Diário Caipira -28

Eu sou lerda… demoro a reagir, demoro a entender certas coisas e quando entendo, fico magoada. Já cansei de tentar entender quando as pessoas estão sendo rudes, sarcásticas, cruéis. Não somente comigo, mas com os outros.

Normalmente fico bem chateada por ter presenciado alguma injustiça sem ter feito nada. Aconteceu hoje. Eu ainda estou triste, primeiro porque há certos tipos de violência que machucam mais do que um pontapé. Segundo, porque eu olho mas não vejo, eu ouço mas não escuto.

Diário Caipira – 27

Já fazem quatro semanas que a entidade na qual trabalho está fechada. Ainda não há previsão para que voltemos as atividades normais. Enquanto isso, trabalho no escritório de assistência social.

É incrível como recebemos um tratamento diferente na entidade em que eu trabalho. Como a gente faz coachning para que as pessoas que dependem de auxílio financeiro possam ter um emprego muitos ficam muito felizes e agradecidos pelo nosso trabalho.

No escritório nunca é assim. Sempre que vou atender o telefone é gente irritada reclamando porque ganhou dinheiro de menos, porque eu não respondi o telefone no segundo toque, porque o fulano ganha mais do que eu, porque ninguém me ajuda, porque outra pessoa não fez bla bla bla.

Hoje era meu dia de ficar no “plantão” que é quando a gente responde uma linha direta onde as pessoas podem entrar em contato pra tirar dúvidas. Só-gente-reclamando. É extenuante. Todo mundo vira Jó, acometido pelas mais diversas desgraças. É um rosário de queixas seguidos de “ninguém me ajuda”, “o responsável pelo meu caso não entende a minha situação”; “ela/ele nunca responde o telefone”.

E eu nem posso imaginar porque alguém não responderia a telefonemas tão agradáveis…

Diário Caipira – …esqueci

O catavento funcionou. Ele não gira muito bem, mas o veado não atacou mais os brotinhos do meu jardim. Em compensação, o vaso com o amor perfeito já era…

A imagem da desolação

Decidi deixar as mudinhas mais tempo dentro da casa antes de replantar. Daí que peguei a gata “comendo” a mudinha inteira!! E ainda me olhou com cara de “quê?”

Nessa luta por um jardim florido estou definitivamente na lona. Animais: 3; Maria: 0.

Diário Caipira – 25

Eu sou uma pessoa que vive no plano das ideias e tem dificuldade de concretizar coisas. Eu desenho, invento, elaboro; na hora de desenvolver… morreu.

Normalmente ouço que sou perfeccionista e que eu cobro demais de mim mesma. Há dois finais de semana venho tentando gravar um vídeo – coisa que seria bem simples na minha cabeça. Gravo, deleto, gravo de novo e deleto e gravo… pra deletar outra vez. Não sei exatamente o quê está errado. Sei quê não fica bom e que eu não quero postar aquilo.

Não é um canal do YouTube, caso alguém tenha se animado. Não tenho equipamento, tempo pra editar nem saco pra abrir um vlog. Meu negócio é escrever, e só.

Assim mal e porcamente mesmo.

Diário Caipira – 24

A Suécia tem umas pragas diferentes. Plantei as flores no quintal e estava preocupada com o frio mas o que cagou mesmo minha missão foram veados.

Eles estão pra todos os lados e adoram comer flores. Botões e brotos são favoritos, amor perfeito sofre com as investidas dos bichinhos… tínhamos plantado girassol dentro casa. Foi uma festa ver as sementinhas naacerem a plantinha se esticar toda. Replantei no jardim na quinta e na sexta já haviam sido comidos.

Ô tristeza… Mas eu sei quem foi.

Foi ele!!

Aprendi com o vizinho que um jeito de proteger as flores é botar cataventos no jardim. Peguei umas ideias e eu e os meninos fizemos dois cataventos de garrafa pet essa tarde. Ficaram bonitos, mas não consegui fazer com que girem muito bem.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Diário Caipira – 23

Há algumas semanas a Organização Mundial de Saúde tem chamado atenção para o fato de que o número de pessoas com transtornos psíquicos podem aumentar por causa do isolamento social.

