Diário Caipira-118

O ano letivo começou há quase duas semanas mas meu piá começou na escola hoje. Tudo porque estava ligeiramente resfriado. Criança com coriza deve ficar em casa e eu estou agradecida de ele não estar começando a alfabetização.

Temos o direito de ficar uns minutos com a criança, já que é um ambiente novo para eles. Chegando na escola ele comenta:

– Mãe, as outras crianças estão sozinhas.

– Pois é, elas já estão vindo há dias e estão acostumadas (me dá uma agonia! Já tá na hora de ele sentir vergonha da mãe?)

Na porta da sala pergunto: “quer que eu fique um pouquinho?” e para meu alívio recebo um sim como resposta. Mas eu tô sobrando ali. A professora percebe que ele está super a vontade e sugere que ele diga tchau pra mamãe… 15 minutos depois.

Dá uma mistura de sentimentos. É tão bom ver ele seguro de si. Dá um medo danado de ver ele tão grande. O próximo passo vai ser roubar o carro para dirigir escondido?

Diário Caipira-117

Domingo sempre dá uma ansiedade. Tudo por causa das segunda-feiras…

Eu gosto do meu trabalho mas a pandemia só fez deixar ainda mais claro que eu preciso mais do que isso. Gostar do meu trampo é quase pouco pra me fazer sair de casa ultimamente. Não sei vou conseguir trocar de trabalho, mas eu tenho que procurar por algo que faça mais sentido do que a posição que eu ocupo atualmente.

Faz tempo que eu sinto que eu queria provar algo diferente. Mas eu ainda não consegui descobrir o que esse diferente seria. Não quero trocar seis por meia dúzia mas acredito que seja a hora de começar a procurar outra coisa.

Vamos ver aonde vou acabar.

Diário Caipira-116

E de repente… resolvi entrar no time das minhas irmãs e arrumei um quebra cabeça pra montar. Os meninos estavam super animados até eu abrir a caixa. Aí eles só olharam para o tamanho das peças e buscaram os próprios quebra-cabeças.

Hoje tivemos chuva, sol, vento frio e calorzinho no final da tarde. Dá aquela preguiça de sair… agora vou ter horas de atividade dentro de casa (como se eu não tivesse outra coisa o que fazer). Vamos ver se eu consigo montar o quebra cabeça durante o inverno… porque, apesar dos meninos não se interessarem a gata se interessou bastante e estava tentando roubar as peças.

Ättestupan

O palavrão aí em cima define o local onde, segundo alguns mitos, havia um precipício do qual os idosos se jogavam ou eram jogados para encontrar a morte (lembram da família dinossauro?). De acordo com esse mesmos mitos, a tradição tomava lugar quando o idoso já não podia se sustentar sozinho ou não podia contribuir para o sustento da comunidade à qual pertencia.

Quando visitamos o morro do Chapéu em Halmstad no verão havia a informação que, segundo a cultura popular local, Viserhatt fora um desses “precipícios do suicídio/assassinato” de idosos. Entretanto, de acordo com historiadores suecos não foram encontradas provas de que essa tradição realmente existiu na Suécia, ainda mais porque essa suposta tradição teria existido até por volta do século V.

Ainda assim, a expressão “ättestupan” é utilizada como metáfora para criticar quando alguma política de proteção à terceira idade não funciona. Um exemplo atual foi quando a estratégia sueca de combate ao Covid fracassou em relação à proteção dos idosos que vivem em asilos. Já se sabia que o vírus era mais perigoso para os idosos, e a forma como o vírus se propagou nos asilos suecos foi criticada duramente.

Parece que a prática existia e existe, ainda que ninguém seja jogado de um princípio… ao menos não literalmente.

Diário Caipira-cento e alguma coisa

Eu vou ter que parar de enumerar os posts porque nunca me lembro o número do último que escrevi.

Hoje estava fazendo panquecas e refletindo como a vida da gente muda em certas coisas quando a gente mergulha em uma outra cultura: panquecas, no Brasil, eram feitas para serem recheadas com carne, depois cobertas com muito queijo e molho… aqui, panquecas são recheadas de chantilly e alguma geleia. Mesmo assim podem ser um almoço, sozinhas.

Lembro quando me sugeriram isso pela primeira vez: comer panquecas para o almoço num café na cidade. E a minha deceção ao receber um prato com duas panquecas, chantilly e geleia ao lado.

