Diário Caipira-139

Ontem escrevi no post que a Finlândia estava fechando as fronteiras com a Suécia e emendei um “onda, onda, olha a onda!”. Não estou dizendo que a Finlândia está tirando onda com a Suécia ou vice-versa; estou simplesmente vendo a segunda onda de Covid chegando por aqui, como já aconteceu na Itália e Espanha.

A OMS já apontou essa semana que tem visto um crescimento significativo do número de casos em toda a Europa mas emendou que isso era esperado já que os paises dispõem de um maior numero de testes agora (em comparação a fev-março). Já na coletiva de imprensa na terça feira a Folkhälsomyndigheten apontou que o número de casos confirmados crescia. Dá pra perceber pelos gráficos. Desde julho, apesar do número de testes terem aumentado e de que a possibilidade de teste tenha sido estendida a toda a população, o número de casos não havia crescido tanto como nas duas últimas semanas.

O inverno está na esquina, aguardando pra cair no abraço… e a Suécia não vai mudar a estratégia, pelo simples fato de que no inverno todo mundo se isola mesmo…

A cidade de Gotemburgo lançou um desafio aos seus funcionários: vai dar um casaco amarelo fluorescente e pneus com garras de neve pra quem prometer andar de bicicleta durante o inverno. Não parece ótimo? Você se protege do corona e de quebra tem direito a um traumatismo craniano.

Onda, onda, olha a onda!

Diário Caipira-120

Setembro é o mês de combate ao suicídio. Ainda me choca saber que muitas pessoas acreditam que na Suécia há uma alta taxa de suicídio porque a maioria dos suecos é ateu (60% ainda fazem parte da Igreja Sueca e, estatisticamente, a população sueca é mais agnóstica do que ateia). Eu li isso no SCB, mas já não sei se os dados são atuais.

O que é muito atual quando o assunto é suicídio é tabu. São muitos, aliás: falar sobre suicídio vai acabar incentivando as pessoas a tirarem a própria vida; gente que diz que quer morrer só quer chamar atenção; gente que não dá valor a própria vida tem falta de Deus; gente que está por baixo só precisa se esforçar; gente que tira a própria vida é ingrata e egoísta…

Queria falar sobre um em especial: falar sobre suicídio. Se alguém te confessar que a vida anda pesada (e está, essa pandemia está quebrando as pernas geral) e que já pensou em suicídio, não diga a pessoa pra tentar ver o lado bom das coisas. Sabe, quando a gente chega lá naquele ponto em que começa a pensar na morte como algo a desejar (e não a evitar), significa que algo não está funcionando. E não é que ficamos bobos. É que alguma coisa cria uma deficiencia no cérebro que nos impede de curtir, sentir satisfação, ver o lado luminoso das coisas. Esse papo tipo “ah, mas pensa nos seus filhos, cachorro, periquito, papagaio,.casa, carro, viagem, blá blá blá etc etc” talvez funcione uma vez. Depois vai servir apenas pra alimentar a fogueira da angústia onde a gente vai se cobrar por não conseguir ficar feliz. Afinal, é só querer…

Se alguém lhe disse que pensa em se matar pergunte a pessoa se ela já fez um plano de como seria. Se a pessoa lhe diz que não pode haver tempo para tentar entrar em ação aos poucos. Se a pessoa lhe contar com detalhes como faria para se matar não perca tempo.

Fale com o posto de saúde ou até mesmo chame a emergência.

Ättestupan

O palavrão aí em cima define o local onde, segundo alguns mitos, havia um precipício do qual os idosos se jogavam ou eram jogados para encontrar a morte (lembram da família dinossauro?). De acordo com esse mesmos mitos, a tradição tomava lugar quando o idoso já não podia se sustentar sozinho ou não podia contribuir para o sustento da comunidade à qual pertencia.

Quando visitamos o morro do Chapéu em Halmstad no verão havia a informação que, segundo a cultura popular local, Viserhatt fora um desses “precipícios do suicídio/assassinato” de idosos. Entretanto, de acordo com historiadores suecos não foram encontradas provas de que essa tradição realmente existiu na Suécia, ainda mais porque essa suposta tradição teria existido até por volta do século V.

Ainda assim, a expressão “ättestupan” é utilizada como metáfora para criticar quando alguma política de proteção à terceira idade não funciona. Um exemplo atual foi quando a estratégia sueca de combate ao Covid fracassou em relação à proteção dos idosos que vivem em asilos. Já se sabia que o vírus era mais perigoso para os idosos, e a forma como o vírus se propagou nos asilos suecos foi criticada duramente.

Parece que a prática existia e existe, ainda que ninguém seja jogado de um princípio… ao menos não literalmente.

Repost: violência doméstica, onde buscar ajuda?

Fonte: imagem ONU Mulheres (http://www.un.org/en/events/endviolenceday/)

Há cerca de dois anos escrevi na página do Facebook um texto com orientações sobre o que fazer em caso de violência doméstica aqui na Suécia. Reposto em razão da campanha da ONU Mulheres 16 dias contra a violência contra a mulher.

A Suécia conta com uma linha para denúncias que é o 020 505050. Mesmo que você tenha dúvidas a respeito de se a situação na qual você vive é ou não violência doméstica, converse com alguém sobre isso. Pode usar o “uma amiga está passando por uma situação assim” ou nem precisa se identificar. Essa linha tem atendimento em português, inclusive, então você não precisa falar sueco ou inglês para obter informações. No entanto importante saber que o 020 505050 só pode te ouvir e orientar. Eles não oferecem outro tipo de atendimento.

