suecas, ou melhor, residentes na Suécia sofrem com o comportamento abusivo e constrangedor de pais alcoólatras. Uma fã da página comentou que estava assustada com essa informação. Eu sei que ela, que é uma pessoa que já morou fora do Brasil e que não é deslumbrada pela Europa, não estava dizendo com isso que nunca imaginou que na Suécia há pessoas alcoólatras. Mas tem gente que acha mesmo incrível que haja dependentes químicos na Suécia (ou não, mas daí é culpa de falta de Deus no coração), violência, crianças fora da escola e essas coisas. Nem mesmo racismo existe na Suécia.

Por causa disso fiz uma lista do tipo “na Suécia não tem barata mas”:

– também tem alcoolismo. Cerca de 13% da população sueca tem problemas com álcool (mais ou menos um milhão de pessoas) – dados de 2011. Segundo o estudo do SCB, esse número representa o percentual de suecos que apresentam um comportamento de risco em relação ao consumo de álcool – uma vez que é difícil obter uma resposta a partir da pergunta: você é alcoólatra? A pesquisa em questão considera como comportamento de risco quando um homem ingere cerca de 14 copos (ou latas) de bebida alcoólica por semana (ou 4,62 litros) e a mulher nove (2,97 litros). E eu achava que era cachaceira… Segundo dados do Socialstyrelsen, 80 mil pessoas que sofriam de alcoolismo profundo foram tratadas pela instituição em 2008. Isso significa que essa população já estava (ou ainda está) num estágio tão avançado da doença que não consegue mais gerir a própria vida. De acordo com a instituição, a maior fatia do orçamento da assistência social nas kommuner (municípios) é destinado ao tratamento e recuperação de dependentes químicos, inclusive álcool.  (fonte aqui, em sueco).

– há aproximadamente cerca de 16 mil crianças vivendo em famílias adotivas ou casas abrigo na Suécia. As crianças são separadas dos pais biológicos quando esses não podem mais cuidar do bem estar deles, e entre os motivos mais comuns estão o uso de drogas (álcool também é uma droga) ou doenças mentais* (fonte aqui, também em sueco).

– cerca de 28 mil e 400 casos de violência contra a mulher (maiores de 18 anos) foram registrados em 2012. Segunda as agências de dados (socialstyrelsen, entre elas) esse número é subestimado uma vez que o maior número dos casos de agressão parte do parceiro (em 85% dos casos o agressor é um homem) e isso faz com que a mulher não tenha coragem de delatar. Ou seja, esses são apenas os números oficiais. Quem frequenta o blog há algum tempo já leu por aqui que suecos mantem uma vida bastante fechada, e eles tem uma visão muito mais abrangente do termo privacidade do que nós. Essa cultura também contribui para ocultar os números reais da violência contra a mulher. Quem conhece a Trilogia Millenium sabe que não foi por acaso que Stieg Larsson escreveu Os homens que odiavam as mulheres (sim, essa é que é a tradução correta do título do primeiro livro Män som hatar kvinnor). As mães solteiras são um dos grupos mais expostos a violência (fonte aqui… em sueco).

– no mesmo período foram denunciados 16 mil e 900 casos de estupro. Segundo as estatísticas da página, 10% dos casos representam o estupro de meninos. Sim, a Suécia não tem baratas mas tem violadores de crianças, vulgo pedófilos e por aqui o grupo mais exposto a esses doentes são os meninos. Segundo a página, apesar da nova lei sobre estupro (de 2005) ser ainda mais severa contra o agressor e mais protetora para com a vítima, a estimativa é de que apenas cerca de 23% dos casos são denunciados a polícia. 2% dos molestadores são mulheres (idem).

