A boneca do poço

Não estou falando de filme de terror. Hallowen já passou apesar de que no Brasil a caça às bruxas continua.

Recentemente “li” (ouvi) a tetralogia Os Emigrantes do autor sueco Vilhelm Moberg que trata da saída em massa dos suecos para os EUA durante a segunda metade do século XIX. A obra segue a saga da família de camponeses de Karl-Oskar e Kristina Nilsson que, fugindo da fome, enfrentam uma longa viagem num barco a vela até Nova York com três crianças pequenas. Depois, se fixam no território selvagem de Minesota a beira do lago Ki-Chi-Sago, atualmente Chisago County.

Desde janeiro ando buscando informações sobre meus antepassados italianos e, também por isso, a saga Os Emigrantes mexeu muito comigo. Mas mais do que isso, o autor soube descrever de forma formidável as duas faces da imigração que vivem brigando dentro de cada imigrante: Karl-Oskar está decidido que Minesota é maravilhosa, mesmo que ele tenha que lutar muito para botar em ordem seu pedaço de chão enquanto Kristina vive suspirando pela Suécia que ficou para trás, ainda que a vida no novo mundo lhe traga gratas surpresas.

Eu sofro muito sempre que deixo o Brasil. Sofro porque assim que as portas do avião se fecham eu sei que vou adentrar a zona europeia, o velho mundo de onde tantos fugiram para escapar da fome mas que hoje fecha as suas portas para aqueles que querem fazer o caminho oposto. Sorte minha não ter fugido da fome para cá e ter adentrado este território meio que na birra. Azar o meu ter perdido meu coração para um europeu. Sorte minha ele ser sueco e não húngaro. Azar o meu a Suécia ter nove meses de inverno…

Mas pra não ficar nessa lista interminável, Moberg fala de uma coisa que bateu fundo na minha alma: a saudade que Kristina sente pela Suécia está enraizada na imagem da Suécia que Kristina guarda na memória. A analogia que ele faz no livro é a seguinte: Kristina tinha uma boneca de porcelana, de rosto redondo e branco, touca e um vestido de seda azul. Um dia, quando buscava água, Kristina derrubou a boneca por acidente dentro do poço. Era possível ver a boneca, ou ao menos uma parte dela, e Kristina ficou inconsolável. Seu pai e irmãos não mediram esforços para resgatar a boneca, ainda que em vão. Por muito tempo foi possível vislumbrar a seda azul do vestido da boneca, e apesar de Kristina ter ganhado uma nova boneca semelhante a anterior ela se dirigia constantemente para o poço para espiar a boneca perdida. Como era linda. Na memória de Kristina a boneca perdida era mais bonita do que a atual, o tecido do vestido mais brilhante (apesar de estar mergulhado há tempos na água), o rosto era mais bem desenhado, a porcelana mais suave ao toque.

O Brasil que guardo na memória é sempre mais quente, caloroso, mais feliz. Eu fico meio chocada de ver aranhas e baratas pra todo o lado. Meu primo matou uma cascavel dia desses no sítio em que mora. Tem mais passarinhos cantando (e cagando na cabeça da gente) do que eu possa me lembrar – eu até vi um pica-pau no jardim. Tem chefe gritando com os funcionários. Tem chefe ameaçando funcionárias porque elas engravidam. Tem homem assobiando na rua atrás da gente, quando se tem sorte. Tem gente chamando mulher de vadia e puta o tempo inteiro. Curitiba é cinza. É barulhenta. O som do tráfego intenso de caminhões me dá medo. Caminhoneiro não respeita limite de velocidade. Todo mundo dirige colado na sua bunda. Todo mundo ultrapassa em faixa contínua e na curva. Tem gente pedindo em cada sinaleiro. Tem gente dormindo embaixo da ponte, no meio do calçadão. Tem gente morando no barranco, numa casa que lembra um ninho de falcão. Tem pastor com cabine dupla. Tem playboy gastando gasosa na avenida de um km de comprimento, pra cima e pra baixo. Tem competição de som na porta da casa das pessoas. Tem a vizinha ouvindo gospel no último volume (toda quarta e quinta – aleluia). Tem bolo de chocolate no café da manhã. Tem coca cola na mamadeira. Tem criança obesa, diabética e hipertensa aos nove anos. Tem violência. No campo. Na cidade. No trânsito. No parquinho da praça. No escritório. Dentro de cada casa. Dentro de cada boca gritando impropérios. Dentro de cada mão se fechando num soco e perna se estendendo num chute.

Mas agora eu estou aqui em Nárnia e o Brasil… o Brasil é a minha boneca que caiu no poço.

Dia dos namorados e um alô para quem morre de amores por um viking

Eu ando com muita saudades de escrever. O blog sempre serviu de válvula de escape para mim, principalmente nos meus dias mais difíceis do lado cá. Esses dias recebi um e-mail mal educado, de uma pessoa me perguntando se eu cansei de falar mal da Suécia ou simplesmente caí na real. Fala sério? Há uma porcão de blogs mostrando o quanto a vida na Suécia é boa, eu não acredito que precise frisar essa questão. Não quer dizer que esses blogs são menos importantes, ou que eu queira ser diferente. Quer dizer apenas que eu decidi mostrar o lado B das coisas, uma vez que o lado A está bem explícito.

Eu gosto da vida na Suécia e concordo com a maioria das coisas que as minhas colegas blogueiras expõe sobre esse país tão seguro. Sou feliz vivendo aqui. Em muito devido aos fatos especiais que me trouxeram para cá, e é justamente sobre isso que eu quero falar…

Hoje se comemora o dia dos namorados no hemisfério norte – ou melhor, o dia de todos os coracões na Suécia (já deu para perceber que eu não estou usando cedilhas?). Apesar das parcas atualizacões que venho fazendo por aqui, ainda há muita gente que me escreve por causa da minha história. O que vem mudando é que ultimamente mais e mais gente vem me escrevendo para pedir conselhos amorosos e isso, bem, é muito complicado.

Já me perguntaram se eu achava que dá para confiar em suecos, se dá para levar eles no motel, se transar no primeiro encontro faz com que eles pensem que somos putas, se vale a pena largar marido e filhos por causa de uma paixão avassaladora por um sueco super carinhoso e gentil de olhos azuis, se é normal que o namorado viking tenha fotos de mulheres nuas no computador, se é verdade que eles preferem as latinas e tailandesas porque as suecas são feministas peludas egocêntricas e malvadas…

Quero abrir um parêntese sobre a última questão. Há uma dicotomia muito interessante relacionada a esse fato. Por um lado, um monte de gente dissemina e acredita piamente que suecos não se casam com suecas porque elas são feministas castradoras. Por outro lado, um monte de gente – quando não as mesmas pessoas – afirmam que suecos são ótimos partidos, uma vez que cresceram em um país onde homens e mulheres tem direitos iguais, então eles são mais gentis e nem um pouco machistas. Partindo do pressuposto que mulheres suecas não servem para casar (elas são feministas peludas egocêntricas e malvadas), imagino que a maioria desses príncipes encantados sejam filhos de chocadeira…

Ironias a parte, o meu problema se deve ao fato de que não sou uma boa conselheira amorosa. Uma, porque me dá preguica. Tem gente que romantiza demais a relacao com um estrangeiro. Gente, se você é uma mulher hétero interessada em um cara hétero, saiba que o estrangeiro é só um homem hétero e ponto final. Homens podem ser doces e interessantes, podem ser malas arrogantes, podem ser machistas retrógrados, podem ser sexistas disfarcados, podem ser um ser maravilhoso, único e especial, e isso não porque são suecos ou brasileiros, mas sim porque são humanos.

Mas a cultura influencia, óbvio. E que a cultura sueca é muito diferente da cultura braisleira é um fato. Feliz ou infelizmente, ninguém nasce em linha de producao e, apesar da diferenca cultural, na Suécia os homens também traem, também assistem pornô, também batem em mulher e também abandonam a mocinha na porta da igreja.

Vou contar alguns casos: mais de uma guria me escreveu e-mails gigantes me contando os pormenores de suas histórias tristes com um sueco. Enquanto elas sonhavam em vir para cá (e o cara enrolando), ele estava saindo numa boa com outras garotas. Certa vez em uma festa eu conheci um sueco que veio me dizer que tinha uma namorado no Rio e que estava querendo trazer ela para cá. Me perguntou se tinha sido fácil para mim conseguir o visto. Eu comecei a contar minha história, até que um amigo do Joel veio tirar uma com a cara do sujeito, bem no estilo ” ai ai João, você ainda não tirou a Ana da cabeca? Olha que se a Rosa ficar sabendo…”. Aí que eu fui entender: o cara estava noivo de uma sueca, mas tinha uma namorada no Brasil. Ele vivia dizendo para ela que ia trazer ela para cá e visitava a guria uma vez por ano, mas ela nem sonhava que o cara estava na contagem regressiva para o casamento. A desculpa dele para ela era que por causa da filha dela o processo era mais demorado… Ele veio me fazer perguntas para descobrir se ia ser fácil ela descobrir que ele só estava enrolando… e ele me confessou isso na cara dura, justificando que era muito jovem para assumir uma crianca!