– Em algumas cidades o BVC e o MVC (centro de saúde da crianca e o centro de saúde da mulher) ficam em uma organização chamada de familjcentral. Normalmente nesses centros há uma psicóloga e assistente social trabalhando. Uma das tarefas delas é prestar apoio a mulheres vítimas de violência. Assim que você pode aproveitar a visita ginecológica ou a pesagem do bebê contar para a barnmoska ou a barnsköterska a respeito “daquela sua amiga” que está passando por umas situações estranhas em casa ou simplesmente dizer que gostaria de conversar com uma assistente social porque está pensando em se separar e não sabe como agir. A barnmoska pode ou não tentar entrar em detalhes e fica a seu critério o que você vai contar. Já para a assistente social é importante botar todas as cartas na mesa para que ela possa te dar a orientação correta.

– Existem advogados que prestam serviço de orientação jurídica gratuita no medborgarkontor (escritório do cidadão). Normalmente essas consultas não podem tomar mais de quinze minutos, mas você pode nesses quinze minutos receber o contato para um advogado especializado em direito de mulheres vítima de violência. Esses tipos normalmente oferecem uma consulta gratuita para explicar para a mulher como ela deve proceder em caso de ela querer se divorciar por causa de violência. Eles inclusive te orientam a como fazer para arcar com os custos de eventuais processos (sabia que o seu seguro da casa pode cobrir esses custos nas maioria dos casos?).

– Em caso de cárcere privado ou de você ter de se trancar num canto da casa para fugir de porrada não duvide: ligue a polícia (112). A polícia sueca é treinada para dar apoio a mulher vítima de violência e (eu espero que sempre) fica ao lado da mulher. Se você chegou ao limite e decidiu que não pode/quer mais ficar com seu parceiro mas ele te impede de sair de casa, ligue a polícia. Você explica a situação é pede escolta para juntar as suas coisas e as criancas (caso você tenha). Eles te deixam no escritório de assistência social mais próximo onde você pode contar sua situação e pedir abrigo.

– Mulheres vítimas de violência tem direito a abrigamento por meio do escritório de assistência social. Infelizmente tem muito filho de cachorro trabalhando nos escritórios de assistência social que prestam um servico de bosta. De modo geral o assistente social não está lá para encorajar ninguém a dar outra chance para o parceiro e sim para avaliar se a pessoa pedindo ajuda precisa de um abrigo secreto ou um lugar num abrigo comum. Em ambos os casos a mulher será abrigada com os filhos – se tiver fugido com eles. A diferenca entre abrigos secretos e normais são que os abrigos secretos são para mulheres que tem medo de que o parceiro roube as criancas, ou venha atrás dela se vingar, tenham sofrido violência física ou estejam ameaçadas de morte. Abrigos normais são para mulheres que sofreram violências “mais leves”. Eu acho importante salientar aqui que nem sempre a mulher vítima de violência tem noção do tamanho da violência que ela sofre, ou de quão grave ela é. Já vi mulheres que o parceiro tentou estrangular dizerem que não precisam de um abrigo secreto. Em todo o caso, os abrigos em geral oferecem acomodações simples, cozinha comunitária, e o tempo de abrigamento varia de caso a caso. Infelizmente nem toda a mulher abrigada consegue um apartamento por meio do social (sim, triste mas verdadeiro), por isso fica mudando de endereco de tempos em tempos (o que é muito complicado). Mulheres vítimas de violência que não tem trabalho ou algum tipo de renda podem pedir auxílio econômico e o receber-lo enquanto tiverem o desejo de se separar. Se a mulher decidir voltar para o seu parceiro no entanto o benefício é cancelado.

Enfim, gostaria de acrescentar que caso você não fale inglês ou sueco tem o direito de solicitar um intérprete gratuitamente, mesmo que você chege no escritório de assistência social de uma hora para outra. Em caso de consultas pré agendadas peça a presença do intérprete com antecedência. Só para constar, todos os profissionais que trabalham com mulheres vítimas de violência (e são bons profissionais) tem boca de siri. E por último mas não menos importante, deixar uma relação violenta sempre conta como um ponto a favor da mãe (no caso de existirem crianças). Para o serviço social sueco mais vale uma mãe pobre com suas crias embaixo do braço pedindo auxílio do social do que uma mãe que não deixa o parceiro violento por medo da pobreza. Difícil, mas não é considerado negligência ser pobre e sim expor as crianças à um parceiro violento.

A boneca do poço

Não estou falando de filme de terror. Hallowen já passou apesar de que no Brasil a caça às bruxas continua.

Recentemente “li” (ouvi) a tetralogia Os Emigrantes do autor sueco Vilhelm Moberg que trata da saída em massa dos suecos para os EUA durante a segunda metade do século XIX. A obra segue a saga da família de camponeses de Karl-Oskar e Kristina Nilsson que, fugindo da fome, enfrentam uma longa viagem num barco a vela até Nova York com três crianças pequenas. Depois, se fixam no território selvagem de Minesota a beira do lago Ki-Chi-Sago, atualmente Chisago County.

Desde janeiro ando buscando informações sobre meus antepassados italianos e, também por isso, a saga Os Emigrantes mexeu muito comigo. Mas mais do que isso, o autor soube descrever de forma formidável as duas faces da imigração que vivem brigando dentro de cada imigrante: Karl-Oskar está decidido que Minesota é maravilhosa, mesmo que ele tenha que lutar muito para botar em ordem seu pedaço de chão enquanto Kristina vive suspirando pela Suécia que ficou para trás, ainda que a vida no novo mundo lhe traga gratas surpresas.