– a Suécia é considerada o país menos descriminatório do mundo. Entre 2005 e 2012 houve uma queda de 32% nas denúncias sobre discriminação devido a orientação sexual (a união civil entre homossexuais é legal na Suécia desde 1995, passando a ser incorporada definitivamente na legislação sueca em 2009); mas o número de denúncias de cunho racista vem crescendo. Ano passado houve um grande escândalo envolvendo a polícia no país quando veio a tona que a corporação mantinha um registro dos “ciganos” residentes no país, principalmente do sexo masculino, desde o nascimento. Os números oficiais são de 5520 registros de discriminação, enquanto os números extra oficiais apontam para a ocorrência de cerca de 86 mil casos (números de 2012). Essa pesquisa englobou pela primeira vez dados vindos de escolas, o que reforçou que adolescentes são o grupo mais exposto a discriminação, que muitas vezes vem em dobro (religiosa e racial). E a fonte aqui, para quem quer conferir.

Considerando os números, a Suécia está muito a frente do Brasil nessas questões. Mas é importante pontuar que estamos falando de países com dimensões extremamente diferentes: cerca de 10 milhões de habitantes aqui, contra quase 200 milhões lá. E faz diferença, porque é muito mais fácil fazer que um grupo pequeno de pessoas siga um mesmo ideal. Além do mais a herança cultural e a história  também fazem diferença. Mas essa é uma história muito mais longa e complexa.

Qualquer hora dessas eu trago mais dados. Mas não é uma promessa…

7 comentários sobre “A Suécia não tem barata mas…

  1. Obrigada pelo seu post e por partilhar a fonte onde foi buscar esses dados.
    Eu estou a residir na Suécia a pouco tempo e há muitos comportamentos que não consigo entender.
    O sul da Europa tem uma ideia completamente utópica da Suécia, mas quando chegamos aqui ficamos um pouco tristes por verificar que afinal isto não é o reino das maravilhas.
    Ao ler o seu post consigo perceber agora muitos dos comportamentos suecos e principalmente das crianças, pois o alcoolismo dos pais vai alterar em muito os padrões de vida de uma familia e alterar os comportamentos infantis.
    O racismo é uma coisa que salta a vista, por muito que os suecos tentem dizer que não são racistas, e se façam de indignados quando ouvem ou presenciam comportamentos racistas, eles são claramente racistas, porque depois quando uma determinada situação já passou eles falam e criticam de uma forma pouco ética.
    Não existem culturas que não sejam racistas, mas não gosto de ver um povo fazer-se e mostrar-se indignado a frente de uma pessoa de outra cultura e quando se vira as costas eles mostram que aquilo que disseram não correspondia a verdade, no fundo eles acham que os outros estão aqui a mais. Pois para isso tem um bom remédio sejam homenzinhos e protestem junto do governo.
    Se há coisa que eu não vejo fazer é sueco protestar, para eles desde que exista um smartphone na mão e uma lata de cerveja na outra, não querem saber de mais nada.

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  2. Maria Helena, parabéns pela sua postagem. Você é bastante inteligente. Nem a nossa Rede Globo de TV faria uma reportagem assim. Curta e bastante objetiva. Nós, brasileiros, sempre repudiamos o Brasil em relação a tudo que você citou. Claro que todo mundo quer que melhore, mas sinto que a decadência do ser humano é geral. Como você bem citou, é falta de Deus.
    Parabéns por essa esclarecedora reportagem.
    Um abraço para você e um beijinho no bebe,
    Manoel

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  3. Post muito bem elaborado! Acabei de voltar para o Brasil depois de residir 4 anos na Irlanda. Lembro-me de quando me mudei para a Irlanda e senti o mesmo dos irlandeses: se nao falta cerveja, ta tudo bem. Sem falar da clara diferença etnica e ar de superioridade que rola no país, mas tentam disfarçar na frente dos outros. A diferença é que irlandeses são “bocudos” e vão às ruas por quase qualquer coisa (inclusive religião), mas nunca mechem a própria bunda para mudar o país, ja que é mais prático ver tv de dentro do pub e esperar as mudanças acontecerem. Se bem que aqui no Brasil – pasmem! – a lerdesa e preguiça do povo está me assustando…