Ano passado, uma outra garota me escreveu dizendo que sofria violência psicológica do parceiro sueco. Estava grávida, não tinha dinheiro para voltar para o Brasil e vivia abandonada pelo cara, que tinha várias amantes e vivia viajndo a Europa com elas e contando para que lugares lindos ele tinha levado as outras gurias. Ainda uma segunda garota grávida me escreveu para contar que estava numa situacao semelhante. Na comunidade de Brasileiros na Suécia (no facebook) uma terceira pediu ajuda pelo amor de Deus pois tinha sido despejada pelo namorado, que simplesmente decidiu que ela não ia mais ficar na casa dele e pau, largou a menina na estacão de Stockholm e disse: se vira… Além de violência psicologica, eu sei que há brasileiras que sofrem de violência física aqui também.

Por fim, há aqueles que desistem “a tempo”. Quando você dá entrada no visto, o sueco tem que confirmar a história e dizer a imigracão que está disposto a te dar casa, comida e roupa lavada. Tem gente que entra em pânico nesse momento e simplesmente diz que não, que não era bem isso, que não pode ser responsável por outra pessoa. Não sei se é melhor ou pior, só sei que deve ser bem duro descobrir que o cidadão no fundo nem sabia ao certo o que queria.

Isso tudo para jogar mais um pouco de lama na reputacao inimputável desse reino tão e tão distante?

Não, é apenas para dar um toque: o que você espera ouvir quando escreve para uma pessoa que não te conhece, que não conhece o homem dos seus sonhos, que não tem a mínima ideia dos pormenores que envolvem a história de vocês? Se você espera ouvir um vem, vem agora que você será feliz para sempre, bateu na porta errada baby. Uma, que mesmo que eu escreva isso para você será uma mentira e duas, acho que você deve pedir conselhos para alguém que te conhece, tipo a sua mãe ou a melhor amiga.

É certo que eu vivo uma história de amor com um sueco. Isso pode ser algo que temos em comum. Mas, apenas para reforcar, cada ser humano é unico e eu não posso orientar um terceiro a tomar as mesmas atitudes que eu. É muita responsabilidade. E tem gente que se irrita! Tipo a guria que me escreveu perguntando se ela devia largar o marido e filhos para ficar com um sueco e eu disse que não iria opinar, me deu uma resposta torta dizendo que eu devia ajudar por ser uma questão cultural. Uma questão cultural? Essa é uma questão pessoal e no mínimo extremamente sensível por dizer respeito a vida de menores. Além de tudo, tem bem cara de cilada: a pessoa me escreve, pergunta o que eu acho; eu digo que eu acho que ela deve apostar; tudo dá errado e depois… foi a caipira do blog que me MANDOU largar do marido!

Enfim, se você é solteira, independente e quer arriscar… coloque as coisas na balanca do seguinte modo: e se ele não fosse sueco? E se ele fosse brasileiro e eu tivesse que me mudar, sei lá, do Amazonas para o Rio Grande do Sul ou vice e versa, sabendo o que eu sei, eu faria isso?

Se você está na duvida, é bom por um freio.

Saudades

Na semana antes do meu casamento a minha sogra avisou que haveriam dois convidados surpresa para a festa. Adivinhem qual foi o meu pensamento?

Sim, a primeira coisa que passou pela minha cabeça é que essa maravilhosa família sueca que me acolheu havia feito uma vaquinha para trazer meus irmãos – a Gio e o Jorge – para o casório. É claro que a minha sogra percebeu de uma vez como as minhas expectativas pararam em um trilhão, então ela mais que rapidamente explicou que era uma surpresa pequena e que os convidados não vinham do exterior.

Ainda assim, eu esperei até o último minuto que – tanto meus irmãos como mais umas pessoas especiais – aparecessem de surpresa. Sei lá, sabe essas coisas bestas de filme? Sim, eu esperei. Esperei ver eles na igreja. Mas eles não estavam lá.

Desde o dia do casamento eu sinto muito mais falta deles do que o normal. Eu tenho cá essa saudade que não passa, e coisas bestas me fazem lembrar de momentos gostosos que passamos juntos, ou, em outros casos, coisas que eu gostaria de fazer com eles.

Passei a viagem toda na Grécia fazendo planos infalíveis.

Mas ainda não posso ir ao Brasil.

Então eu fecho os olhos e vivo na minha cabeça esses momentos que eu sei que foram reais e que agora são lembranças especiais. Eu faço de conta que posso fazer isso amanhã e daí fica um pouco menos pesado. Eu sei que faz quase um ano, a minha vida está se ajeitando e tenho encontrado muita gente legal, mas vocês são insubstituíveis! E estão fazendo falta…

Eu não ficar nominando, não precisa.

Eu tenho saudades…

Dia Mundial de Combate ao Suicídio

suicidioO dia 10 de setembro foi escolhido como Dia Mundial de Combate ao Suicídio. Foi ontem, mas às vezes, mesmo que eu queira, não dá nega e eu não consigo blogar. Enfim, suicídio pode até soar bonitinho em romances do tipo Romeu e Julieta, mas a verdade é que envolve muito sofrimento para todos os envolvidos e um enorme problema de saúde.

To tocando no assunto porque desde que eu mudei para cá tem muita gente que fala disso: a Suécia tem uma das maiores taxas de suicídio do mundo/ não adianta tanta tecnologia e dinheiro se tem um monte de gente que se mata lá/ existem tantas pessoas que se suicidam na Suécia porque ninguém acredita em Deus; blá blá blá…

A gente pode especular e especular a respeito do tema. Na minha opinião, a cultura sueca é um dos fatores que contribui sim para esses números mas, não porque aqui há mais ateus do que crentes ou porque o aborto é permitido (já ouvi cada uma que até parece que os ouvidos viraram pinico!), e sim simplesmente porque os suecos tem essa coisa de se virarem sozinhos, dar conta do recado por si próprios. Sueco “guarda” suas dificuldades para si e compartilha apenas com as pessoas que ele considera próximas. E não é que eu veja isso como um defeito não, pelo contrário: conheço muito gente (inclusive eu) que seria mais feliz se aprendesse a ser mais discreto. Mas essa dificuldade de expor os sentimentos pode virar uma bomba relógio.

E daí que eu sublinhei o pode porque essa não é uma regra. É só um chute baseado em alguns poucos textos que eu li sobre a importância de procurar ajuda quando você está mal.

Lendo algumas coisas ontem sobre o tema eu acabei nesse artigo do Humberto Corrêa que traz alguns dados, como, por exemplo, que cerca de nove milhões de pessoas se suicidam no mundo por ano e que o número de suicídios no Brasil cresceu em 30% nos últimos vinte anos, sobretudo entre homens jovens. O principal ponto do texto do Humberto é a afirmação de que o suicídio seria mais facilmente combatido se a gente deixasse o tabu de lado. Eu concordo.

Tem que se botar para fora o que não sai da cabeça

Tem que se botar para fora o que não sai da cabeça

Concordo porque, indiferente de acontecer no Brasil ou na Suécia, o caso é que ninguém se mata porque está feliz. E, indiferente da cultura sueca ou brasileira, todos nós temos imensa dificuldade de lidar com a tristeza. Na cultura sueca, talvez porque eles sejam fechados e det är inte okej (não é aceitável) pedir pinico para os outros. Na cultura brasileira simplesmente porque a gente é muito feliz para ser triste.

É só para pensar: quantos dos seus amigos estão postando semanalmente no facebook que não veem a hora do final de semana chegar só para entortar o caneco? Quantas dessas pessoas escondem um sentimento enorme de frustração e tristeza por detrás do “soltar a franga”? Por que é que beber para esquecer é aceitável?

E quando o tiro sai pela culatra e, de repente, o cara mais legal da roda se enforca, todo mundo fica surpreso porque ele “sempre” estava feliz.

É claro que eu to tocando em apenas um dos fios de uma meada muito embaralhada: o bullyng mata, a homofobia, o machismo, a marginalização,  o racismo e mais um monte de “ismos”. Eu ficar na “carne” daquela guria até essa gorda se tocar que precisa emagrecer NÃO é uma ajuda; tratar a namorada na coleira porque você é um maníaco carente NÃO vai fazer ela te amar, vai destruir ela (e o contrário também é verdadeiro, só menos frequente porque mulheres nem sempre dispõe do poder para manipular); excluir homossexuais, pobres e negros porque o problema é deles por serem assim NÃO te faz uma pessoa tolerante à diversidade, só serve para mascarar o teu preconceito.