O mais interessante é que hoje, enquanto fazia as panquecas na frigideira, minha mãe perguntou se eu iria rechear com carne ou a gente comeria à sueca. Ri comigo mesma. Depois de 10 anos aqui, panquecas “à moda sueca” são apenas panquecas. E tenho certeza que se eu dissesse aos meus filhos “vamos rechear panqueca com molho de carne moída?”; eles responderiam em uníssono:

– Eca!

Memórias de um Caracol-15

Tínhamos a esperança de sair de trailer uma última vez antes do verão ir embora, no entanto, pelo jeito vai ficar para a próxima primavera.

É incrível como o tempo mudou de cara na última semana e se travestiu de outono: o vento está frio e, principalmente, o sol indo embora mais cedo. Como disse no último post, apesar de as temperaturas estarem mais ou menos iguais aquelas que enfrentamos na primavera quando estávamos saindo acampar, a sensação agora é de que queremos nos recolher.

Sentamos pra desenhar hoje e os meninos me presentearam com esse belo retrato do nosso verão. Já dá saudades…

Diário Caipira – 115

O tempo virou e hoje soprava um ventinho daquele jeito que nos lembra que em breve nos despedirimos da época clara e quente do ano.

Queria levar as crianças pra fora, para darem uma volta de bicicleta e respirar ar puro. O mais velho só me ignorou lindamente, dizendo que hoje estava frio e ele ia ficar dentro de casa. Eu pensei com meus botões: ah tá, em maio num dia desses (18°C) tu estava se esbaldando na água gelada do lago!?? O pequeno ainda estava naquela fase de que ficar com os pais é legal, então notamos casaco saímos, pegamos a bike sem pedal dele e quando íamos sair uma nuvem negra daquelas bem gordas tapou o sol.

Escureceu. O piá jogou a magrela de lado e voltou pra dentro. Vai chover!!!

Me resignei pois ontem o tempo estava realmente desse jeito. Fazia um sol lindo, estava razoavelmente quente, chegava uma senhora nuvem gorda de chuva que desabava… chuva grossa, como em dia de verão no Brasil.

Não seria nada mal ter um clima mais temperado na Suécia. Porém, como se não bastasse todos os problemas advindos do aquecimento global, tenho certeza de uma coisa: baratas. Se for botar na balança, bem conversadinho: um verão mais longo e pra equilibrar, baratas; eu não tenho dúvidas: quero os verões gelados de volta.

Diário Caipira-114

Esses dias estava falando sobre aqueles carros/caminhões que passam na rua vendendo fruta-picolé-panelas-vassouras-gás-e tudo o mais que você já viu ou ouviu… afinal esses vendedores ambulantes ainda existem… existem??

O carro do picolé era um bem particular. Sempre vinha com aquela gravação que era feita pra cidade grande: “chega mais senhora, chega mais senhor, atenção criançada! É o carro do picolé passando na sua rua! Tem picolé de leite, picolé de limão, picolé disso, daquilo e daquilo outro! São doze picolés por apenas (sei lá quantos) reais! O carro passa e não volta mais”… mas voltava. Afinal, a cidade onde eu morava tinha uma avenida de umas 12 quadras talvez? Duas ruas perpendiculares a avenida… e um bairro mais na ponta, com umas ruas mais estreitas. O carro do picolé voltava, várias vezes, durante o dia inteiro. “O carro passa e não volta mais…” mas dali uma hora passava de novo. E de novo. E de novo. Quando não tinha a gravação tinha um megafone e alguém que ficava falando um monte no microfone e a gente só ia adivinhando “zzzzzzzzzz xiii docizzzzz” (abacaxi docinho).

Fiquei pensando nisso e na ansiedade que esses vendedores ambulantes criavam em mim. “O carro passa e não volta mais”… repetidos cem vezes e eu acreditando mesmo sabendo que passaria de novo. Amanhã vou participar de uma reunião online e me dá essa ansiedade, essa coisa de querer correr atrás do carro que passa e não volta mais, ainda que eu saiba que basta esperar, que o carro passa de novo sim, eu quero ir atrás do carro agora.

Eu quero ir atrás daqueles encontros presenciais, quando eu via gente de verdade, com carne e osso. Mas eu nem posso pegar o transporte coletivo porque estou resfriada de novo, o nariz parecendo vela e denunciando a minha falta de imunidade (apesar do pólen e do própolis que eu comprei de tanto a minha mãe insistir). Eu fico ansiosa pensando em cada encontro que não fui, em cada carro que eu acreditei que passaria de novo, mas já realmente… talvez não volta mais.

