Proibida a entrada de crianças (mas na Suécia não)

Em meados de outubro uma guria de um programa de culinária no Brasil fez uma postagem no facebook elogiando a atitude de um restaurante brasileiro que proíbe a entrada de menores de 14 anos. Uma longa discussão se deu início, e um dos principais argumentos utilizados pela galera que acha essa proposta cabível é de que isso funciona na França, além de pontuar que as crianças francesas são infinitamente mais educadas do que as brasileiras e tem modos a mesa.
Eu nunca estive na França por mais de três dias e não tenho a mínima ideia de se essa história de que restaurantes fecham as portas para uma parcela da população seja realista – o que me parece bem burro, diga-se de passagem. Infelizmente já vi muitos textos de gente que acha aquele livro (crianças francesas não jogam comida no chão) sobre adestramento de crianças a última bolacha do pacote – normalmente gente que não tem crianças – e que acredita que na França tudo é como a autora do livro aponta: crianças francesas são extremamente educadas e não gritam a mesa.
Bom, tenho uma má notícia para quem é fã da Suécia e que adora o modelo francês: crianças suecas são u ó, como se diz lá de onde eu vim. Elas não vão apenas gritar a mesa e jogar comida ao chão, elas vão subir na mesa se quiserem e cagar na cabeça dos pais. Eu não sei se todo mundo compartilha da mesma perspectiva que eu, mas desde que mudei para cá tenho visto como essas criaturinhas são indomáveis nessas terras, e penso que talvez o último traço da barbárie viking se expresse justa na infância desse povo (que a partir da idade adulta não dá um pio, a exemplo das crianças francesas). Aliás, ao contrário do que se pensa a respeito da modo francês de educar os pequenos, a forma sueca de tratar a infância comunente é tratada como um experimento que deu errado porque veja bem, aqui as crianças tem direitos. Mas isso é um assunto para outro post.
Mas é importante salientar: a Suécia está infestada de pequenas pestinhas que tem poder, muito poder diga-se de passagem, sobre os pais. E o pior de tudo: aqui os restaurantes não proíbem a entrada de crianças. É claro que existem ambientes mais sofisticados aonde sutilmente se dá sugestão de que esse é um espaço reservado para adultos. Mas não há placas proibindo a entrada de crianças e adolescentes – não a menos que se trate de um pub ou uma espécie de taverna em que bebidas alcoolicas sejam servidas e aonde a questão comida fique em segundo plano. Aí sim há um aviso relacionado ao fato de que menores não são permitidos sem a presença dos pais.
De modo geral os estabelecimentos comerciais suecos querem ter o reconhecimento de serem espaços amigos da criança e contam com estrutura para receber desde bebês até… bom, principalmente bebês. Mas o cardápio, por exemplo, sempre traz uma sugestão para que a galerinha que ainda não aguenta um verdadeiro prato de comida e que normalmente não gosta dessas combinações que um adulto procura quando sai para jantar possa ser servido. O menu infantil pode nem ter nada a ver com a cara do restaurante – tipo um restaurante de peixes e frutos do mar que tem no menu infantil hamburguer – mas a ideia é que a crianca no caso possa ter uma opção para que os pais não deixem de frequentar aquele espaço justo porque a criança não vai ter o que comer.
Os cafés então são espaços maternos – e todo mundo sabe como essa história de “fikar” é importante na Suécia. Desde que me tornei mãe sempre que saio para a cidade encontrar uma amiga que também tenha filhos nós escolhemos cafés que tem a fama de serem “amigos da criança”. Isso porque sabemos que teremos espaço para o carrinho de bebê (ou um estacionamento seguro para deixar do lado de fora), cadeirões, um banheiro com trocador (essencial nos primeiros meses de vida) e todas essas coisas que crianças de colo precisam. Além disso sabemos que aquele ambiente vai ser mais acolhedor, que com certeza encontraremos outras mães naquele mesmo espaço com suas criaturinhas indomáveis aos berros e portanto, estaremos livres dessa gente chata que acha que criança tem que estar trancada em casa.