Mesmo os mais fortes e grandes sofrem

Mesmo os mais fortes e grandes sofrem

E que mal há em falar algumas verdades, não é mesmo? Nenhum, não fosse por um detalhe: as pessoas que estão azucrinando as demais, por qualquer motivo que seja, sempre estão tentando esconder algum sentimento de inferioridade ou frustração. Há muitos relatos sobre isso (dá uma lida nos guests posts do blog da Lola): eu tenho medo de virar o objeto do bullyng, então em me junto à rodinha do pessoal que azucrina assim eu fico fora da linha de tiro. Ao menos por enquanto. Pimenta nos olhos dos outros é refresco, e parece que as redes sociais estão aí para isso: a gente fala o que quiser na rede e, na maioria dos casos não é punido. Isso legitima as redes de ódio que já estão pulando da internet para a vida real.

E isso tudo não acontece apenas no Brasil (tem muito aqui também, apesar do pessoal dos direitos humanos estarem em cima o tempo inteiro) mas no Brasil é visto por muito poucos como problema. Eu sobrevivi ao bullyng, alguns dirão, mas quando você estudava já existia facebook? A gente não quer ver, não quer aceitar que há pessoas que sofrem ao nosso lado, e que a tristeza é mais comum do que é socialmente aceitável (no Brasil).

Eu volto a combater a imagem que a gente vende do Brasil: somos um povo alegre e descontraído, com super “força na peruca”; o país do carnaval que chora suas mágoas na avenida do samba e lava a alma nas ondas de Copacabana. O povo mais simpático e forte do mundo, que mesmo com tantas dificuldades sempre aparece na TV com aquele sorrizão na cara, povo de jeito de moleque que encanta no futebol, na música, na dança…

…e não tem absolutamente o direito de ficar triste. E que esconderá a tristeza por detrás do ódio (duvidam que gente que fica xingando pobre na internet é porque tem problema?) ou de festa. Afinal, sempre é bom encontrar um canal por onde a gente vai descarregar as mágoas, e desde eu que faça o bem para mim mesmo, tá valendo.

suicidio 3

Eu não tenho a menor dúvida de que há muita gente feliz no Brasil. Feliz de verdade. Temos uma cultura de festa, dança, música e travessuras e isso ajuda realmente a limpar a alma. Mas quando nem isso ajuda é sinal de que a coisa está realmente feia e a gente deve perder o medo de declarar que está triste e que perdeu o tesão de viver.

É importante começar uma verdadeira conscientização a respeito da natureza da tristeza; da diferenciação entre tristeza e depressão e da necessidade de buscar ajuda profissional quando você percebe que o tesão de viver está morrendo. Afinal, um suicida não é bem uma pessoa que acorda numa manhã de segunda feira e resolve que já deu; muitas vezes a alma dele já morreu há tempos, só falta mesmo é deixar o corpo.

Quem quer se matar não decide de uma hora para outra, o sentimento aparece sorrateiro e vai crescendo e crescendo incentivado pelos transtornos psíquicos que a pessoa sofre. E aí que as vezes compartilhar isso com amigos vira piada e a única maneira seria buscar a um profissional, mas a oferta de ajuda profissional no Brasil ainda é muito precária no que se refere ao atendimento de pessoas com transtornos psíquicos.  A OMS recomenda (segundo esse artigo) um mínimo de 4 leitos psiquiátricos para cada 100 mil pessoas enquanto no Brasil há cerca de 0,4. Só mesmo trazendo a tona a realidade desse problema vai fazer com que sejam tomadas providências a respeito desse déficit.

Quando não há profissionais disponíveis e os amigos levam tudo na flauta a situação se vê desesperadora. Os transtornos psíquicos que levam a morte são um tabu e eu posso afirmar isso: quando eu tive depressão teve muita gente que disse que eu fazia manha, afinal, eu era jovem, talentosa, bonita, inteligente, tinha um bom trabalho, uma família que me amava e… o que mais eu poderia querer?

Mas nada é assim tão simples. Não é apenas uma questão de querer, ainda que esse seja o primeiro e mais importante passo em direção a cura. Sim, porque transtornos psíquicos são doenças, não são manha, faz de conta para chamar a atenção ou fazer piada. E se queremos que as pessoas que estão com problemas sintam-se confiantes para falar disso, temos também de vencer mais esse obstáculo: o de julgar quem está triste como fraco ou como só mais um cheio de mi-mi-mi-mi.

Enfim, se enfrentarmos os tabus que envolvem o suicídio esses números vão diminuir, tanto aqui como em qualquer lugar.

*****

A Suécia dispõe de uma linha de ajuda para pessoas que não se sentem bem: a nationella hjälplinjen.

Telefone: 020 22 00 60

Internet: 1177.se (chat com psicólogos).

Esse atendimento é gratuito.

Preconceito? Imagina…

O país mais acolhedor do mundo é o Brasil.

Só que não.

Na verdade, o Brasil é um país excelente no que se refere a acolher turistas. Tá certo que existem casos e mais casos de turistas que foram roubados e juram nunca mais voltar para o Brasil. Mas isso passa. Morre em questão de dias. Afinal, o Brasil é o país mais simpático do mundo.

Só que não.

Se você não é um turista europeu ou estadunidense, ou melhor, se você não for um turista branco cheio de grana, você será tratado como um turista qualquer. Afinal, pra quem serve um turista se ele não for o cara cheio de grana que vai deixar muito dinheiro no Brasil?

Eu to generalizando, eu sei.

Mas é foda. Sim é foda, não é triste, é foda. É foda abrir o navegador e ver mais gente compartilhando o quanto é que os médicos brasileiros estão sendo mesquinhos e infantis na forma de tratar os médicos cubanos.

Provavelmente, eu não devia meter a colher porque eu nunca trabalhei na área de saúde. E tá certo. Eu nunca trabalhei na área de saúde, mas eu já usei o sistema de saúde brasileiro, tanto o particular como o privado e sabem, não há lá tantas diferenças.

Não me lembro de uma só vez que eu tenha pago uma consulta no Brasil e que eu não tenha esperado para ser atendida. Sempre uma desculpa: é que o “doutor” teve uma chamada de emergência, então, nos desculpe, você não pode ser atendida no horário em que marcou. Ou seja, todo mundo pode esperar pelo médico, todo mundo DEVE esperar pelo médico, no sistema público de saúde ou não, porque ele é o senhor doutor.

Esse é um argumento emocional que não vale de quase nada. É só um choramingo igual a de praticamente duzentos milhões de pessoas que vivem no Brasil. Então passa.

O que eu quero dizer mesmo é que eu sei o quanto é chato você ter que provar para todo mundo que você é qualificado. Sim, porque a situação pela qual os médicos cubanos estão passando no Brasil não é diferente da situação da maioria dos expatriados que estão trabalhando ou tentando trabalhar fora do Brasil, não é diferente da minha situação atual. Mas o quê? Tá chorando de barriga cheia, menina, afinal, tu tá na boa, nos estrangeiro… acabou de voltar da Grécia.

Eu não entendo essa mania, essa merda que incutiram na cabeça do povo, que viver na Europa é bom pra caralhoooo (sim, esse é um post com muitos palavrões, eu sinto falta também de falar palavrão em português), então você tem que ficar apenas feliz e contente de viver na Europa. Se estiverem fudendo com você, se estiverem te tratando com preconceito porque você não tem um diploma europeu, que se dane minha filha, “tu tá nas Europa”.

Isso cansa.

Mas dizer que eu sofro algum tipo de discriminação aqui que eu já não sentisse no Brasil – ou que eu mesmo reproduzisse – é mentira. A exceção do campo de negócios e de tecnologia (que eu acredito sejam mais abertos porque eles querem simplesmente pessoas inteligentes e audaciosas, corajosas); os demais campos de trabalho são extremamente fechados. A gente fica olhando uns e outros com desconfiança, brigando para sermos reconhecidos e para construirmos um status semelhantes aos dos médicos. Exatamente isso, no fundo no fundo, todo mundo gostaria que a sua profissão tivesse o mesmo status quo que a dos senhores de branco.

E por que não? Por que algumas profissões são tão absolutamente invejadas e veneradas enquanto outras, sei lá, ficam como em segundo plano?

Porque somos humanos, e gostamos de nos gavar. A gente sempre quer ter alguém olhando lá de baixo. Se não for a empregada doméstica, tem que ser o mecânico, ou o professor (sim, infelizmente, professor já foi uma categoria profissional com status quo, mas isso foi no tempo das fadas), o gari.

Eu, como assistente social, fico puta da cara se me compararem a um conselheiro tutelar, e fico puta da cara porque minhas palavras e meus relatórios tem menos peso do que os mandatos de um senhor promotor. É um ciclo parecido com o da cadeia alimentar, onde os menores, no mínimo, tem que mostrar respeito aos maiores se quiserem continuar respirando.

