Choque cultural – episódio 198765743

Não importa o quão rápido você se estabelecer e acredita se adequar ao seu novo país, volta e meia você leva umas na cabeça e passa pelo ET de Varginha.

Com a rotina nova chegando também chegou a hora de botar o piá na escolinha. Pelo que vi por aí a Suécia é referência internacional em educação infantil mas aqui… as matérias que você lê nos jornais a respeito dos centros de educação infantil são de fazer cair os cabelos de um careca. Pais e professores tem listas enormes de reclamações… por sorte, aqui perto de casa tem uma escola para menores de seis anos que tem uma boa fama.

Eu queria – ainda assim – botar o Benjamin numa escola particular que é uma cooperativa de pais. Já havia lido a respeito no blog da Cíntia que atualmente mora em Oslo e nossos vizinhos tem a criança deles lá então achei que seria bacana tentar uma vaga para o Ben na mesma escola mas… não há vagas.

Para conseguir vagas nos centros de educação infantil mais concorridos é sempre necessário inscrever a criança com bastante antecedência. Há rumores de que o tempo de espera na fila de vagas pode ser mais longo do que um ano na capital. Aqui a coisa gira em torno de seis meses. Em todo o caso, não sou o tipo de pessoa que ganha um oscar no quesito planejamento, então o Benjamin está na fila para a escola privada (a cooperativa de pais) mas está fazendo sua adaptação na escola pública.

Antes de continuar a história vou contar que todos os centros de educação infantil cobram uma mensalidade dos pais. Essa mensalidade é baseada na renda mensal da família (no caso de escolas municipais) ou do que a escola acha razoável  (no caso das escolas privadas). O engraçado dissi tudo é que algumas escolas privadas tem uma mensalidade mais barata do que as municipais, vide o caso dessa cooperativa de pais a qual eu estava interessada.

Pois bem, você faz a matrícula online e informa a partir de que data a criança precisa começar a frequentar o centro de educação infantil. Eles te enviam uma cartinha pelo correio e dá se início a uma troca muito louca de correspondência, porque apesar do processo começar online você precisa reenviar todas as informações  (as mesmas que você preencheu naquele formulário da web) num papel assinado (de certo para provar que você é uma pessoa real e não um vírus). Depois que o ritual de apresentação e matrícula se completa você é convidado a conhecer as dependências da escola. É normal que os centros de educação infantil promovam duas ou três vezes por ano uma confraternização que é aberta a todos os pais que tenham interesse em buscar vagas para seus filhos num futuro. Mas a gente é chamado mesmo assim para ser apresentado oficialmente à escola, receber mais papel que explique todos os paranauês referentes às responsabilidades dos pais e das crianças e dos professores, a lista de materiais etc (que no caso da educação infantil sueca se resume a fraldas e roupas a prova de água e vento para que a criança possa brincar quando chove ou neva e as temperaturas estão em 23 negativos) e o processo de adaptação.

Existe disso no Brasil, período de adaptação da criança à escola? O objetivo é preparar a criança para a nova rotina. Então os pais vão ao centro de educação infantil com a criança e ficam lá para que ela vá se acostumando com o ambiente novo, vá conhecendo os coleguinhas e professores enquanto a mãe e o pai (ou apenas um dos dois) está presente. Esse processo dura em média duas semanas, mas pode ser mais curto ou mais longo.

Eu perdi a reunião de apresentação da escola por causa do trabalho mas li toda a papelada referente a adaptação – uma vez que eu estou de férias entre um trampo eu vou fazer isso com Ben. Mas é foda. É muito estranho deixar um filho com pessoas desconhecidas. As professoras parecem gente boa – são três – nenhuma das crianças lá tem quatro olhos ou três braços – são 13 – mas dá um frio na barriga, uma coisa super ruim. E é aí que meu problema começa.

Culturalmente os suecos querem e prezam pela formação de indivíduos independentes. Isso já a partir do primeiro ano de vida. Tem mãe que jura que o filho faz a própria mamadeira quando completa 12 meses. Eu não me importo que Benjamin seja dependente porquê pra mim ele é UMA CRIANÇA E CRIANÇAS SÃO SERES EM DESENVOLVIMENTO, logo, dependente. Inclusive – e o mais importante – dos pais.