Eu sofro muito sempre que deixo o Brasil. Sofro porque assim que as portas do avião se fecham eu sei que vou adentrar a zona europeia, o velho mundo de onde tantos fugiram para escapar da fome mas que hoje fecha as suas portas para aqueles que querem fazer o caminho oposto. Sorte minha não ter fugido da fome para cá e ter adentrado este território meio que na birra. Azar o meu ter perdido meu coração para um europeu. Sorte minha ele ser sueco e não húngaro. Azar o meu a Suécia ter nove meses de inverno…

Mas pra não ficar nessa lista interminável, Moberg fala de uma coisa que bateu fundo na minha alma: a saudade que Kristina sente pela Suécia está enraizada na imagem da Suécia que Kristina guarda na memória. A analogia que ele faz no livro é a seguinte: Kristina tinha uma boneca de porcelana, de rosto redondo e branco, touca e um vestido de seda azul. Um dia, quando buscava água, Kristina derrubou a boneca por acidente dentro do poço. Era possível ver a boneca, ou ao menos uma parte dela, e Kristina ficou inconsolável. Seu pai e irmãos não mediram esforços para resgatar a boneca, ainda que em vão. Por muito tempo foi possível vislumbrar a seda azul do vestido da boneca, e apesar de Kristina ter ganhado uma nova boneca semelhante a anterior ela se dirigia constantemente para o poço para espiar a boneca perdida. Como era linda. Na memória de Kristina a boneca perdida era mais bonita do que a atual, o tecido do vestido mais brilhante (apesar de estar mergulhado há tempos na água), o rosto era mais bem desenhado, a porcelana mais suave ao toque.

O Brasil que guardo na memória é sempre mais quente, caloroso, mais feliz. Eu fico meio chocada de ver aranhas e baratas pra todo o lado. Meu primo matou uma cascavel dia desses no sítio em que mora. Tem mais passarinhos cantando (e cagando na cabeça da gente) do que eu possa me lembrar – eu até vi um pica-pau no jardim. Tem chefe gritando com os funcionários. Tem chefe ameaçando funcionárias porque elas engravidam. Tem homem assobiando na rua atrás da gente, quando se tem sorte. Tem gente chamando mulher de vadia e puta o tempo inteiro. Curitiba é cinza. É barulhenta. O som do tráfego intenso de caminhões me dá medo. Caminhoneiro não respeita limite de velocidade. Todo mundo dirige colado na sua bunda. Todo mundo ultrapassa em faixa contínua e na curva. Tem gente pedindo em cada sinaleiro. Tem gente dormindo embaixo da ponte, no meio do calçadão. Tem gente morando no barranco, numa casa que lembra um ninho de falcão. Tem pastor com cabine dupla. Tem playboy gastando gasosa na avenida de um km de comprimento, pra cima e pra baixo. Tem competição de som na porta da casa das pessoas. Tem a vizinha ouvindo gospel no último volume (toda quarta e quinta – aleluia). Tem bolo de chocolate no café da manhã. Tem coca cola na mamadeira. Tem criança obesa, diabética e hipertensa aos nove anos. Tem violência. No campo. Na cidade. No trânsito. No parquinho da praça. No escritório. Dentro de cada casa. Dentro de cada boca gritando impropérios. Dentro de cada mão se fechando num soco e perna se estendendo num chute.

Mas agora eu estou aqui em Nárnia e o Brasil… o Brasil é a minha boneca que caiu no poço.

Saudades

Eu tenho saudades de escrever aqui. Agora ainda mais, quando não sei porquê meu teclado ficou doido e até me deu um ç. Posso escrever criança, lambança e poupança; realizações, felicitações e paparico e bico de pato, assim sem mais. Haha.
Miguel chegou e nós tivemos dois meses muito intensos mas tranquilos. Quem é mãe sabe como é que são essas coisas todas do pós parto, mas eu estava preparada dessa vez e com a minha mãe a tiracolo o puerpério foi fichinha. Sabe como é, mãe sabe das coisas, sabe até mesmo cuidar de outra mãe (que queira esse tipo de ajuda, que fique bem claro). Minha mãe voltou para o Brasil e Murph veio morar com a gente. Simplesmente…
Foi um festival de todas as gripes e viroses (diarréias em geral) que se possa imaginar. Eu ficava doente e aí os meninos ficavam doentes ou eles (um de cada vez ou os dois juntos) e depois eu… e assim foram fevereiro, março e abril. Eu quase ganhei um cartão fidelidade do hospital (#exagerada). Nunca imaginei que um inverno pudesse ser tão comprido… e aí que já se vão seis anos de Suécia e eu não sabia que o inverno podia ser esta merda. Pra você que curte um friozinho e sonha com a neve, só um recadinho: é lindo, mas é letal. É frio que não acaba mais e tudo que você queria é uma semana de sol e calor, uma semana para você botar os colchẽs para fora e abrir todas as janelas da casa para ver se arejando a coisa melhora.
Mas e daí que passou. Amém.
A semana de sol e calor já veio e já foi embora. Eu não botei os colchões para fora mas estou esperando que Gotemburgo me dê ao menos mais uma semana de sol e calor esse ano.
Falando nisso, achei bonito que algumas pessoas me escreveram perguntando se vou parar de postar, já que eu parei de postar, se me entendem. Eu não sei… o engraçado é que ainda recebo perguntas por email a respeito da vida na Suécia. Mas devem haver outros blogs mais atualizados não?
Enfim, essas perguntas que recebo soam super bizarras justo quando a gente está passando por essas situações especiais da vida… tipo, isso que comentei acima, essa sensação de que o inverno nunca acaba… aí uma pessoa me manda um email (fazia uma cara que não recebia perguntas via email, só via facebook) se Gotemburgo dá praia. Eu lendo o email, resfriada com uma puta dor de garganta, meu coral de duas vozes recitando ´´a Tosse´´ numa sonata que poderia ser de Bethoven, chuva lá fora e 4 graus C…
Gotemburgo dá praia. Mas é bom usar neopreno de manga longa.