Sim, deixemos as nossas máscaras caírem: somos preconceituosos. Brasileiro tem horror a gente negra, porque o símbolo do Brasil é um corpo moreno, não negro; brasileiro tem horror a gente pobre, porque estamos cansados de ser um país de terceiro mundo, então eu quero fugir daqui, sair dessa zona. Brasileiro tem muito mais orgulho do seu sangue branco do que muito alemão nazista. Eu quero viver no glamour europeu porque lá todo mundo tem uma vida boa, porque lá a diferença de classes é menor e não importa se você é formado nisso ou naquilo, a diferença salarial é pequena. Imagina que até mesmo uma faxineira tem uma vida boa lá! Eu ficaria contente de limpar banheiros por um salário assim mas, meu Deus do céu! Eu não vou pagar um absurdo desses para uma “tatinha” cuidar das minhas crianças, ou para uma Dona Maria esfregar o chão em que eu piso. É um absurdo que o governo queira dar privilégios a classe serviçal.

É um absurdo que o sistema de saúde seja poluído de médicos negros que a gente nem sabe se tem qualificação.

Mas essa é outra história não é mesmo?

Não, isso é hipocrisia. E nem é velada, é escancarada: a gente não quer morar no Brasil porque é fora do Brasil que está a vida boa. Só que a sociedade brasileira é um reflexo dos nossos desejos: a gente quer ter acesso a tecnologia como nos países de primeiro mundo, a gente quer ter salários de primeiro mundo, mas a gente quer perpetuar o modelo colonial, em que os senhores de branco, os engravatados, o pessoal que trabalha em escritórios continua tendo a possibilidade de ter seus escravos. E onde todo mundo que não está tão mal na fita assim, e que tem uma profissão intermediária, sonha chegar lá no status quo dos grandões, só para ter seus próprios escravos.

Enquanto isso não acontece, a gente, dessas profissões intermediárias (ou ao menos alguns de nós) não estão nem aí se precisarmos nos comportar como os cachorrinhos dos grandões, seja no Brasil ou aqui na Europa. Afinal, se a gente ficar nas proximidades da mesa, quem sabe nos sobrem algumas migalhas.

É foda ter que ficar provando que você é qualificado. Mas a gente só pensa nisso quando tá queimando na própria pele. E é por isso que me irrita ver o comportamento dos médicos brasileiros.

Eu não sou cachorra não. Nem gostaria de ser, ainda que eu fosse um cachorro de madame. Não quero ser tratada como alguém que veio de um país em desenvolvimento, quero ser tratada como uma pessoa. Acho estupidez, mesquinharia, rabugice e burrice tratar os médicos cubanos como cachorros que vieram pra pegar os restos da mesa dos senhores médicos brasileiros, só porque eles são negros e cubanos.

Sabe o que é mais chato de tudo isso? A Suécia é um país fechado. Suecos tem fama de ser um povo, no máximo, gentil. Gentil, mas frio, fechado, organizado. E são tão organizados que não importa de que lugar do mundo que você veio, se a sua formação não tá dentro dos parâmetros suecos, você pode vir do Reino Unido, não tem choro e nem vela, o jeito é voltar para os bancos universitários e estudar até que esteja no nível que é exigido. Ao menos eu sei que o tratamento que me é dispensado até esse momento não é diferente do tratamento que é dispensado a qualquer outro estrangeiro, vindo ele do primeiro velho mundo ou não. Mas no Brasil…

Bom, pelo menos Brasil é o país mais simpático do mundo. Está de braços abertos como o Cristo Redentor, não é mesmo?

Só que não.

Mais histórias sem pés e nem cabeça

Não é que tenha encontrado o meu tesão de escrever, mas é que nunca experimentei postar duas vezes no mesmo dia. Estou treinando para escrever mais coisas sem sentido.

Acho que é um esforço de mostrar – um esforço quase que inútil, eu diria – de mostrar que aqui fora a vida é só vida. Tipo, nada de glamour porque eu moro na Suécia. Aqui a gente também tem que fazer três refeições por dia, também tem que trabalhar, também tem que ir no centro resolver umas coisas, escovar os dentes, lavar roupas, levar o lixo pra fora… essas coisas do cotidiano sabe?

Seja lá como for, fui fazer a tal prova de equivalência do inglês. São seis questões – três focadas na leitura/compreensão, três de escuta/compreensão – mais um pequeno texto de 200 palavras. Depois de tudo eles batem um papo rápido – coisa de cinco minutos – para medir o seu nível de conversação. Demorei uma hora e meia pra terminar a prova (o tempo máximo de prova era de três horas), esperei meia hora para ter os meus cinco minutos de conversação e tcha-rammm: meu nível de inglês corresponde ao inglês 6 (engelska 6). Fiquei feliz! Eu não preciso perder tanto tempo com isso afinal. Sim, porque apesar de ter o nível 6, eu preciso fazer o curso pois a prova que eu fiz não me dá o direito a nenhum certificado. Já fiz a matrícula e começo em outubro. Se tudo der certo, entro no mestrado que eu queria o ano que vem!

Além de inglês vou ter que estudar mais sueco – é pracabá viu? – pois o nível de sueco para universidade agora é o sueco 3. Hahá! Começo em outubro também. Eu só preciso torcer para que os dois cursos não caiam em escolas diferentes, mas no mesmo horário – daí sim é pra fazer o peão chorar em alemão – porque, como eu não to estudando, por exemplo, todo o terceiro ano do ensino médio, eu tenho que aplicar para cada curso em separado. Mas aí seria azar demais né não?

Quem quiser mais informações sobre essa prova de equivalência deve entrar em contato com a vuxenutbildning (ou komvux) da sua cidade. Aqui em Göteborg tem prova de equivalência todas as terças, quartas e quintas lá em Rosenlund (não sei se há outra vuxenutlbildning além daquela aqui), a partir das 10h da manhã até as 15h (na quinta encerra as 13h). É só chegar lá com sua identidade, pois a prova é individual e funciona no sistema de “drop in”. Além de inglês você pode conferir a equivalência do sueco, matemática e outras cositas mas.

Como estava “no centro” aproveitei para dar uma olhada num biquíni novo. Eu sei, o verão sueco acabou, as promoções de verão também, e com elas tudo que era relacionado a estação mais feliz destas bandas onde o Papai Noel vem pra a praia. Primeiro, que biquíni na Suécia não é biquíni e, em condições normais, eu não compraria um bíquini aqui. Mas… vamos pra a Grécia em lua de mel e, na hora de fazer as malas percebi que meus biquinis velhos de guerra estão desintegrando…

Aí fica aquela dúvida cruel: correr o riso de ficar pelada com os meus biquínis normais ou comprar um cuecão sueco? Ok, como eu não sou adepta de praia de nudismo – eu ainda não cresci o suficiente para isso – resolvi pela opção b.

Mas não dá né cara? Primeiro, as cores foram banidas da Suécia junto com Deus. Sinceramente, eu acho um charme biquíni preto, e na falta de algo melhor… lá vou eu com um S preto para o provador. Detalhe que eu já tinha achado que o S era grande, mas como eu falei, fim de estação, eu quase me senti feliz por achar um S (que é o equivalente ao nosso P) lá  no meio dos restos mortais do verão.

E a minha bunda sumiu!

Minha mãe ficaria orgulhosa de me ver vestida naquela calcinha. Mais comportada só se eu voltasse aos anos 20, quando todo mundo usava aquele macacão – nem era maiô – na praia. Gente é sério… com o tecido daquele P lá dá para fazer três P’s do modelo brasileiro. E isso que eu não to falando de fio dental – eu não tenho coragem pra tanto. Com um biquíni daqueles eu bem posso ir a praia com uma das cuecas boxer do Joel, a marca de sol seria a mesma.

Desisti. Ou quem sabe eu compre um short jeans? Eles usualmente são menores do que a calcinha do biquíni sueco.

Resultado: os biquinis velhos de guerra é que vão para a mala, e com eles a esperança de que não se desintegrem na próxima semana, ou que existam lojas de biquínis um pouco mais interessantes na Grécia.

E da próxima vez que for ao Brasil, trago um estoque.

Devaneios

Aviso: post desabafo.

Tem dias que é difícil acreditar na capacidade de… eu nem consigo pensar numa palavra para expressar – do ser humano. Ultimamente esqueço as palavras e fico fuçando no meu dicionário português-português sinônimo ou definição para aquilo que tô tentando dizer.

Porque tem dias que é difícil acreditar na alta taxa de desumanidade da humanidade. Ou de alguns humanos, se é que os tais poderiam ser classificados assim: gente que vê o negro, o pobre e a mulher de outro jeito. Gente que ganha o suficiente para pagar 30 milhões de dólares por mês pelo condomínio do prédio e que tem poder suficiente de lascar com a vida de todo o trabalhador que luta para ter algum direito social – porque o cara só ganha um salário mínimo e meio mas olha só, ainda quer benefícios o vagabundo! Quer viver encostado no governo!