Porque é isso mesmo: sair com criança é uma loteria. Há dias em que eles estão tranquilos e felizes, vão sentar no cadeirão, deixar papai e mamãe conversar com os amigos enquanto comem o que estiver sendo servido ou simplesmente vão curtir a vista, olhando curiosos ao redor. Mas há dias… há dias em que um copo de água transforma sua criança em um verdadeiro gremlim, que vai gritar, jogar comida no chão, se contorcer no cadeirão, te bater se você segurar no colo e sair correndo a primeira oportunidade.
O que não é normal na Suécia é crianças serem bem vindas a casamentos, por exemplo, ou alguns tipos de festinhas mais íntimas. De todos os casamentos aos quais fui convidada acredito que apenas um deles não deixava claro no convite que apenas crianças de colo eram bem vindas. Eu reagi a isso de forma forte no começo, mas quando me casei fiz o mesmo. Um casamento a moda sueca tradicional é uma coisa um tanto chata e comprida até mesmo para adultos, um monte de gente fica fazendo discursos e homenagens aos noivos enquanto os demais convidados sentam e comem. Por horas. Tipo, meu próprio casamento teve um “jantar” de aproximadamente cinco horas. Nessas cinco horas foi servido o buffet, então nos prestaram homenagens, e mais homenagens, e mais homenagens, nesse ínterim os convidados poderiam repetir e beber; houveram mais homenagens, uma pequena pausa e então servimos o bolo, com café e mais bebida e mais homenagens e discursos. Todos esperam que enquanto os discursos e homenagens aos noivos acontecem os demais convidados estejam em silêncio. Aí se dão pequenos intervalos entre meio, quando você tem tempo de dar uma mijadinha ou dizer para a pessoa ao seu lado que a noiva está realmente bonita, para aí um novo discurso se iniciar e todo mundo fazer boca de siri. Chato. Bem chato. Extremamente chato quanto você não sabe a língua, se você não é íntimo dos noivos e não entende as piadinhas internas, ou se você tem menos de 20 anos. Dessa forma os noivos normalmente colocam no convite que crianças não são bem vindas porque as pessoas entendem que crianças precisam correr e brincar e que não vão ficar sentadas ouvindo o avô da noivo contar que ele gostava de pescar quando era pequeno. Sei lá se eu acho isso uma justificativa plausível, porque depois que virei mãe tive que escolher entre ir ou não a alguns casamentos. Escolhi ficar em casa quando senti que não queria arrumar alguém para ficar com o Benjamin para ficar sentada ouvindo homenagens para pessoas as quais eu não sou tão íntima, deixei Benjamin com alguém da família quando realmente quis participar de um momento especial na vida de amigos queridos.
Melhor seria ter deixado ele em casa sempre, e em qualquer circunstância?
Não, definitivamente. Acho que você não ensina nada a seu filho deixando ele à margem. Eu posso estar redondamente enganada, mas acredito que na Suécia a perspectiva de encontrar pequenos vikings demostrando toda a sua selvageria e barbarie em locais públicos seja encarada de forma natural porque as pessoas entendem que crianças são seres em desenvolvimento. Há espaços para crianças em restaurantes, em cafés, em museus, na biblioteca (a biblioteca da cidade de Gotemburgo tem uma área tão grande para crianças que é inacreditável) e assim as pessoas que não querem se “incomodar” com gritaria e birra de criança utilizam as outras áreas do mesmo serviço. Além disso eu tenho uma impressão que as pessoas são mais de boas com as escolhas alheias (dentro da perspectiva do lagom de ser) e que normalmente o pessoal anda em tribos. Tipo, a galera festeira vai se juntar para fazer festa até começarem a casar ou ajuntar, aí mais ou menos todo mundo casa, aí mais ou menos todo mundo tem filhos, e você vai seguindo a onda dominante dentro do seu próprio círculo de amizades. E isso é visto como natural, coisas da vida.