Aí o diálogo que me faz ver o mundo tipo como se eu estivesse num episódio de star wars:

– Seu filho só vai começar a confiar na gente quando você deixar ele sozinho aqui. Então hoje você saia por favor uns 10 minutos para caminhar.

– Certo. Se ele não chorar eu saio.

A professora da escola me olha como se eu tivesse antenas na cabeça.

– É  normal eles chorarem. Faz parte do processo.

– É, provável. Mas eu não quero sair se ele não se sente seguro.

Ela repetiu o mesmo e eu desisti. Pra mim é óbvio que crianças chorem. Choram porquê tem medo, sono, fome, pra mostrar que não querem que algo aconteça. Então se eu quero que meu filho se sinto seguro eu não deveria escutá-lo e parar? Ficar e dizer olha meu bem, está tranquilo! Afinal, estamos no terceiro dia do período de adaptação. Pra mim deixar ele na porta da escola chorando e dizer “tchau agora eu vou”, ver ele chorar e ignorar é tipo botar no berço, deixar sozinho e dizer que vai acostumar a dormir sozinho, vai chorar mas vai aprender. Vai aprender que a mãe abandona. Mais tarde eu conversei sobre isso com uma pessoa, sueca, e ela também me olha como se eu tivesse antenas na cabeça e fosse azul. Tipo… seu filho vai sempre ter o que quiser de você porque vai aprender a te dobrar chorando! Sério, uma criança de 19 meses que fala frases de duas palavras chora para me manipular?

Sei lá se toda mãe brasileira pensa assim, mas nessas horas me sinto tão fora dos padrões, tão longe do que essa galera aqui entende por maternidade… ou no caso, essa professora em particular. Eu acho que tem que haver respeito para com o tempo da criança – e da mãe também – porquê é um processo difícil.

Se há tempo – duas semanas para se acostumar – por que forçar a barra?

Não to entendendo.

Em tempo: eu disse tchau para o Benjamin e saí por 15 minutos e ele estava bem feliz tanto quando saí como quando voltei. Melhor assim né?

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8 comentários sobre “Choque cultural – episódio 198765743

  1. Awwww, que amor seu post!
    Nossa, que alegria que ele tava feliz! Muito melhor assim :)
    Eu tenho uma amiga que eh brasileira tambem. Ela mora na Holanda, mas acho que ia ser otimo pra voce conversar com ela porque ela tambem eh uma mae muito amorosa.
    Quanto a escolas, escuto dizer que a Waldorf e a Montessoriana sao muito boas. Mas nao tenho experiencia com nenhuma.
    O email da minha amiga nao da pra deixar aqui, aberto, ne. Mas me fala se voce quiser, que te passo por mensagem privada e voces conversam.
    Beijinhos e boa sorte :)

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  2. Maricota, a barra é pesada mas o Ben vai tirar de letra viu? No início é sempre assim a criança sente, estranha mas no final são os pais que sofrem as dores da separação.
    Força aí tá? 😊 😘 😘

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  3. Passei por quase tudo isso que você descreveu quando morei na Suécia, com minhas três filhas. Realmente, a burocracia aí é muito mais complicada do que simplesmente assinar um contrato e pagar uma escola particular no Brasil. Como o Estado é muito controlador, tive muita dificuldade em administrar minha carreira de pesquisadora e minha função de mãe de três filhos, já que cada uma das minhas filhas ficou em uma escola diferente. Era um malabarismo diário poder dar conta de tudo. E não tive uma compreensão do governo para facilitar a minha vida, mesmo eu argumentando que eu estava lá às custas do governo brasileiro.
    Esse diálogo que você descreveu, sobre o choro da adaptação, eu não vivi na Suécia, mas sim numa escola católica da minha filha mais velha no Brasil. Esta é uma prática pra lá de ultrapassada e aconselho que você insista na sua intuição de dar o tempo ao tempo, sem forçar rupturas, suas e do Benjamin. Tenho certeza de que será mais difícil pra você do que pra ele. E de fato, não faz sentido ver ninguém chorar nesta hora tão delicada e importante pro amadurecimento desta relação mãe-filho.
    Mas posso aqui acrescentar o maior choque cultural que tive durante minha experiência na Suécia, em relação às escolas e que foi de um grande aprendizado para mim. No daycare sueco via as crianças jogadinhas, brincando com o que desse na telha, apenas com a supervisão de adultos. Minha filha do meio, estudava o que queria, sem provas, sem cobrança e com pouquíssimo conteúdo. Sempre fui partidária de uma educação mais humanista, voltada pro construtivismo. Então esta experiência da filha do meio não foi tão chocante. Mas por outro lado, a experiência do daycare me deixava profundamente incomodada, pelo fato de que as crianças estavam ali, sem ter o que fazer, sem atenção, se “virando por conta própria” basicamente.
    Quando retornei ao Brasil e coloquei minha filha mais nova na escola, num mesmo dia ela teve aula de capoeira, psicomotricidade e jardinagem, coisas inimagináveis no “maternal” da Suécia. Em um primeiro momento fiquei feliz por ela estar tendo atividades mais direcionadas no Brasil. Mas ao ver minha filha mais velha, que está no terceiro ano de ensino médio, vivenciando todo o estresse de vestibular e uma obsessão conteudista das escolas desde o maternal de grandes franquias, parei pra me perguntar se o modelo liberdade que nós tínhamos experienciado na Suécia não seria um modelo mais ameno a este sistema insano que limita nossa percepção do mundo para decorar fórmulas e estratégias pra passar no SISU.