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  4. É muito triste ler essas informacões, mas assim como a pessoas do face que se assustou com a sua informacão, eu também me assustei quando cheguei aqui, ao ver como o alcoolismo é comum e o consumo do cigarro também. Muita gente me achou estupida quando comentei da minha surpresa, pq diziam “Como assim?? Vc vem do Brasil, país conhecido pela violencia e trafico de drogas, lá deve ter muito mais alcoolista e blablabla…” Mas aí que veio o meu choque a realidade. Num país com tanta informacão, campanhas contra o alcoolismo, onde não se pode comprar alcool antes da idade liberada, onde existe um lugar especifico para comprar alcool e vc precisa mostrar sua carteira de identidade para provar a idade e ainda assim, os pais compram alcool para os filhos, os filhos crescem vendo o mal exemplo dos pais em casa e tb acabam virando alcoolistas e esse abuso todo com as criancas, além da pedofilia que é algo gritante aqui. Muito, muito, muito triste. Mas é verdade. Não há lugar nesse mundo de meus Deus que não possamos escapar de certas coisas abomináveis, o mundo tá cheia delas por todas as partes e é isso que as vezes me preocupa tanto em ter filhos, como eles irão crescer e que influências irão ter!!! Muita responsabilidade!!!!

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  5. Tudo bem que nenhuma sociedade como nenhum ser humano e perfeito, mais dai comparar a sociedade sueca com a brasileira ee brincadeira ne o brasil perde em todos os quesitos os dados sao insignificantes, sem falar que existe um diferenca enorme em dados nao oficiais do brasil e da suecia

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  6. Oi Paula!
    Bem vinda ao blog! Acho que choca bastante sim chegar a um país de fadas (porque eu nunca vi propaganda negativa a respeito da Suécia) e descobrir que aqui também há problemas. Acho que o mundo todo está mais racista, a crise econômica nos faz mais individualistas e separatistas… uma pena!

    ****
    Manoel!
    Acho que vou tentar um bico como jornalista! Hahahaha… Obrigada pelo carinho!

    ****
    Agata,
    Bem vinda!
    Temos muito problema com alcoolismo no Brasil sim, mas acho que o maior problema do brasileiro atualmente é sua auto estima enquanto povo. A gente vive achando que os outros povos e países é que são melhores, e não pensa que fora do Brasil encontramos realidades muito parecidas com a nossa, seja na Irlanda ou na Suécia. Aqui há bastante manifestações contra o racismo, ainda assim, o partido racista sueco foi o que mais cresceu desde as últimas eleições em 2010. Triste!

    ****
    Debora,
    Te respondo inbox. Saudades de você!

    ****
    Leni,
    Bem vindx!
    Pelo jeito você não entendeu o texto. Eu não estou comparando Brasil e Suécia em nenhum momento. Não há nenhum dado corresponde ao Brasil em nenhuma das áreas que eu estou citando (violência contra a mulher, alcoolismo, racismo), não estou dizendo na Suécia são tantos porcento e no Brasil são tanto; portanto não há como estabelecer a comparação. Segundo, eu escrevi no fim do texto exatamente isso – que não estou comparando e que a Suécia está muito a frente do Brasil, apesar de ter a clareza de que os dois países são imensamente diferentes (talvez você esqueceu de ler o último parágrafo). Finalmente, discordo completamente da sua declaração de que esses números são irrelevantes. Se estatísticas fossem irrelevantes não seria essa a ciência que é usada como base para a criação de qualquer política. Se estatísticas são irrelevantes, por que diabos você está incomodado com elas? Se estatísticas são irrelevantes, não há porque você dizer que a Suécia é melhor do que o Brasil, afinal, com base no quê você estaria dando essa declaração?

    Abraços

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