Não sei se o problema de todo esse texto confuso começou porque eu acabei caindo aqui na Suécia onde o povo luta – ou pelo menos tem um discurso de luta – pela igualdade. Mulheres devem ter igualdade de direito como os homens; deficientes devem ter os mesmo direitos de pessoas “normais”; e quem é rico paga mais imposto para que o sistema possa apoiar o pessoal que não caminha no mesmo passo – leia-se pobres.

Esse dinheiro vai, por exemplo, para o pagamento do socialbidrag (a bolsa família sueca). Basta morar na Suécia e ter o número social para que a pessoa esteja apta a receber o bidrag (esmola) ou o bistånd (assistência). Dependendo do grau de pobreza da família (e do número de filhos) o bidrag pode alcançar o valor de 3500sek – mais ou menos R$1093. Eu sei o que você pensa agora: isso não é esmola mas sim; isso é esmola se considerado que o salário de uma pessoa que trabalha 40h semanais em um emprego normal é de 17000sek (após o imposto). Além disso a família vai ser contemplada com um apartamento – porque com 3500sek não vai dar para viver e pagar aluguel.

Aqui nasce um problema: estrangeiros. Agora vou pintar a realidade mais horrorosa da Suécia (tirem as crianças da frente do computador): pense em uma família de estrangeiros, pessoas negras vindas da Somália, que não falam a língua, muçulmanos, que não entendem merda nenhuma dessa cultura vikingiana e fechada, e não conseguem trabalho. Fugiram de uma guerra. Tem 5 filhos. Recebem o bidrag. E um apartamento que custaria mais umas 7 mil coroas por mês. Agora são 10mil e quinhentas coroas – pois a família não paga o aluguel mas o Estado paga. E se contarmos mais um auxílio ali e aqui – porque crianças e adolescentes não pagam dentista na Suécia por exemplo – plus pequenos adicionais por cada criança pequena (licença maternidade dá um dinheirão na Suécia e quer ver família parideira são essas aí de refugiados! Vixxx é um filho por ano!!) dá para dizer que o bidrag delas alcança os 12 ou 13 mil coroas mês (quase R$ 4mil) fácil, fácil.

(Só para sublinhar eu não tenho nenhuma fonte segura que o trem funciona assim mesmo, mas e daí? Não cheguei ainda nessa parte do meu estudo da sociedade sueca, mas todo mundo acha isso e pensa assim então por que eu deveria parar e questionar a realidade? Censo comum é o que há! Além do  mais, eu escrevo aqui o que bem entender e ainda vou compartilhar no Face as minhas meias verdades… aposto que vai ter um bando de suecos me dando likes!).

Que infâmia! Eu trabalhando duro pra pagar a vida boa daqueles vagabundos… e crescem fóruns na internet dizendo que a Suécia tem que fechar as portas para os imigrantes refugiados porque eles vem aqui comer o dinheiro do povo honesto e trabalhador, sobrecarregar o sistema e ainda por cima tirar o dinheiros dos aposentados… Sabe o quê, esse discurso não parece familiar? É. A diferença é que aqui pelo menos o povo está fazendo isso contra pessoas que não tem a mesma nacionalidade!

Porque enquanto isso no Brasil… o governo dá esmola para a população e chama de Bolsa, e coloca na peneira dessa “bolsa” que a renda familiar mensal deve ser menor ou igual a R$140 reais por pessoa da família (faça as contas: se forem 5 pessoas na família a renda mensal não pode ser maior do que R$700, um pouco mais que um salário mínimo), e que o valor médio* da bolsa é de R$119… e tem gente que tem a capacidade de escrever bem grande por aí (leia-se no Facebook) que o problema do Brasil é gente que se encosta no “Bolsa Família”. E daí todo mundo compartilha, porque alguém disse uma grande verdade! Vou ganhar um monte de likes quando digo que o povo brasileiro é vagabundo e só quer viver do Bolsa Família! Ebaaaaaa!

E não é uai? Eu trabalho duro para sustentar esse bando de vagabundos! Gente que não vai trabalhar porque recebe o Bolsa Família, Bolsa isso e Bolsa aquilo do Governo Federal. E eu aqui na Suécia to pensando seriamente em voltar amanhã para o Brasil porque lá eu não preciso nem trabalhar, eu e Joel podemos nos inscrever no Bolsa Família do governo federal e ter um auxílio mensal de R$119 por mês.

É uma vergonha mesmo e um peso uma nação tem que sustentar esse pessoal todo ai – quantas? quase 13 milhões de famílias – que ganham R$119 mensais… Tem que botar no Face mesmo, tem que denunciar, tem que trazer pra discussão… só que NÃO! NÃO! NÃO! NÃO e não! Acorda Brasil! Bolsa isso e bolsa aquilo não existem! Ninguém vive com R$119 mensais… e por favor não coloquem nos coments que o Brasil também tem bolsa aluguel antes de ler o que é e para que serve. Aliás, fica aqui uma excelente dica para esse povo que vive compartilhando grandes verdades sobre um tudo na internet: cheque a fonte! Na maioria dos casos a única coisa real que você está compartilhando é preconceito.

Na Suécia há uma campanha para se fechar as portas aos refugiados. No Brasil, para estigmatizar ainda mais a pobreza – e os próprios brasileiros. E um monte de gente dá likes para isso. Que lindo… tem dias que não dá para acreditar na desumanidade da raça humana.

Vamos aprender a ser civilizados, a sermos humanos nas redes sociais? Vamos aprender a respeitar o negro, a mulher e o pobre?

Ou pelo menos, a parar de compartilhar bobagens e mentiras?

#prontofalei.

*

O “benefício” do Bolsa Família pode alcançar o valor mínimo de R$70 e máximo de R$306 – para a ultima das opções a pessoa tem que ter 5 filhos na idade entre 0 e 15 anos e dois filhos em idade entre 15 e 17 anos. Lembram que o per capta para receber bolsa família é de R$140 por pessoa (no máximo)?  Vamos imaginar uma família margarina (pai e mãe com os filhinhos), a renda mensal dessa família margarina não pode ser maior do que R$1260. Opa! Mais os R$306 do programa, essa família terá a renda mensal de R$1566!! Só que não… a maioria das grandes famílias do Bolsa Família não são família margarina e não tem papai e mamãe. Se apenas um adulto trabalha, pode contar aí um salário mínimo (R$678 para 2013 certo), o que significa que essa aventurada família que recebe esmola do governo teria uma renda mensal em torno de  R$984. R$984! Puta dinheirão para o desenvolvimento de sete crianças e/ou adolescentes…

Eu lendo a legislação social sueca encontro um parágrafo da mesma deixando claro que se a pessoa que recebe o bidrag sueco quer usar o dinheiro para viajar a opção é dele/dela. Ninguém tem o direito de julgar isso.

Muito humildemente, na minha opinião, em termos de Brasil, se alguém quiser usar o dinheiro do bolsa família para viver “apenas disso”… bom, a opção seria dele/dela. Ou será que eu tenho o direito de julgar isso?

Leia antes de perguntar!

downloadCriei uma página nova para o blog por causa dos e-mails que tenho recebido com pedidos de informação. Essa seção tem uma chamada meio mal educada, mas eu queria prender a atenção. Meu objetivo ao criar o blog foi de auxiliar pessoas que como eu estivessem passando pela experiência de mudar de país e por conta própria eu sei que, quando estamos mergulhados nessa hora H da vida queremos informação para ontem – ao menos eu era assim.

Naquela época escrevi para muitas pessoas e fiquei no vácuo, no super vácuo, daqueles de nunca obter resposta ou um “não sei”, “não tenho tempo”, “não posso ajudar”; mesmo quando me reportei a blogs nos quais o autor deixava o e-mail para contato. Isso é chato, porque eu tinha pressa.

Na seção eu explico que quando criei o blog decidi por deixar o meu e-mail para contato e tem muita gente que escreve, que eu gosto realmente disso mas apenas aviso: podem me escrever se tiverem paciência para esperar e persistência para enviar um segundo e-mail – caso eu não tenha dado nenhum feedback. Também é bom deixar um coments no últimos post (do tipo: Oi Maria Helena, queria conversar, mandei um e-mail) porque meu spam joga gente nova no lixo – e eu nem sempre lembro de olhar a seção do spam antes de deletar todas aquelas maravilhosas propagandas de cartão de crédito, alongador de pinto e cartas de princesas africanas precisando de ajuda que recebo diariamente. Não fico procurando por gente que tenha me mandado e-mail. Assim, provavelmente algumas pessoas que me escreveram também ficarão no vácuo eterno.