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  4. Oi Maria, eu entendo você é difícil deixar os filhos aos cuidados de estranhis e com outras crianças da um medão !! Coisas que só mãe sabe , depois de me tornar mãe descobri sensações únicas que so quem era mãe me entendia. Muda tudo na nossa percepção de vida. Eu na minha observação com pais suecos vi que muitos poupam os filhos pequenos de frustrações exemplo em competições os mais novos vencem sempre os mais velhos entendem., outra coisa é que eles cultuam que você tem que estar sempre feliz eu imagino que isto deve causar um conflito interno muito grande fonix as vezes o ser humano esta em baixo e isto de traz força para voltar com mais garra a luta, outra coisa acho que eles vão até o ultimo do limite deles exemplo quando estão doentes do estomago comem coisas fortes para o estomago reagir., estão gripados continuam caminhando na neve no frio para corpo reagir. É um povo educado mas pouco espontâneo estão sempre controlando e vigiando suas próprias ações para não serem mal interpretados , mas são super competitivos., acho também que se acostumaram a ser muito controlados pelo sistema, se algo é feito de uma maneira e você questiona porque não pode ser feito de outra forma com o mesmo resultado ou melhor eles não entendem porque mudar. Minha filha estudou em escola de freira em Portugal, no primeiro dia de aulas eu chorava ela ria, as irmãs me tiraram da sala para não contaminar as outras mães. Em Portugal eles acham que as mães devem deixar os filhos na creche logo ao fim seis meses,eu fui muito mal interpretada pela familia portuguesa de minha filha quando decidi que ela iria para a escola com três anos , mas era uma cultura antiga de minha familia gaúcha em manter a prole mais tempo possível por perto. Claro que eram outros tempos . Beijos fique tranquila e atenta ao comportamento do teu gurizão que a vida segue seu curso, uma coisa que aprendi com as freiras foi sempre abençoar minha filha, até hoje continuo com este ritual. Fica bem muita luz

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  5. A esposa do meu chefe ficou triste que a filha deles chegou chegando e nem olhou para trás. hehe a Mãe ficou triste pela filha não ter chorado hahaha. Se sentiu um nada na vida da criança. Respeitar o tempo da criança é sempre válido. .. mas o sistema pegará no pé uma hora ou outra… e é bom a criança compreender desde cedo que certas coisas não serão como elas querem que sejam… conheço uma “criança” de seus 50 e poucos… que sente-se bem com as pessoas servindo ela… e quando ela é contrariada vixe. .. a outra pessoa é que não presta, ela tenta mudar o horizonte dela… mas dura sempre menos de uma semana hahaha… Então, as vezes só respeitar o tempo de uma única pessoa pode ser meio egocentrismo, por isso é bom a criança socializar com outras crianças, mesmo chorando… Eles choram pois quando tem medo automaticamente eles choram! Mas é totalmente válido só sair de um lugar depois que ele parar de chorar, pois mostra que você sente-se bem em deixá-lo em um X lugar. Boa sorte! :*