A estatística oficial aponta que três pessoas cometem suicídio por dia na Suécia. Provavelmente o isolamento social teria aumentado esses números. Não há dados ainda a respeito do número de suicídios de 2020, assim que não é possível saber se o corona fez que o número de suicídios aumentasse.  Ainda que a Suécia não tenha aderido a chamada quarentena muitas pessoas se sentem angustiadas com a situação. O setor hoteleiro e de restaurantes sofreu um grande impacto com as restrições provocadas pelo governo.

Se você suspeita que alguém que você conhece pensa em desistir da vida não julgue. Faça o esforço de não minimizar a dor alheia. Se você não é capaz de acolher a pessoa respeitando os sentimentos dela, não diga nada. Caso você sinta que pode ter uma conversa sem julgar e que a pessoa esteja aberta ao diálogo tente conversar. Seja direto. Pergunte a pessoa se ela pensa sobre isso com frequência, se ela já planejou como faria. Evite dar conselhos do que fazer para se sentir feliz ou se sentir melhor. Encoraje a pessoa a buscar ajuda psicológica e a falar com um médico.

Só queria deixar a informação de que existe uma linha de “emergência” para a qual é possível ligar caso a pessoa pense em suicídio: 90101. Por meio da página mind.se é possível entrar em contato com alguém por chat.

No Brasil ligue 188 – é uma linha de apoio à pessoas com transtornos mentais, angústia e depressão.

Diário Caipira – 22

Minha capacidade de fazer listas é ótima. Meu problema é seguir a lista. Hoje por exemplo estava super satisfeita comigo mesma por ter “terminado” minhas tarefas antes do almoço.

Aí voltei pra lista e tcharam! muita coisa pra fazer ainda. Antes de ir pra casa ainda achei uma última coisa que era importante para fazer no dia. Resultado: fui embora porque desisti.

Eu fico muito agradecida por todos que já começaram a escrever comentários com dicas de como fazer boas listas de prioridades. Eu já fiz uns cursos sobre isso e, como citei acima, não tenho problemas em fazer as listas. Só em seguir elas mesmo.

Alguém com dicas de como seguir listas?

Diário Caipira – 21

O mundo está de pernas para o ar por causa de uma pandemia. Vários cientistas vinham tentando chamar a atenção dos líderes mundiais para o fato de que um novo vírus ou bactéria poderia desenvolver uma nova doença. Doença essa que nem precisaria ser especialmente mortal para que tudo saísse dos eixos.

Amanhã é sexta feira e eu sempre acompanho as postagens do movimento Fridays for Future. Cientistas vem nos últimos cinquenta anos alertando para o fato de que as mudanças climáticas podem desencadear crises que deixarão o mundo de pernas para o ar. Mas os líderes mundiais não estão lá muito preocupados com isso.

Como nunca estiveram com a possibilidade de uma pandemia… agora muitos se perguntam: porque não fizeram nada, se já tinham conhecimento?

O que você faz para amenizar as mudanças climáticas?

Diário Caipira – 20

Meu filho anda preocupado. A gente sempre está falando de corona pra lá, corona pra cá. De certo modo a vida pra eles mudou muito. Na escola há mais restrições. A gente fica falando de lavar as mãos e cuidar das pessoas que são mais fracas.

De madrugada ele veio pra minha cama. Disse que estava com medo. Que não estava se sentindo bem. “Eu acho que estou doente mamãe”. Ficamos conversando… muito tempo. Até ele dormir falamos de corona, fadas, de imaginação, do Batman, morcegos, corujas, barulhos do silêncio, inventores e cientistas.

Eu também tenho medo. Eu sei que estamos doentes. Não de corona, mas como humanidade.