Juntei algumas das perguntas mais frequentes que os sortudos que alcançam minha caixa de entrada de e-mails me dirigem e com elas montei um guia de orientações gerais. Dê uma passadinha por lá antes de me enviar um e-mail, não porque eu não queria ajudar, mas porque suas ansiedade pode ser aliviada muito mais rapidamente por lá.

Se esse não for o caso, deixe um coments!

Ps.: Só depois de publicar é que lembrei de explicar que a página fica logo acima do logo/nome do blog, ao lado de Eu, eu mesma e Maria. É um pouquinho clara a letra do enunciado mas não é muito difícil de achar. Até!

Pequenas Grandes Coisas das Minhas Férias

Chove… e somente porque choveu tirei um tempo para escrever algumas historinhas pra vocês porque antes estava tão quente que era meio impossível ficar em frente ao computador…

A viagem foi bem tranquila mas super exaustiva pois tivemos de esperar 5 horas pela nossa conexão doméstica no Brasil. Agora o pessoal das companhias aéreas não despacha mais a bagagem até o destino final porque a declaração de bens importados deve ser feita assim que o passageiro desembarca no Brasil – e quem não tem nada a declarar se lasca junto com pequena parte da população que viaja e volta para casa com 10 pila acima da cota. Eu nunca precisei ficar esperando minha mala em Guarulhos e me arrependi milhões por não ter trazido apenas bagagem de mão.

Também não consegui fazer o check in online (sei lá porque cargas d’água), podíamos acessar a reserva mas não podíamos realizar o chek in. Como resultado eu e o Joel acabamos por ficar com poltronas separadas (para o voo transatlântico – aquele que pode ser de 12 horas) e quando embarcamos no avião começamos a busca por uma boa alma que topasse trocar de poltronas com a gente. A opção mais simples – de trocar apenas um lugar com o pessoal mais próximo – não rolou já que ambos estávamos na fileira central entre um casal e dois gordos; os outros casais, assim como nós, queriam viajar lado a lado e os gordos haviam escolhido o banco do corredor por causa de espaço. Mas como brasileiro é gente boa encontramos um cidadão que trabalha para a Scania que entendeu que esse povo aqui era from Sweden e trocou com a gente – o que fez com que o cara ao lado dele também resolvesse trocar. E todos viveram felizes para sempre.

O calor aqui está deliciosamente demais. Tanto que tá rolando temporal a beça – como é comum nessa época do ano quando a primavera já tá fervendo – o que não é muito legal. O pessoal daqui já passou por uma chuva de pedras que estilhaçou todos os vidros de algumas residências, botou abaixo telhados de eternite e simplesmente deixou sem teto uma casa na roça. As “pedrinhas” daquele temporal foram do tamanho de um ovo de pato. Há duas semanas a tempestade veio com vento, atingindo a região do município que havia escapado da chuva de granizo. As árvores caíram e os telhados voaram, fazendo um monte de agricultores perderem seus frangos (essa região tem muito aviário – produção de frangos de corte). Ontem choveu forte, ventou mais ou menos, caiu granizo de novo (do tamanho de ovos de codorna) e eram tantos raios que a impressão é que estavam caindo ao lado da casa. Por sorte temos algumas torres altas com para-raio, mas acho que foi só impressão mesmo pois ainda não ovi ninguém comentar que alguma torre tivesse “pego” um raio. Como eu moro na Suécia e ouço trovejar duas vezes ao ano tenho que confessar com um pouco de medo e até fui rezar com a minha mãe.

Ademais, comi muita carne – churrasco, carne de panela e etc – e to tomando muito suco! Ai que delicia fazer suco com fruta fresca, uma folhinha de hortelã e um tiquinho de gengibre. E esquecer o açucar e todo mundo dizer: faltou açucar. Sério gente! Acho que não ouvia isso a décadas e me sinto quase estranha pois na Suécia estou acostumada a gente que me diga o “eu não acredito que você toma café com açucar!” e ” suco com açúcar? Que estranho…” ou “açucar engorda e faz mal a saúde!”. Agora tive que ouvir todo mundo reclamar que “a Maria fez suco de novo e esqueceu o açúcar!”. Hahaha… É a vida…

Fui a dermatologista que me repetiu todas as coisas que a dermatologista sueca havia me dito, com exceção de: a) há uma forma de clarear os melasmas, mas nenhum clareador vai funcionar a não ser que eu use protetor solar no mínimo 3 vezes ao dia mesmo quando eu não vá sair de casa (a Juliana comentou mesmo – neste post aqui – que a luz fluorescente ajuda a aumentar manchas de pele e ontem a dermato confirmou); e b) que eu preciso usar um filtro solar dermatológico porque comprar qualquer filtro mesmo que fator 50 não vai limpar a minha barra (e muito menos ajudar a clarear as manchas na minha cara – rimou). Saí satisfeita, com receita médica para compra do clareador e do protetor solar e… estranhei a rotina. Acordar e passar protetor para mim era coisa de praia (ou vamos para a piscina!!!) e agora vai virar padrão na minha vida. O bom é que o clareador que ela me receitou também existe na Europa – segundo a médica – assim eu posso pedir a receita lá na Suécia e continuar o tratamento.

To meio gripada (não há coisa pior do que gripe no meio do verão!), meio rouca e pisando torto depois que pisei em uma abelha. Não sou alérgica mas meu pé inchou e a picadura provocou uma lesão meio roxa, coisa que não é muito estranha na roça porque as abelhas daqui ficam contaminadas com agrotóxico que o pessoal espalha na lavoura. Apesar dos mortos e feridos (a abelha morreu) todos ficarão bem.

E agora chega de computador porque eu to de férias!

Socionomexamem! Vivaaaaaa!

Fonte aqui

Puta palavrão não? Mãe, desculpe aí os termos vulgares… Mas isso tem um significado tão grande que nem sei o que fazer comigo mesma essa semana depois de receber a resposta da Högskolverket (sim, o idioma sueco é cheio de palavrões, no bom sentido…) na terça e…: meu diploma de Serviço Social é válido na Suécia!!!

Isso significa tudo: de repente é como se eu tivesse acabado a minha graduação em Socionom (esse é o nome do curso de Serviço Social na Suécia) e definitivamente, muitas portas vão se abrir; profissionalmente falando. Aqui na Suécia há um curso específico de assistência social (Socialsekreterare) e um curso de Serviço Social (Socionom, como disse). A principal diferença é que quem tem o diploma de Socialsekretarare pode trabalhar como assistente social de prefeitura (para o governo) e ONGs (se não me engano). Quem tem Socionomexamem – como eu agora! =D – pode trabalhar dentro das escolas, do governo, das ONGs, dentro da área hospitalar e etc e até no judiciário ou como curador(a)… isso mesmo: aqui na Suécia o Judiciário não pode designar qualquer um para fazer/prestar serviço de graça não!

Claro que eu to imensamente feliz. Eu até tinha comentado com a Fernanda (do blog Aprendendo a Viver na Suécia) que eu estava com medo de ter o meu pedido negado… eu tive contato com muita gente que teve o pedido negado e teve que começar tudo de novo (inclusive cursar disciplinas suecas de ensino médio para ter a possibilidade de entrar na universidade). Mas olha só a coincidência (ou não): eu e a Fernanda enviamos os pedidos mais ou menos na mesma data (em algum dia de maio) e ela recebeu a resposta duas semanas antes de mim. A Fernanda é formada na área de educação e tem pós (se você é da mesma área dela ou apenas tem interesse de entender toda essa história pode ler ela aqui) e eu não – isso que estava me dando um medinho de não vai rolar, não vai rolar…

A Fernanda até tinha me passado o telefone da Högskolverket para eu entrar em contato, mas eu estava um pouco desanimada de tanto ouvir gente dizer que não tinha conseguido… esperei. E na terça-feira quando recebi o envelope, meu coração tava a mil: recebi três vias e na terceira, um documento com timbre e com letras grandes dizendo que “Sua formação corresponde a  graduação em Socionom“. Fiquei eufórica!

Isso significa duas coisas: primeiro, que a qualidade das universidade públicas brasileiras (apesar de sucateadas) é muito boa. Não estou querendo dizer que a Suécia é um país modelo em educação, que aqui tudo é lindo e perfeito não. Estou dizendo que os padrões suecos de exigência descartam uma grande quantidade de profissionais estrangeiros (que com diploma universitário trabalham de motorista de ônibus, por exemplo) e não só aqueles vindos da África, das Arábias, Ásia e do leste Europeu: profissionais de enfermagem espanholas tem dificuldade em obter a validação de seu diploma universitário aqui. Ou seja, se meu diploma de graduação foi aprovado é porque eu sou pró (é claro) e porque a universidade em que obti a graduação é de qualidade (UNIOESTE gente, campus de Toledo). E pelo que eu entendi, a Cíntia (do blog Minha Aquarela) que teve o diploma válido pela Högskolverket também estudou em universidade pública (UEL, de Londrina), o que reforça ainda mais o que eu to querendo dizer.