Nomes bizarros suecos

Já que estou nos finalmente e todo mundo sempre pergunta nessa etapa da jornada se a pessoa/casal já escolheu como vai batizar a crianca pensei em dividir algumas opcões bizarras que existem por aqui. Quê? Achou que essa era uma exclusividade brasileira? Sinto informar mas o gene responsável para que um indivíduo seja sem nocão está presente na espécie humana em geral. :P

Peguei do site do Expressen (um jornal sueco que às vezes, bom… dispensa comentários) uma lista dos 23 nomes mais estranhos com que bebês foram batizados no ano de 2015 (que segundo o Expressen, saiu da central de estatísticas da Suécia – SCB):

– sete meninnas foram batizadas com [o nome de] Tequila (sendo que uma delas tem Tequila como primeiro nome!).
– uma guria com o nome de Svamp (que significa fungo/cogumelo).
– um guri como Skåne (região da Suécia…).
– duas meninas como Ragata (eu penso sinceramente que eles não se referem a palavra italiana).
– dois piás como Pucko (significa idiota).
– um piá como Potatis (me faz pensar naquela piadinha: o colono chega no cartório e diz “quero batizar meu filho de E-batata”; ao que o escrivão responde “não pode, porque E-batata não existe”. E o colono “Mas meu vizinho batizou o filho de E-milho!” Ha ha ha).
– Hitler. Para um menino, coitado.
– Oito meninas foram batizadas como Pung (saco escrotal, em sueco).
– Um menino, Fido.
– Duas gurias de Penna (no caso, caneta/lápis em sueco).
– Está em busca de algo unissex? Cinco gurias e quatro guris receberam o nome de Porsche em 2015.
– Outra opcão unissex: Munk, com a qual 61 guris e 39 gurias foram “contemplados” (que significa monge… mas também pode ser um docinho que lembra nosso sonho de padaria).
– E as opcões unissex não param por aí: Mcdonald para três meninas e dois meninos (um deles chama Mcdonald no primeiro nome).
– Kossa (vaca), para um piá. (seria boi, no caso? nãããão).
– Matta – unissex – para 31 homens e dez mulheres (significa tapete).
– Anus – aquele mesmo – para duas pobres gurias, como primeiro nome.
– Katt – nomes unissex estão com tudo – para dez meninas e três meninos (gato/gata).
– E mais um unissex: Majs [que se pronuncia mais] para quatro gurias e um piá (lembra a piadinha ali de cima da batata? Então).
– Gud (Deus) para uma menina sortuda.
– Balle, para meninos (1) e meninas (4) – eu não vou traduzir.
– Bärs, só para gurias – e são três (eu não tenho certeza aqui se se referem ao verbo carregar ou à gíria para cerveja…)
– Norrman, só para guris – foram quatro (homem do norte – mas isso é meio óbvio quando se nasce na Suécia).
– As, que deve ser a irmã da Anus, ou prima. Coitada. O significado é o mesmo, em todo o caso.

Em alguns casos a coisa é tão feia por aqui que os nomes são proibidos. Por lei. Alguns exemplos são Metallica, Ikea, General, Hallå, Q e HV 71. Mas personagens de ficcão e contos parecem ser permitidos, já que a Suécia tem:
– quatro Spiderman,
– nove Batman,
– sete Phantomen (Fantasma) e sete Guran;
– dois Superman,
– sete Zorros,
– quinze Frankstein,
– oito Yodas,
– dois Darth Vader,
– três Chewbacca,
– um Drakula,
– quinze Tarzans,
– três Skalman (a tarturaga da turma do Bamse),
– um Super Mario,
– um Megaman,
– uma Törnrosa (Bela Adormecida) e
– seis Snövit (Branca de Neve – faz sentido não?).

E pra fechar o post, quero avisar que nomes de filmes também funcionam como nomes na Suécia, tanto que tem um cara que se chama Hajen (Tubarão). Vai ver que a mãe dele é bióloga ou sei lá, o pai era fanático por esse clássico dos anos 80.

Não. A gente vai de algo normal mesmo. Tipo José.