Eu quero picolé de fruta, doze por apenas sei lá quantos reais. Só que aqui o carro não passa…

Diário Caipira-113

Continuo tentando organizar a casa. Organizei o guarda roupa das crianças, o nosso “sótão”, os brinquedos das crianças (o lego continua sobre a mesa…), até limpei as vidraças e lavei as cortinas. Mas não posso abrir a porta do meu guarda roupa.

Nem tudo é perfeito.

Diário Caipira-112

O comércio de usados é forte na Suécia. É resultado de uma sociedade que consome muito e troca coisa semi nova por nova o tempo inteiro. Eu procuro comprar por meio dos sites de usados, mas dessa vez o que eu queria não estava aparecendo então, fui ao Ikea.

Eu me sinto doente só de entrar, mas achei meio vazio. Fiquei contente. Lá fui eu atrás de uma mesa de trabalho para os meninos (a última cartada para tentar minimizar o tanto de lego pelo chão). No final das contas, achei o tampo da mesa que queria, mas as pernas não era ajustáveis e assim em pouco tempo a mesa ficaria baixa demais. Comprei o tampo do jeito que eu queria e as pernas ajustáveis de outra mesa.

Cheguei em casa e passei um bom tempo brincando de marceneira, adaptando a mesa para que as pernas servissem ao tampo que comprei. No final o resultado ficou melhor do que eu esperava. Até o marido elogiou.

Os meninos também aprovaram e, por enquanto, o lego está em cima da mesa.

Diário Caipira-111

Se há algo que me irrita com o diacho da internet é que tem gente que acha que a gente está ali, com o smartphone na mão, 24/7 só aguardando alguém mandar mensagem.

Além disso a internet despeja baldes de informações desnecessárias na cara da gente o tempo inteiro. Tipo, eu sempre fui dessas que sabe responder a uma porrada de coisas nesses jogos de perguntas (quiz). Os assuntos mais absurdos e as informações mais idiotas prendem na minha cabeça e eu sei um monte dessas coisas que não faz sentido nenhum saber que aprendi com aquelas correntes que a gente recebia por e-mail (tipo a urina dos gatos brilha no escuro). Era mais fácil quando a gente recebia no email porque bastava excluir. No feed a gente rola a tela eternamente e todo mundo está compartilhando a mesmíssima coisa 200vezes.

Tudo isso causa uma ansiedade que faz a gente perder a paciência com tudo que não seja imediato. Eu sou bem mais tranquila quando não me exponho a feeds de notícias diariamente.

A gente tem que aprender a ser mais espertos do que os nossos telefones.

Diário Caipira-110

A semana que vem vai fazer um ano desde que temos a nossa gata, Mia. Nós adotamos ela de um abrigo de animais que resgata principalmente gatos e coelhos.

Demorou oito anos pra convencer o marido que a gente podia ter um gatinho de estimação (porque ele não queria nadar em pelos de gato e nem queria pelos de gato na comida dele). Eu estava certa: escolhemos uma gata que solta poucos pelos (a maior parte do ano) e que não deixa as roupas da gente mais peludas do que ela própria. A pessoa que mais perde cabelos nessa casa ainda sou eu.

Por ironia do destino a gata era super tímida no início e só queria ficar com… o Joel. Eu e os meninos pagamos um dobrado para ganhar a confiança dela. Vai ver que é uma coisa típica de gatos, mas ela sabia que já tinha conquistado a gente e só foi charmosa com o Joel.

Como a gente mora em uma casa perto de um bosque optamos por deixar ela livre pra entrar e sair a hora que quiser. É claro que tem a preocupação com carros (o tráfego aqui em frente é muito intenso para o meu gosto), o texugo e comida envenenada; mas essa última acho mais difícil já que a maioria dos vizinho tem gatos soltos também.

Como ela era um gato de rua já nos presenteou com um camundongo, passarinho e hoje, um lagarto-cobra. Quase caí das pernas quando entrei na sala e dei com ela “brincando com a comida”. Os meninos adoraram a oportunidade de ver o bichinho, mas ficam muito bravos com a gata cada vez ela entra em casa com um bicho na boca.

Foi amor a primeira vista