Segundo que, mesmo que meu curso de Serviço Social no Brasil não tivesse nada a ver com a Suécia eu não tenho a obrigatoriedade de frequentar nenhum curso complementar. Na carta em que recebi eles me dizem que meu curso apresenta pontuação superior ao curso sueco, e que a sugestão deles é que eu frequente um curso sobre a sociedade sueca e sobre legislação sueca – para que seja mais fácil para mim, e não por exigência deles. Diante disso, povo do meu Brasil que lê esse simples blog: acreditem na educação brasileira, vão para a universidade (de preferência, pública). E agora vem o discurso: nós brasileiros temos que parar de afirmar a todo o momento que nosso país é uma merda, que todo mundo só pensa em futebol e no final da novela das oito (que todo mundo sabe que começa as nove), que a política não tem jeito, que todo mundo é corrupto e blá blá blá. Temos muito o que fazer para que o nosso país dê certo sim, mas podemos começar por aprender a valorizar o que temos (e que sabemos) que é bom: nossas universidades públicas por exemplo.  Se elas são elitizadas e etc isso é problema nosso! Quem é pobre, negro, índio, mulheres e etc tem que ter coragem de gritar e lutar por seus direitos. Eu sou filha de pedreiro e toda a minha família se sacrificou para que eu frequentasse a universidade. Nós podemos, se quisermos, transformar essa situação!

Eu to fora do Brasil por enquanto, mas eu pretendo voltar e com a experiência que obtive aqui ajudar a fazer o Brasil ainda melhor. Isto porque a Suécia é um país de primeiro mundo e aqui há muitas experiências que funcionam mil maravilhas? Talvez… mas o meu pensamento é que simplesmente às vezes é mais fácil encontrar soluções quando “estamos de fora” e, independente da sociedade sueca ser assim ou assado, cada experiência abre nossos horizontes e faz desabrochar a criatividade.

Discurso bonito né? Eu quase podia pensar numa carreira política… mas agora eu vou estar muito ocupada aproveitando para melhorar a minha vida com o meu diploma de universidade pública brasileira que é válido na Suécia!

Quem sabe num futuro então… não? Ô meu pai!! hahahaha…

Todo dia ela faz tudo sempre igual…

…me sacode as seis horas da manhã,
me sorri um sorriso sensual e me beija com boca de maçã!
 

Eu gostaria muito que essa fosse a melodia da minha vida, ao menos de segunda a sexta – com exceção da parte das seis horas da manhã porque, convenhamos: com frio e chuva tem coisa melhor do que ficar na cama e dormir até cansar de ficar deitado?

Entrei numa rotina meio louca (de novo) porque vamos viajar e três semanas de Brasil significam três semanas sem ganhar dinheiro. Não fiquei mais capitalista depois que mudei e nem to pensando apenas em grana, mas como eu trabalho por hora recebo as férias antecipadas (ou não, eu decidi guardá-las para quando eu quiser sacar a grana, ou seja, para pagar as despesas do casório). Trabalhar por hora significa uma maior flexibilidade – eu posso sair agora sem perder o trampo e sem maiores problemas do que organizar minha agenda de forma que as pessoas com quem eu trabalho não fiquem na mão enquanto eu saio… mas eu não tenho “férias pagas”, aquela coisa que me foi tão natural nos meus 5 anos de prefeitura.

Eu não tenho saudade do meu trabalho na prefeitura, fico feliz pelo tempo que passei lá e por tudo que aprendi, mas trabalhar no governo brasileiro exige um estômago de avestruz, daqueles que digerem qualquer coisa como pedra, sapos, lagartos e merdas metida goela abaixo. E me acreditem, há muito o que ser engolido quando se é assistente social em início de carreira (em qualquer profissão em início de carreira há, eu acredito, mas não posso afirmar com segurança a não ser com relação a minha própria experiência). Mas enfim, sinto falta da rotina: acordar as tals horas e sair para o trabalho, terminar as x horas e voltar para casa tendo o fim de semana livre, isso é definitivamente uma coisinha que me faz pensar…

Por exemplo, na quinta trabalhei 5 horas em um trampo e 4 horas no outro (com intervalo de 3 horas entre cada), trabalhei 8 horas na sexta (isso é bom) mas 10 horas no sábado (começando as sete da manhã, o que significou acordar as 5 porque horário de ônibus e trem no fim de semana é diferenciado), e mais 8 horas no domingo (de novo começando as sete…). Hoje trabalho 4 horas (entre 16 e 20h30), amanhã 9 horas, na quarta seis horas e quinta… aff, cansei de explicar.

Todo esse papo deve fazer (ao menos) com que algumas pessoas tenham dó de mim e pensem puxa que confusão! Tadinha dela não? O blog dela é tão legal e ela é tão esforçada… Outras vão pensar que aff, isso não é nada: eu morava em São Paulo e pegava 6 ônibus diferentes para chegar ao trabalho, trabalhava como um cão o dia todo e tinha que pegar os mesmos 6 ônibus para voltar para casa, ganhando uma ninharia por mês…

Não quero que ninguém tenha dó de mim. Só penso que seja importante (sempre quero frisar isso no blog) que morar fora do Brasil significa ralar também. Ganhamos um bom salário? Sim. O transporte funciona melhor e é mais limpo e tranquilo? Sim. Vivemos com mais segurança? Ao menos em Göteborg, sim. Não sou uma mártir, definitivamente, e quem escolheu trabalhar fui eu, quem me candidatou a esse tipo de trabalho fui eu e é isso que eu faço todos os dias (inclusive sábado e domingo) quando eu não estou na escola ou sorrindo lá de uma linda fotinha tirada de Algero… caracas, isso foi em julho!

Recebo e-mails de gente que me pergunta como conseguir um emprego/trabalho na Suécia e eu não sei o que dizer, mas ter inglês fluente (ao menos) é um bom ponto de partida (afinal…). Preparar um bom CV, assim como você faria no Brasil. O que você faria para ter um bom trabalho no Brasil? Estudaria? Acho natural que as pessoas tenham o sonho de conhecer o mundo, mudar para os países que a gente assiste nas reportagens de tv e que tem uma sociedade tão distinta e interessante. Ganhar mais dinheiro (não há nenhum problema com isso) e viajar mais… mas, pelo menos no Brasil em que eu cresci isso não é assim tão impossível, a questão é aplicar energia no que você quer. Não é impossível conquistar um bom emprego no Brasil e desfrutar do dindim. A principal diferença é que no Brasil aprendemos a emprestar dinheiro primeiro (para a casa, o carro ou uma viagem), trabalhar e pagar depois. Aqui o povo aprende a trabalhar e guardar dinheiro (para a casa, o carro ou a viagem) e aproveitar o bem escolhido depois.

Eu tive que entrar nessa bonitinha também. Eu quero ir para o Brasil, muito bem, então eu tenho que saber quanto custa a passagem e quanto custa morar lá durante o tempo em que ficarei. Tenho que trabalhar, guardar o dindim para passagem, para a estadia no Brasil (mesmo ficando na casa dos pais…) e para o período pós Brasil, quando eu não vou ganhar salário porque eu não trabalhei 3 semanas. Se o meu trabalho é meio louco com horários esquisitos, tenho duas opções: melhorar meu CV para conseguir coisa melhor ou melhorar meu CV para conseguir coisa melhor. Estudar (melhorar o inglês e o sueco), adquirir experiência e boas referências.

Se você que tá lendo o post quer trabalhar na Suécia, na Europa ou simplesmente fora do Brasil, comece fazendo com que seu CV seja atraente. Seja um expert naquilo que você faz… Papo de palestra motivacional? Talvez! Mas sendo ou não a realidade é que esse é o primeiro passo para conseguir um trabalho em qualquer lugar, dentro ou fora do Brasil. E tenha um pé de meia.

Afinal, trabalho aqui é trabalho assim como em qualquer lugar do mundo. E acabou o meu recreio…

Era uma vez em São Paulo

Oilá! Não tenho certeza se já contei essa história por aqui, mas, sinceramente? Fiquei com preguiça de pesquisar se eu realmente tinha feito isso… então vamos lá – e se preparem que o trem é comprido!

Há dias da minha vida que parecem ser retirados de um livro e, como não podia deixar de ser, a minha visita a São Paulo quando eu precisei fazer a entrevista solicitando o visto foi uma verdadeira saga. Naquele tempo (ui! parece um século e não dois anos) o processo de solicitação de visto não era online mas mesmo assim o primeiro passo foi entrar na página da Embaixada da Suécia no Brasil e ler a sessão sobre vistos; ler e reler a relação de documentos necessários e em seguida, ligar para o consulado em Sampa para tirar as últimas dúvidas e marcar o dia da entrevista.