Proibida a entrada de crianças (mas na Suécia não)

Em meados de outubro uma guria de um programa de culinária no Brasil fez uma postagem no facebook elogiando a atitude de um restaurante brasileiro que proíbe a entrada de menores de 14 anos. Uma longa discussão se deu início, e um dos principais argumentos utilizados pela galera que acha essa proposta cabível é de que isso funciona na França, além de pontuar que as crianças francesas são infinitamente mais educadas do que as brasileiras e tem modos a mesa.
Eu nunca estive na França por mais de três dias e não tenho a mínima ideia de se essa história de que restaurantes fecham as portas para uma parcela da população seja realista – o que me parece bem burro, diga-se de passagem. Infelizmente já vi muitos textos de gente que acha aquele livro (crianças francesas não jogam comida no chão) sobre adestramento de crianças a última bolacha do pacote – normalmente gente que não tem crianças – e que acredita que na França tudo é como a autora do livro aponta: crianças francesas são extremamente educadas e não gritam a mesa.
Bom, tenho uma má notícia para quem é fã da Suécia e que adora o modelo francês: crianças suecas são u ó, como se diz lá de onde eu vim. Elas não vão apenas gritar a mesa e jogar comida ao chão, elas vão subir na mesa se quiserem e cagar na cabeça dos pais. Eu não sei se todo mundo compartilha da mesma perspectiva que eu, mas desde que mudei para cá tenho visto como essas criaturinhas são indomáveis nessas terras, e penso que talvez o último traço da barbárie viking se expresse justa na infância desse povo (que a partir da idade adulta não dá um pio, a exemplo das crianças francesas). Aliás, ao contrário do que se pensa a respeito da modo francês de educar os pequenos, a forma sueca de tratar a infância comunente é tratada como um experimento que deu errado porque veja bem, aqui as crianças tem direitos. Mas isso é um assunto para outro post.
Mas é importante salientar: a Suécia está infestada de pequenas pestinhas que tem poder, muito poder diga-se de passagem, sobre os pais. E o pior de tudo: aqui os restaurantes não proíbem a entrada de crianças. É claro que existem ambientes mais sofisticados aonde sutilmente se dá sugestão de que esse é um espaço reservado para adultos. Mas não há placas proibindo a entrada de crianças e adolescentes – não a menos que se trate de um pub ou uma espécie de taverna em que bebidas alcoolicas sejam servidas e aonde a questão comida fique em segundo plano. Aí sim há um aviso relacionado ao fato de que menores não são permitidos sem a presença dos pais.
De modo geral os estabelecimentos comerciais suecos querem ter o reconhecimento de serem espaços amigos da criança e contam com estrutura para receber desde bebês até… bom, principalmente bebês. Mas o cardápio, por exemplo, sempre traz uma sugestão para que a galerinha que ainda não aguenta um verdadeiro prato de comida e que normalmente não gosta dessas combinações que um adulto procura quando sai para jantar possa ser servido. O menu infantil pode nem ter nada a ver com a cara do restaurante – tipo um restaurante de peixes e frutos do mar que tem no menu infantil hamburguer – mas a ideia é que a crianca no caso possa ter uma opção para que os pais não deixem de frequentar aquele espaço justo porque a criança não vai ter o que comer.
Os cafés então são espaços maternos – e todo mundo sabe como essa história de “fikar” é importante na Suécia. Desde que me tornei mãe sempre que saio para a cidade encontrar uma amiga que também tenha filhos nós escolhemos cafés que tem a fama de serem “amigos da criança”. Isso porque sabemos que teremos espaço para o carrinho de bebê (ou um estacionamento seguro para deixar do lado de fora), cadeirões, um banheiro com trocador (essencial nos primeiros meses de vida) e todas essas coisas que crianças de colo precisam. Além disso sabemos que aquele ambiente vai ser mais acolhedor, que com certeza encontraremos outras mães naquele mesmo espaço com suas criaturinhas indomáveis aos berros e portanto, estaremos livres dessa gente chata que acha que criança tem que estar trancada em casa.
Porque é isso mesmo: sair com criança é uma loteria. Há dias em que eles estão tranquilos e felizes, vão sentar no cadeirão, deixar papai e mamãe conversar com os amigos enquanto comem o que estiver sendo servido ou simplesmente vão curtir a vista, olhando curiosos ao redor. Mas há dias… há dias em que um copo de água transforma sua criança em um verdadeiro gremlim, que vai gritar, jogar comida no chão, se contorcer no cadeirão, te bater se você segurar no colo e sair correndo a primeira oportunidade.
O que não é normal na Suécia é crianças serem bem vindas a casamentos, por exemplo, ou alguns tipos de festinhas mais íntimas. De todos os casamentos aos quais fui convidada acredito que apenas um deles não deixava claro no convite que apenas crianças de colo eram bem vindas. Eu reagi a isso de forma forte no começo, mas quando me casei fiz o mesmo. Um casamento a moda sueca tradicional é uma coisa um tanto chata e comprida até mesmo para adultos, um monte de gente fica fazendo discursos e homenagens aos noivos enquanto os demais convidados sentam e comem. Por horas. Tipo, meu próprio casamento teve um “jantar” de aproximadamente cinco horas. Nessas cinco horas foi servido o buffet, então nos prestaram homenagens, e mais homenagens, e mais homenagens, nesse ínterim os convidados poderiam repetir e beber; houveram mais homenagens, uma pequena pausa e então servimos o bolo, com café e mais bebida e mais homenagens e discursos. Todos esperam que enquanto os discursos e homenagens aos noivos acontecem os demais convidados estejam em silêncio. Aí se dão pequenos intervalos entre meio, quando você tem tempo de dar uma mijadinha ou dizer para a pessoa ao seu lado que a noiva está realmente bonita, para aí um novo discurso se iniciar e todo mundo fazer boca de siri. Chato. Bem chato. Extremamente chato quanto você não sabe a língua, se você não é íntimo dos noivos e não entende as piadinhas internas, ou se você tem menos de 20 anos. Dessa forma os noivos normalmente colocam no convite que crianças não são bem vindas porque as pessoas entendem que crianças precisam correr e brincar e que não vão ficar sentadas ouvindo o avô da noivo contar que ele gostava de pescar quando era pequeno. Sei lá se eu acho isso uma justificativa plausível, porque depois que virei mãe tive que escolher entre ir ou não a alguns casamentos. Escolhi ficar em casa quando senti que não queria arrumar alguém para ficar com o Benjamin para ficar sentada ouvindo homenagens para pessoas as quais eu não sou tão íntima, deixei Benjamin com alguém da família quando realmente quis participar de um momento especial na vida de amigos queridos.
Melhor seria ter deixado ele em casa sempre, e em qualquer circunstância?
Não, definitivamente. Acho que você não ensina nada a seu filho deixando ele à margem. Eu posso estar redondamente enganada, mas acredito que na Suécia a perspectiva de encontrar pequenos vikings demostrando toda a sua selvageria e barbarie em locais públicos seja encarada de forma natural porque as pessoas entendem que crianças são seres em desenvolvimento. Há espaços para crianças em restaurantes, em cafés, em museus, na biblioteca (a biblioteca da cidade de Gotemburgo tem uma área tão grande para crianças que é inacreditável) e assim as pessoas que não querem se “incomodar” com gritaria e birra de criança utilizam as outras áreas do mesmo serviço. Além disso eu tenho uma impressão que as pessoas são mais de boas com as escolhas alheias (dentro da perspectiva do lagom de ser) e que normalmente o pessoal anda em tribos. Tipo, a galera festeira vai se juntar para fazer festa até começarem a casar ou ajuntar, aí mais ou menos todo mundo casa, aí mais ou menos todo mundo tem filhos, e você vai seguindo a onda dominante dentro do seu próprio círculo de amizades. E isso é visto como natural, coisas da vida.
É claro que também existe a galera que quer uma placa em restaurantes proibindo a entrada de crianças – ou de forma mais radical ainda, dos pais que não são capazes de domar os filhos. Mas quem disse que a Suécia é um país perfeito?