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  6. Oi Maria. Engraçado como você colocou que a criança é dependente. Na verdade, há uma dependência mútua. Percebeu como você também é dependente do Benjamin? Li seu texto e vi palavras de mãe. Você também está em fase de adaptação assim como o Benjamin. Entendo que a mãe e a criança precisam do seu tempo, mas vamos ser realistas, você precisa trabalhar e seu filho precisa se acostumar no novo ambiente para ficar bem lá enquanto você não estiver por perto. Sei que dói, mas é um trabalho de cooperação entre você e as pedagogas que visam o bem da criança. O Benjamin já tem uma conexão contigo e isso não muda mais, agora ele precisa se sentir seguro com outra pessoa. Ele tem que sentir que outra pessoa pode passar segurança pra ele enquanto você não estiver lá. Isso acontece aos poucos, com 10 minutos, um dia, etc.
    Não se preocupe, as pedagogas são profissionais e tem formação para cuidar de crianças. Ele estará em um ambiente rico, pedagógico, seguro, onde ele poderá se desenvolver bem com outras crianças. Não é cortar o cordão umbilical como alguém comentou, e sim somente é uma transferência provisória de responsabilidades e colo, no final ele sempre voltará para você. Sou pedagogo, bonus pappa e estudo educação infantil aqui na Suécia, caso queira dicas de livros ou qualquer coisa, só entrar em contato. Abraços!

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  7. Oi, adoro o seu blog! Eu li seu post no facebook e não resisti passar aqui para comentar. Tenho uma filha de 11 meses, que irá começar a escola (adaptação) dia 20 de abril em Kalmar. Me dá um frio na barriga só de pensar. Acho que essa insegurança nada tem a ver com choque cultural, isso é coisa de mãe e pai. Quando converso com minhas amigas brasileiras todas passam pela mesma coisa, tenho uma irmã e várias amigas que largaram o trabalho para poder ficarem com os filhos por mais tempo e não mandarem eles para a escola tão cedo. No Brasil também tem período de adaptação só não sei se é tão longo. E realmente é o que vc disse aqui as crianças são educadas para serem independentes desde cedo. Quanto a escola particular existem diversas escolas e metodologias na suécia tb. Vc pode escolher sim onde enviar seu filho. Kalmar, por ser uma cidade pequena tem menos opções, mas vc que está em Gotemburgo deve haver muito mais possibilidade. Se vc estiver insegura com a escola siga seu instinto e mude seu filho. Mas se ele estiver bem e se divertindo aos poucos vc também vai se acostumar. Minhas amigas brasileiras gostam muito das escolas daqui e nenhuma optou por particular ou por cooperativa. Aqui em Kalmar existe além das cooperativas, as escolas Montessori e Waldorf com pedagogias mais alternativas ambas muito boas. Uma coisa é certa, quando nossos filhos estão longe da gente (independente de ser com a vó, no Brasil ou na Suécia) a gente nunca vai saber 100% tudo que acontece com eles. Tem que confiar e rezar pra que tudo esteja bem. E se acostumar :-) Bjs

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  8. É realmente muitoooo dificil essa fase de adaptacao, principalmente do primeiro filho. Eu tenho duas meninas e a historia de adaptacao delas sao bem diferentes uma da outra. A primeira passou um mês pra se adaptar. No terceiro dia como vc descreveu tive Q sair por 15 minutos e do lado de fora ouvi os gritos incontrontrolaveis dela. Quase morri, chorei mais que ela. Nao consegui seguir adiante, voltei pra dentro e a professora ficou muito brava comigo “brava no estilo sueco, um sorriso torto e olhos me atirando flechas” Ela me disse que agora minha pequena saberia Q era só chorar e eu voltaria. Me reusei a sair denovo. No quarto dia saí voando mais ouvia de longe os gritos ecoando pra fora. E nos dias seguintes foram a mesma coisa. Minha filha chorava todos os dias até ganhar confianca com uma das professora. Essa professora sabia e vinha sempre pega la pra que eu fosse embora tranquila.
    Com a segunda filha foi completamente diferente ela nao chorou nem um dia e depois da primeira semana ela ja estava habituada com todas as professora. E tinha dias que fazia birra pra nao ir pra casa. Isso também dói, quando elas nao querem ir pra casa, vc pensa “nossa passei o dia todo sentindo saudades e ela quer ficar mais um pouco com professora :(
    Enfim, vc vai se sentir feliz e se orgulhar quando Benjamin começar a se vestir sozinho e ficar pronto primeiro que você :)
    Mas entendo seu coração de mãe “superproterora” aflita. Boa Sorte ;)

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