Ainda depois de acertar o dia da entrevista liguei e conversei com o pessoal de lá várias vezes por causa das dúvidas que vão surgindo quando a gente junta a documentação – por mais bobas que elas fossem – e sempre fui bem “respondida” (até por e-mails). Algumas pessoas que chegam ao blog me escrevem pedindo para elucidar dúvidas sobre o processo de solicitação de visto e em alguns casos eu posso ajudar, mas eu gosto de afirmar que se vocês quiserem encurtar o caminho liguem ou escrevam um e-mail para o consulado mais próximo ou a embaixada: além de ter a resposta certa, eles são bem rapidinhos em responder!

Eu iria para São Paulo pela primeira vez na vida e tava morrendo de preocupação afinal, a gente só vê problemas e problemas na televisão e notícias ruins sobre a cidade mas ao mesmo tempo fiquei de boa porque eu passaria só um dia na cidade, o que poderia sair errado? Cheguei as seis e meia na Estação Barra Funda e liguei para os meus pais dizendo que cheguei (a gente sempre fez isso, fosse para 10km longe, mandava um sms ou sinal de vida) e que a viagem de 15 horas nem tinha sido tão cansativa ao final – mentira. Não me pareceu muito medonho estar em um terminal rodoviário – tudo bem que eu nunca tinha visto tanta gente correndo em todas as direções na minha vida e que parecia que as pessoas simplesmente brotavam do chão, porque… Achei melhor entrar num banheiro e jogar uma água na cara pra acordar.

Eu tinha levado um kit de sobrevivência como se fosse passar a noite em um hotel – apesar que a ida e volta foram a noite no busão – pois o plano era ficar em Sampa apenas um dia mas vai saber né? Fora de casa é bom estar prevenido. Eu estava de frente para a pia do banheiro ao lado da faxineira que pegava água em um balde quando a torneira estourou e me deixou molhada desde o peito até as canelas. A faxineira entrou em pânico, me pedindo mil desculpas, que não era intenção, que ela não entendia o que tinha acontecido. E eu tinha virado pedra! Olhei para o chão cheio de água e dei graças a Deus que a água não tinha pego a minha mala com toda a documentação que eu tinha que entregar nas mãos do cônsul pela ocasião da entrevista… Respirei fundo e comecei a acalmar a mulher com aquele papo acidentes acontecem, não tem problema, eu tenho roupa extra, vai ver o encanamento é velho e tals.

Eu não tinha calças extras e o tempo estava nublado, meio chato. Não era frio, e depois de ter usado 900 papel toalha e duas toalhas de pano a minha calça estava vestível, grudando um pouco mas com sorte ia secar até as 14h, horário da entrevista. Eu ficava pensando: se o objetivo da entrevista é causar uma boa impressão to meio que lascada… chegar lá com cara de mal dormida e fedendo a cachorro molhado… vou dar uma caminhada, ver se me seco e me acalmo. Perdi a coragem assim que ia saindo do terminal: quase não tem calçada por ali e pra falar a verdade, não há nada próximo ao terminal para ver. Nem um cafézinho esperto ou o quê.

Voltei, sentei num banco perto de um botequinho de sucos dentro da estação e fiquei lendo um livro. Lá pelas nove da manhã eu pensei que seria bom me por em marcha se eu queria estar em tempo e encontrar com calma o prédio do consulado. Eu tinha impresso números e nomes de quais ônibus deveria pegar para chegar ao Consulado (com saída da Barra Funda, onde cheguei) e de trem (que depois mudava para ônibus e mais um trecho a pé) mas quando cheguei lá desisti: nunca tinha visto tanta gente se acotovelando por um espaço dentro de um transporte público; tanto que as portas quase não fechavam. Eu pensei: tá cedo, mais tarde melhora…

Comprei uma viagem de táxi as 10h e sai. O taxista era legal e não sei se ele ficou com dó de mim – pois imagina meu tipo depois de um banho involuntário – e deu uma de guia  turístico, desse lado de cá fica não sei o quê e do lado de lá as empresas tal… e a gente nunca chegava e ele admitiu que estava perdido (mesmo com GPS). Como eu tinha pago a viagem no terminal paguei uma tarifa padrão pelo destino, então fiquei relax. Ele se desculpando que o consulado dos EUA ele sabia de cor porque era tanta gente que ia para lá todo dia e blá blá blá… Por fim ele se achou e me deixou na porta do tal lugar, tipo 11h30.

Subi para o escritório do consulado e uma mocinha muito simpática veio conferir a documentação. Ela disse que eles iam fechar as 12h para almoço até as 13h mas que eu podia deixar os papéis com ela. Fiquei feliz… até ela me olhar e dizer: Cadê sua certidão de solteira? E eu… Ela falou: pode ser a certidão de nascimento original, você não trouxe? E eu não tinha levado! Fiquei meio baqueada, tentando me lembrar porque eu tinha deixado o RN de fora… Daí ela me orientou que perto do consulado havia um cartório e que eu poderia ir até lá e fazer uma certidão de solteira.

Eu poderia comparecer a entrevista mesmo que estivesse em falta com alguns documentos, o problema era que o os documentos seguiam para Brasília apenas uma vez por semana e seria na quarta (e só depois é que seguiam para a Suécia – oh, burocracia!). Eu tinha pressa e saí atrás do dito Cartório, mas tomei a direção errada sem saber e depois de caminhar 20 minutos e de ouvir todo mundo dizer “Não sei onde fica moça” desisti. Pensei que ela tinha dito perto, mas vai saber o que é perto para um paulista? Sentei num barzinho e comi alguma coisa. Estava muito cansada por causa da viagem, do stress do banho surpresa e com o taxista perdido, depois a história da certidão de nascimento… Aff, quem merece?

No caminho eu tinha visto uma praça e decidi voltar lá para tentar ler pois tinha cerca de uma hora ainda. E qual não foi minha surpresa quando vi a placa do tal cartório? Peguei uma senha e quase mato a atendente porque ela insistia que não existe declaração de solteirx. E eu pá e corda, o pessoal do consulado me orientou e tals… e ela negando. Insisti tanto que ela ligou para um tal lá em outra sala (com ar condicionado) que aceitou falar comigo.

O cara me explicou que para fazer a declaração eu precisava de duas testemunhas. Murchei. Tentei dar um jeitinho e ele falando que não, que isso e que aquilo, depois chegou mais um cara que acho que ficou com dó de mim e disse que ia me ajudar. Pediu meus documentos e R$250. oO! Eu… ainda perguntei se ele aceitava cartão (porque claro que eu não ia andar com 200 paus na carteira) enquanto abria a bolsa para pegar meu passaporte. Ele disse que não a mesma hora que me dei conta que não achava meu passaporte. Comecei a chorar lá no cartório e o cara ficou me olhando e pedindo se podia ajudar. E eu só pensando no passaporte, onde eu podia ter deixado? Se eu tinha deixado no consulado? Perdido na rua? Na lanchonete em que eu tinha comido? Falei que não tinha dinheiro e sai pedindo desculpas.

Liguei para o Joel. Chorei, reclamei do mundo, disse que odiava São Paulo e torneiras velhas. O Joel é pró na arte de consolar alguém e mesmo pelo telefone ele conseguiu me fazer respirar e entender que eu tinha que ficar tranquila ou tudo ficaria pior. Ainda fui até o consulado olhando pelo caminho para ver se eu tinha deixado o passaporte cair pela estrada, naquela inocente esperança de que ninguém pegaria.

Cheguei para a entrevista um caco e para minha sorte o cônsul foi super bacana comigo. Disse que orientou a estagiária a sempre solicitar o Registro de Nascimento com negativa de “nada consta” (no livro de registro de casamentos) como certidão de solteiro porque aquele outro documento é muito caro e desnecessário. Mas meu passaporte não estava na embaixada. Eu fui até a DP mais próxima lá do consulado (depois da entrevista) e fiz o BO no mesmo dia – orientada pelo cônsul. Paguei uma multa a Polícia Federal por ter perdido o passaporte e tive de solicitar de novo… mas isso é outra história.

No final das contas o mais importante daquele dia – que era a entrevista – foi super bem. Ele só me pediu para contar a minha história com o Joel, do tempo em que estivemos juntos e de planos para o futuro. O cônsul afirmou na época que a Imigração Sueca normalmente travava os pedidos por falta de documentação e que a maioria dos vistos negados acontecia quando o parceiro sueco não se mostrava mais interessado em que o solicitante residisse na Suécia (no caso de visto de residência por laço familiar); que quando os solicitantes já eram casados o processo tendia a ser mais rápido mas que não estar casado com o partner suecx não correspondia a negação do visto. Tanto que não sou casada e estou aqui…

No fim, nós vivemos felizes… para sempre!