Fechado para o verão

Sabe aquele papo de que o ano só comeca no Brasil depois do carnaval?
A Suécia fecha para o verão.
Todo mundo que tem um emprego fixo tem direito a cinco semanas de férias por ano. Até os 40 anos, porque a partir daí serão seis. Quem ainda não tem direito as seis semanas dá um jeito de ter, juntando horas extras ou tirando a licenca parental. E aí tudo fecha porquê, né… ninguém quer estar trabalhando enquanto o colega está aproveitando um dia de verão.
E não se trata apenas daquela loucura para viajar. Se trata de ficar com a família, os amigos e tirar um tempo fora da rotina. Sueco adora uma rotina, mas também é louco por cortar a grama. Eu tenho uma teoria de que essa alegria toda de cortar a grama está relacionada ao fato do “veja, tudo está verde, está quente, eu vou sentar do lado de fora de casa e por isso estou arrumando meu quintal”. Ou só um “preciso um lugar para colocar a grelha”, ou melhor, “preciso um lugar do lado de fora para colocar a grelha”. E, é claro, está relacionado ao fato de que o sueco corta a grama durante dois, três meses por ano – e não o contrário, como é comum no Brasil. Quando eu trabalhava em Falköping tinha um colega iraquiano que se sentia extremamente incomodado com essa coisa da grama. Ele morava num condomínio de casas – aquelas que são grudadinhas umas nas outras, mas tem um quintal em frente e outro nos fundos – e dizia que o vizinho cortava a grama uma ou duas vezes por semana durante o verão. Esse não era o problema. O problema era que o vizinho já havia dado a ele inúmeras indiretas sobre a grama estar muito crescida, e sobre a altura ideal do corte, aquelas coisas tipo de revista de jardinagem. Ele se sentia pressionado a cortar a grama mesmo quando achava que a grama estava curta, só por causa do vizinho da fita métrica. O Joel vive angustiado com o que os vizinhos vão pensar sobre a grama. Enquanto ele se sente em meio a uma plantacão de capim, com grama até os olhos, eu olho para fora e penso: ué… que grama?
Verão na Suécia significa ir para a casa de campo, jogar cartas com as criancas, ler um livro que está em alta e ouvir o programa especial da P1, o Sommarpratarna (Papo de verão, talvez, se eu posso ser um pouco criativa). Ao menos os mais velhos. Ou talvez não. Eu achava que todo mundo que ouvia esse programa era a galera dos 40+ mas sabe o quê? Puro preconceito. Tem muito jovem que adora o programa. Basicamente não é nada além do que gente famosa e nem tão famosa assim falando de coisas da vida. Pode ser uma ativista pelo direito do povo sami, os índios suecos (ela inclusive é rapper gente!); ou o Zlatan, contando histórias da infância; o ex primeiro ministro sueco falando do livro ruim que ele publicou e até freira fala nesse programa – sobre caridade e Deus.
Outra coisa interessante do verão é que, já que a galera toda sai de férias, entra uma multidão de substitutos. Jovens substitutos, em sua maioria, que vão trabalhar apenas o verão ou gente que vai garantir (ou tentar ao menos) uma vaga. É tipo aquele lance de trabalho de fim de ano no Brasil, nas festas: gente que está dando uma mão porque algo extraordinário acontece (sol e calor). Esse lance dos trabalhos de verão são muito sérios aqui porque os jovens recebem um subsídio do governo para estudar (tipo bolsa escola, mas todo mundo em idade escolar recebe dependendo apenas da frequência). O detalhe é que durante as férias escolares não tem bolsa. E isso vale para os universitários também – na Suécia é possível emprestar dinheiro do governo para poder se dedicar 100% aos estudos sem trabalhar. É tipo como se todo o universitário tivesse acesso a bolsa de estudos, só que no caso, você devolve depois de formado. Mas como você só recebe enquanto tem frequência, e a frequência é zero durante as férias, entre junho e agosto/setembro ninguém ganha auxílio… aí o jeito é descolar uma grana extra. E já que todo mundo sai de férias mesmo e as empresas ficam as moscas… junta-se a fome com a vontade de comer.
O lado negativo dessa história é que isso pode até mesmo acontecer em hospitais. Tipo as enfermeira obstetras saem de férias e do quadro de pessoal permanente tem apenas duas pessoas trabalhando… juntamente com uma porrada de jovens recém formados ou em formacão que conseguiram um bico de verão. E isso sem exagero gente.
Eu também saí de férias. Mas como eu não tenho as manhas e não sei das tretas, não vou ficar “deboas” cinco semanas…

