Barriga de menino

Acho que se há um ponto em que essa coisa de distinguir gênero é sensível na Suécia, esse ponto é a gravidez. É claro que estou baseando meus achismos na minha vasta experiência (de duas gravidezes) mas de certo modo parece que não é ok ficar falando do sexo do bebê durante a gestacão.
Veja bem, de forma geral os suecos se preocupam em despir as criancas dessa classificacão besta de “coisa de menino” e “coisa de menina”. Para a maioria o que existe é “coisa de crianca”, indiferente do sexo dela. Obviamente que ainda há muita diferenciacão e rotulacão – tipo, ainda é de certa forma aceito que meninos sejam mais violentos porque uai, é a natureza deles e se você entrar nas cadeias de lojas normais (tipo HM) vai ver as roupas de crianca separada em roupas de menino e roupas de menina; mas filosoficamente é muito importante dentro da sociedade sueca em geral combater o estereótipo de gênero. Daí que ninguém fica perguntando se eu sei o sexo do bebê porque o sueco quer dar a entender que isso não é relevante. É certo que do meu ponto de vista – um tanto extremo – eu acho que normalmente as pessoas nem conversam sobre a gravidez com uma mulher grávida – praticamente ignoram uma condicão gritante – mas se houver alguma conversa vai ser sobre como eu me sinto, quantas semanas de gestacão, é seu primeiro bebê?, você gosta de estar grávida?, foi planejado?, etc etc. Dentre os casais suecos que eu conheco nenhum deles perguntou o sexo do bebê no ultrassom. Não é incomum que a enfermeira que realiza o ultrassom de rotina (normalmente o único a que se tem direito em toda a gestacão) se recuse a falar sobre o sexo da crianca porque isso é um detalhe irrelevante.
O fim de semana passado eu estava em uma festinha e conversei com mulheres que vieram da América Central. Posso dizer que o comportamento delas me fez entender o quanto a galera pensa diferente desse lado do mundo: antes mesmo de perguntar se eu estava bem ou de quantos meses era a gestacão elas disseram que estava na cara que eu estava esperando um menino. “É um menino né? Tua barriga é barriga de menino”. Eu disse é… é um menino. E elas apenas continuaram naturalmente a tecer comentários de como era bom ter filhos homens, que até a gravidez é mais fácil porque a gente fica mais bonita. “Qualquer homem que te olhe detrás nem perceberia a gestacão, já quando a gente engravida de menina incha e vira uma bola”. Meninos são mais fáceis de cuidar, meninos são mais parceiros para com a mãe, meninos isso, meninos aquilo… ter dois então, dá-lhe guria sortuda.
Não posso negar que eu fiquei super feliz ao saber que esperava outro menino. Não porque eu acredite que a gestacão de meninos é mais razoável para conosco, mulheres, ou porque eu acredite que meninos são mais parceiros com a mãe. Em primeiro lugar, acho muito chato essa coisa de casal margarina que tem um menino e uma menina. Hoje em dia parece que, se você tem duas criancas, tem que ser uma de cada “espécie” porque né, é diferente. Tô pra ver uma mãe que diga que dois filhos sejam iguais, mesmo que estejamos falando de duas meninas ou dois meninos. Criancas são diferentes porque são seres humanos únicos, e não por causa do sexo. Em segundo lugar, não me entenda mal, mas eu acho que criar meninos é mais fácil – para o pobre coracão de uma mãe, não do ponto de vista educacional.
Do ponto de vista educacional é muito trabalho educar um menino para que ele não seja um machinho babaca daqueles que vê mulher como o segundo sexo. Para que não confunda pegada com estupro, para que entenda a diferenca entre sim e não, para que não pense que agir como um animal no cio é ok, para que não sinta aquela pressão de se mostrar valentão e macho man. Nesse aspecto inclusive é bom demais morar aqui porque há muitos exemplos de homem que fogem do estereópitipo padrão, e sabe a importância daquela história do “exemplo arrasta”? Então… normalmente quando se fala da Suécia feminista se descreve o empoderamento feminino como algo negativo que faz com que os homens sejam muito moles. Há cinco anos atrás quando desembarquei aqui fiquei chocada com essa faceta porque pra mim não casava não. Mas olha, nada que cinco anos não resolvam. Depois de acompanhar esse experimento de perto, vejo o quanto é positivo principalmente para os homens não precisar manter uma fachada de durão 24/7 e ter a liberdade de ser humano antes de ser homem. Ou mullher, afinal a Suécia é um país supimpa para se nascer menina.
Só que é isso né? A Suécia é um país supimpa para se nascer menina, assim como as vizinhas Finlândia, Noruega e (a nem tão vizinha assim) Islândia. Depois disso, não importa muito se você vai para direita, esquerda ou para baixo, a coisa vai piorando de padrão e ser mulher é tipo… no mínimo, difícil. E acredito que quando você é criada em uma sociedade “livre e igualitária” tem ainda mais problemas quando você sai do mundo das maravilhas. E há tipos de problemas que sempre serão mais preocupantes caso você seja mulher, tipo estupro e violência doméstica, e essa regra vale também para a Suécia. Mas daí eu tô falando das violências mais óbvias, nem estou falando de questões como direitos sociais, o papel ou lugar da mulher na sociedade, a liberdade de expressão, de ir e vir. Eu vivo angustiada com uma série de perigos que meu filho possa estar correndo, mas como mãe de menino não vou ter que ficar me preocupando com que ele seja vítima de violência doméstica quando ele crescer (a não ser que ele seja homossexual) ou estupro coletivo, assédio sexua no trabalho, salário mais baixo porque pode ficar grávido, ser descartado numa selecao para um trabalho por ter um perfil “errado”; essa coisas.
Eu tenho muito que aprender sobre igualdade entre gêneros e é bem capaz que esse sentimento seja a sombra de bom e velho jargão de que mulheres que parem meninos são mais abencoadas. Eu me sinto desafiada a fazer diferente já que eu sempre acreditei que a resposta para a mudanca de paradigma na quesão de iguadade entre homens e mulheres comecava em casa. E comeca mesmo, porque comecou a partir de mim. Agora eu quero dar ao meus filhos uma educacão baseada no amor e na empatia e que ajude a desconstruir a norma vigente de comportamente entre os sexos. Mas eu também já percebi que essa é uma tarefa bem difícil porque para além de descontruir meus preconceitos (primeiro eu tenho que aceitar que há algo errado para que eu queira e possa fazer diferente) para que eu tenha sucesso nessa empreitada tenho que contar com a ajuda do meio que me cerca: família, amigos, escola. E repito, geograficamente não poderia ter escolhido melhor, mas o desafio ainda é o mesmo: Benjamin me disse hoje que não queria uma bota de borboletas porque é coisa de menina. Ele tem dois anos e dois meses.
Quem foi que disse?