É claro que também existe a galera que quer uma placa em restaurantes proibindo a entrada de crianças – ou de forma mais radical ainda, dos pais que não são capazes de domar os filhos. Mas quem disse que a Suécia é um país perfeito?

BVC – Centro de Saúde da Crianca

Fazem apenas dois anos e umas paradas que eu frequento o BVC e desde lá que estou para explicar que bicho é esse – do qual até já reclamei – mas essa é so mais uma para mostrar como as nossas prioridades mudam depois de casamento, comprar uma casa, arrumar trabalho e parir filho – e nem precisa estar nessa ordem. Eu deveria estar lendo – ainda tenho três livros do curso de doula para acabar mas né? Ultimamente se eu tenho um tempinho pra ficar à toa quero escrever.
BVC é a sigla para Barnavårdcentralen – o que a gente poderia traduzir como Centro de Saúde da Crianca. Na Suécia normalmente se usa o termo barn para menores de 18 anos, às vezes se faz a distincão para os maiores de 12 como unga ou tonåringar, mas normalmente barn é usado para todos os menores. O BVC é um centro de atendimento para criancas entre 0 e 6 anos no qual trabalham enfermeiras pediatras partindo da ótica da medicina preventina. Ou seja, o BVC não é para que os pais levem a crianca quando ela fica doente e sim para que os pais facam o acompanhamento do desenvolvimento de seus filhos e sigam o programa de vacinacão.
Normalmente os pais escolhem para qual BVC levarão seus filhos já durante a gravidez e, na maioria dos casos, o primeiro contato dos pais com uma enfermeira pediatra se dá na casa/apartamento do casal já na primeira semana de vida do bebê. Se o parto se dá sem complicacões e a mãe se sente segura com a amamentacão fica cerca de dois a três dias na maternidade antes de ir para casa. Assim que os récem paridos voltam para o ninho a enfermeira pediatra vem dar os parabéns e fazer uma visitinha – que também serve como uma espécie de controle (se os pais se prepararam de forma adequada para a chegada do bebê). Durante o primeiro mês de vida da crianca os encontros com a enfermeira do BVC são semanais, depois passam a ser quinzenais até os 90 dias da crianca. Dos três aos seis meses as visitas ao BVC são mensais, entre os seis e os 12 meses bimestrais e depois o próximo controle se dá aos 18 meses. Aí comecam os grandes intervalos, porque a crianca volta ao BVC aos três, quatro e cinco anos. Essas são as consultas do calendário do programa de acompanhamento ao desenvolvimento da crianca, mas nada impede que os pais marquem mais consultas ao BVC se acharem necessário, sobretudo durante os primeiros meses de vida do bebê.
De tempos em tempos um médico pediatra também está presente nas consultas. Como o parto é feito por parteiras pode ocorrer de não haver nenhum médico na sala durante o nascimento do bebê (há sempre um pediatra e um obstetra de plantão caso seja necessário que assistam ao parto, mas eles só vão entrar na roda se precisarem “dancar”). Depois de 48h do nascimento o bebê vai encontrar um pediatra que fará a primeira avaliacão, coisas como checar a circunferência da cabeca, as juntas da crianca, boca, olhos, ouvidos, auscultar coracão, medir pressão, avaliar a cor etc etc. Na sexta semana de vida o bebê passa por um novo controle junto ao pediatra, assim como aos seis meses e aos 18 meses. Como comentei acima, o BVC segue uma política de saúde preventiva e por isso médicos e enfermeiras acompanham os primeiros meses de desenvolvimento da crianca para avaliar se tudo está ocorrendo como deveria.