Feliz dia do assistente social

Eu acho que cinco anos fizeram um buraco na minha cabeca, porque quando eu era funcionária pública no Brasil e trabalhava de segunda a sexta-feira eu ainda tinha vida pós trabalho. Agora a impressão que eu tenho é que depois que eu chego em casa eu preciso urgentemente comida e cama…
Claro que nada é igual. Há cinco anos atrás eu não tinha marido, filho, e nem toda uma casa pra limpar (que aliás, eu só limpo no sábado). Mas é fato de que a profissão de assistente social é classificada – na Suécia – como uma das mais difíceis – se você trabalha nos escritórios de assistência social, os chamados socialkontor. Se você joga no google palavras como stress e assistência social juntas aparecem uma série de artigos relacionados, tanto partindo de sindicatos como de outros instrumentos de pesquisa que citam a profissão como uma das piores do país em relacão ao ambiente de trabalho e número de trabalhadores afastados devido a esgotamento nervoso.
Eu sei o que você está pensando, mas eu sou Tomé: tenho que ver para crer. No caso, fazer para crer. E agora eu creio: trabalhar no escritório de assistência social tem me deixado mais cansada do que eu posso me lembrar em toda a minha vida. A carga de trabalho é grande, e como eu sou novata ainda demoro muito para fazer qualquer coisa, e como eu não tenho sueco como língua materna demoro muito para escrever relatórios e aí já lascou-se tudo. A sensacão é de que eu tenho trabalho atrasado desde o segundo dia em que comecei. Agora, depois de cerca de três meses, tenho me sentido bastante chateada com isso porque eu tinha a esperanca que fosse alguma coisa relacionada a minha falta de jeito. Infelizmente, falando com outras colegas descobri que não sou a única que me vê na mesma situacão e que aquelas que estão mais tranquilas o estão porque ligaram o foda-se literalmente e não se importam o mínimo com o trabalho acumulado.
O sistema funciona mais ou menos da seguinte forma: se você tem problemas econômicos entra em contato com o servico de assistência social, que nesse caso se chama stöd och försörjningstöd – apoio e auxílios financeiros (na verdade o substantivo försörjning se traduz melhor como “independência financeira”); e pede para marcar uma entrevista com uma assistente social. Dentro de alguns dias você encontra a assistente social e tem que estar munido de uma série de documentos que mostram que você faliu financeiramente (seu dinheiro está acabando e você não tem como pagar as contas do próximo mês) e você não tem mais nenhum tipo de reserva – não é possível ter uma poupanca e receber auxíllio do social, ou um carro, ou uma casa, ou… bens materiais de muito valor; e que você tem feito tudo o que poderia para resolver a sua situacão sozinho. Essa última parte significa que, se por exemplo, você ficou desempregado, tem procurado empregos por meio da agência de empregos e tem um plano lá; ou que caso você esteja doente você esteja seguindo a risca o tratamento. A assistente social que atende o usuário vai escrever um relatório socio econômico analisando a situacão do indivíduo e emitir um parecer em um prazo que normalmente gira em torno de 10 dias. Nesse parecer o mais importante é responder a duas perguntas: essa pessoa realmente está falida? e ela fez todo o possível para resolver essa situacão sozinha, buscou outras formas de ajuda antes de se voltar ao escritório de assistência social? Se a resposta para as duas questões é sim, a pessoa tem direito a auxílio financeiro – ekonomiskt bistånd. Ou seja, eu trabalho como o bolsa família sueco.
Todo o atendimento no setor de apoio e auxílio finaceiro é individualizado. Isso significa que cada caso será analizado individualmente e depois que o assistente social escrever o relatório mesmo que a resposta às questões acima não sejam exatamente um “sim e sim” no parecer e sejam, por exemplo, um “sim e sim, mas…” o usuário pode receber auxílio.  Quando o relatório social e econômico fica pronto é hora de fazer outro documento, o plano de trabalho ou projeto de trabalho. Nele o assistente social e o usuário vão definir o que o cidadão precisa fazer para conquistar a independência financeira. O plano sempre inclui uma série de fatores mas alguns deles são essenciais e se o cidadão não os cumpre não recebe auxílio para aquele mês em específico.Isso porque o fato de você receber o auxílio uma vez não faz com que o direito ao auxílio seja automático. Na verdade, o auxílio é avaliado mês a mês.
Ao contrário do bolsa família brasileiro, o bola família sueco não é formado apenas por valores definidos. A grosso modo podemos dizer que há um auxílio básico, esse sim é um valor definido que muda apenas de acordo com a idade do cidadão. O bolsa família sueco é formado de diversos auxílios complementares, entre eles aluguel, luz, o seguro da casa, cartão de ônibus e internet (varia de município para município) e auxílios eventuais, que são gastos com medicamentos e consultas ao médico, dentista, a compra de óculos e auxílio funeral, entre outros. Mas esse é um capítulo a parte que daria por si só um post gigante.
Se você tem problemas muito sérios, tais como aluguéis atrasados que fazem com que você possa perder seu apartamento e nem um puto pila no bolso (e quando eu digo nem um puto pila eu estou realmente dizendo isso: sua conta bancária deve estar no zero) quando sua geladeira está vazia você pode receber auxílios emergenciais para pagar o aluguel e comprar comida no momento em que você procura o escritório de assistência social. Nesses casos o assistente social emite um parecer baseado nas informacões disponíveis quando o usuário se volta para o sistema, e depois de receber uma pequena ajuda só para que ele não seja jogado na rua e ou morra de fome, o usuário entra na roda como todo mundo e vai ter que esperar por uma entrevista, relatório e parecer social para continuar recebendo algum tipo de auxílio.
Assim falando parece um sistema muito enxuto no qual é difícil de entrar. É e não é. Para que qualquer pessoa possa receber auxílio econômico ela tem que apresentar um extrato bancário. E nós assistentes sociais temos que analisar esse extrato bancário. Dos últimos três meses. Por quê? Porque se você estava na merda, sabia que não tinha dinheiro e continuou gastando como se tivesse um salário pra cair na conta vai dancar. Mas vocês podem imaginar que esse tipo de decisão não é muito fácil de comunicar a um usuário…
Se eu disse que o trabalho como assistente social é classificado como um dos mais extenuantes da Suécia, trabalhar com o bolsa família sueco está no topo da lista entre os piores trabalhos que o assistente social pode fazer. Pessoalmente não sei o que pensar, estou muito crua ainda e nem peguei o jeito, além do quê eu tenho problemas sérios em ter de escrever tanta documentacão numa língua que é razoavelmente nova para mim. Mas de modo geral as assistentes sociais aqui reclamam do mesmo que reclamamos no Brasil: salários muito baixos diante da carga de trabalho, e carga de trabalho que é realmente uma sobrecarga de trabalho.
Eu quis escrever esse post para dividir um pouco dessa experiência em um mundo novo, ou uma nova dimensão de um mesmo mundo – uma visão ainda um tanto crua e baguncada – como homenagem a todas as assistentes sociais brasileiras. Um viva as minhas colegas de profissão e forca na peruca gente… vamos precisar!