Diário Caipira – 19

Há bastante críticas ao modelo sueco de trato à pandemia. Eu passei a última semana ouvindo a coletiva de imprensa que as autoridades responsáveis pelo plano de contenção sueco dão diariamente. Tenho que confessar que aumentou bastante a minha confiança na forma sueca de combate a pandemia.

Pois bem que hoje mesmo eu estava ouvindo os questionamentos a respeito de restaurantes: a primavera não pode ser considerada uma realidade nesse país se não houver gente passando frio em mesas ao ar livre. Assim que muitos municípios permitiram que os restaurantes abrissem o seu espaço exterior precocemente. Não obstante, as autoridades sanitárias não estavam felizes porque estavam recebendo denúncias de que as pessoas estavam aglomerando em mesas ao ar livre.

Pois bem, hoje no trabalho uma das minhas colegas não tinha consigo sua marmita. Conversa vai e vem e decidimos que iríamos almoçar fora – literalmente, porque i restaurante da pracinha perto do trampo tem mesas ao ar livre e hoje faziam agradáveis 18°C.

Estávamos as três sentadas falando coisas nada a ver quando aparece uma senhora de óculos escuros e vem em nossa direção. Eu imaginei que se tratasse de uma dessas pobres almas que tentam arrecadar fundos para as diversas causas nobres que existem pelo mundo afora (tipo Cruz Vermelha ou Médicos sem Fronteiras ou Greenpeace). Ela pediu licença, se apresentou como “hälsovärd” (inspetora de saúde?) e foi direto ao assunto:

– Vejo que vocês precisam informações sobre a situação atual. É recomendado manter distância de no mínimo um metro e meio das demais pessoas. (E apontando para minhas colegas) Vocês duas estão à uma boa distância mas você (apontando para mim) está muito próxima dela e deveria trocar de lugar sentando-se nessa ponta da mesa. Se tiverem alguma dúvida posso lhes dar maiores detalhes baseados nas orientações da Folkhälsomyndigheten.

Bom. A vida não segue como sempre, nem na Suécia.

Diário Caipira – 18

Coisas simples que dão errado por conta de uma letra: um dos vizinhos pediu ajuda pra fazer as compras. Mandou uma lista. Nela havia “Marabou chokladkaka”.

Eu li e reli e pensei que se tratava do famoso “kladdkaka” (pra mim é só bolo cru mesmo, mas pra ser chique a gente explica como brownie). Procurei e procurei pelo mercado, até achar um kladdkaka da marca Marabou.

Quando fui entregar as compras para o vizinho perguntei: era esse bolo que você queria? E o vizinho rindo: queria só uma barra de chocolate mesmo mas não vou ter problemas de comer o bolo!

Voltei pra lista e fui lá perguntar a explicação pro meu guru do sueco: amor, como assim isso aqui é barra de chocolate? “Kladkaka” não é bolo? E ele: sim, kladdkaka – com dois Ds – é bolo; mas chokladkaka é uma forma de dizer barra de chocolate.

Da próxima vou conferir a lista com o marido antes de ir às compras.

Diário Caipira – 17

Me sinto imensamente velha: havia um grupo de adolescentes no mercado fazendo muita idiotice. Digo idiotice porque não estavam fazendo bagunça, estavam enchendo um carrinho de compras com todo o possível e morrendo de rir.

Um deles decidiu vir tirar com a minha cara. Se aproximou e começou a “tossir”. Os outros ficaram na expectativa enquanto eu fingia que nada estava acontecendo. Ele “tossiu” mais alto e disse “o médico disse que era corona”. Eu continuei analisando calmamente as diferentes marcas de pasta de dente. Eles desistiram e fora embora caçar outra alma para incomodar.

Um pouco depois vi um dos funcionários do mercado dando um sabão em um dos adolescentes. Os outros haviam se escondido mas começaram a fazer qualquer coisa que deveria ser grave pois o funcionário parou de dar o sabão no rapazinho e partiu atrás dos outros “Hallå! HALLÅÅÅ”

Eu fiquei ali imaginando porque somos tão abusados e bobos durante a adolescência. Cheguei a conclusão que já não sei.

Estou velha.