No início esse controle se dá por meio da pesagem e medida da altura e circunferência da cabeca da crianca. Daí a enfermeira joga os dados no computador e voilá, temos as famosas curvas de crescimento e desenvolvimento que são super instrumentos para detectar problemas de saúde sérios, anomalias e doencas que fogem do padrão; assim como podem se tornar um pesadelo para todos os pais que não tem um bebê standard (quem mandou querer ser diferente?). Quando o bebê vai crescendo a enfermeira pediatra também vai estar atenta a sinais de retardo no desenvolvimento motor, sensorial ou mental da crianca, por exemplo: se a crianca não segue o barulho de um chocoalho ou vira a cabeca para procurar pelo som; se a crianca não mostra interesse em aprender a caminhar, demora a comecar a falar, etc. Mas nenhum desses sinais tem um ponto pré determinado de quando devem acontecer e de como devem acontecer afinal, as consultas tomam cerca de meia hora e aí vai que o bebê não está afim? Quando Benjamin passou pelo controle de 18 meses a enfermeira deu alguns brinquedos para ele para que ela avaliasse a capacidade de concentracão e o desenvolvimento motor dele. Ele fez uma torre com blocos de madeira e depois viu um livro. E não fez mais nada, porque ele adora “ler”. Ela tentou chamar a atencão dele com outros brinquedos para continuar o teste mas ele não deu moral. Ela me pediu que eu entrasse em contato caso percebesse isso ou aquilo e depois, ficou de boas, dizendo que o Benjamin estava super saudável e se mostrava um piá esperto. Então, elas tem as ferramentas e seguem um protocolo, mas também sabem olhar fora da caixinha – ao menos, às vezes.
As enfermeiras do BVC também são uma espécie de orientadoras nutricionais e educacionais: elas dão informacões sobre como cuidar do bebê (podem até ensinar a trocar fralda), como amamentar (infelizmente, mal e porcamente), como fazer a introducão alimentar (só o tradicional mesmo), como tratar distúrbios do sono do bebê, como incentivar o desenvolvimento motor etc. Acredito que os palpites do BVC são bem interessantes mas nunca segui os conselhos a risca. Primeiro porque não concordo com a linha de pensamento do BVC em relacão a amamentacão, segundo porque gosto de saber o porquê das coisas e se alguém me manda um porquê sim eu já fico com preguica da pessoa e terceiro porque o próprio BVC diz que são orientacões; ou seja, ninguém é obrigado a fazer o que eles mandam. Inclusive, se há pais que por um motivo ou outro não querem vacinar os filhos, eles apenas tem que assinar um termo de compromisso de que recusaram participar do programa de vacinacão.
Se os pais do recém nascido não levam a crianca/bebê as consultas com o BVC passam a ser considerados suspeitos de negligência. Pelo bem e pelo mal acho que apesar de ser uma medida extrema é importante, principalmente se considerarmos que o sistema de saúde sueco não tem um foco preventivo e é para isso mesmo que o BVC existe, para que numa fase importante do desenvolvimento do ser humano seja possível identificar a tempo doencas ou condicões que possam afetar a vida do indivíduo. Se a família recusa o acompanhamento oferecido pelo BVC deve explicar o porquê da recusa e provavelmente – se o escritório de assistência social considerar necessário – serão acompanhados por outros meios.
Agora que vamos ter o segundo bebê já recebemos uma carta do BVC nos dando as boas vindas e informando que seremos acompanhados pela mesma enfermeira pediatra que acompanhou Benjamin. Eu gosto dessas coisas porque antes de nos enviarem essa carta nos fizeram uma entrevista para medir nosso grau de satisfacão. Apenas eu respondi a pesquisa que foi realizada durante uma das consultas de pré natal e acho que isso é um pouco falho… mas mostra que há a oportunidade de trocar de BVC e/ou mesmo apenas de profissional com o qual se tem contato se a família não está satisfeita.
O BVC é um servico gratuito e pode oferecer inclusive apoio às mulheres que tenham depressão pós parto ou que sejam vítimas de violência doméstica.