5 anos de Suécia

Eu já comemorei e já refleti um bocado. Estou niilista demais ultimamente e cansada dos sofismos de internet. Ando bem triste com uma porrada de coisas e me dou o direito de me manter calada quanto a isso.

Eu poderia escrever aquela célebre frase “morar no Brasil é uma bosta mas é bom,  morar no exterior é bom mas é uma bosta” mas pra não ficar no mais do mesmo decidi ir de engenheiros hoje. Uma hora em que eu estiver com ânimo venho aqui contar do trabalho.

Hey, mãe! Eu tenho uma guitarra elétrica
Durante muito tempo isso foi tudo que eu queria ter
Mas hey, mãe… alguma coisa ficou pra trás
Antigamente eu sabia exatamente o que fazer
Hey, mãe! tem uns amigos tocando comigo
Eles são legais e além do mais, não querem nem saber
Que agora, lá fora, o mundo todo é uma ilha
A milhas e milhas de qualquer lugar

Nessa terra de gigantes
Que trocam vidas por diamantes
A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes
As revistas, as revoltas, as conquistas da juventude
São herancas são motivo pras mudancas de atitude
Os discos, as dancas, os riscos
Da juventude
A cara limpa, a roupa suja esperando que o tempo mude
Nessa terra de gigantes
Tudo isso já foi dito antes
A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes

Hey mãe, eu já não esquento a cabeca
Durante muito tempo isso era só o que eu podia fazer
Mas hey hey mãe por mais que a gente cresca
Há sempre alguma coisa que a gente não pode entender
Por isso mãe… só me acorde quando o sol tiver se posto
Eu não quero ver meu rosto antes de anoitecer
Pois agora lá fora
O mundo todo é uma ilha
A milhas e milhas e milhas e milhas e milhas…

A filosofia da cebola – vezes dois

Esse final de semana o inverno deu as caras (oficialmente ainda estamos no outono) e ontem tivemos uma madrugada de trincar os ossos, com nada menos do que 10°C negativos. O frio chegou na sexta, intensificou no sábado (com seus três graus negativos durante o dia) e  ficou até o anoitecer de ontem quando o termômetro conseguiu registrar 2°C.

Esses números são bastante difíceis de compreender. Eu ficava com frio só de pensar em passar dias abaixo de zero. O aquecimento das casas faz uma diferença enorme e a gente não sente – tão longe se mantenha dentro de casa – o quanto está frio. É na hora de sair que o bicho pega.

Essa é uma questão fundamental para sobreviver o inverno. Hahahaha, ficou séria demais a colocação mas o fato é que saber se vestir vai fazer você passar pelo inverno com menos percalços, vai por mim. Meu corpo mudou muito após a gestação (acho que o fato de gestar um mini viking me causou algum tipo de mutação) e eu estou muito mais resistente ao frio, isso é claro. Mas também não posso negar que depois de tanto tempo finalmente entendi a filosofia da cebola (ou a arte de se vestir em camadas) de que tanto falam desde que eu mudei. Feliz ou infelizmente algumas manhas a gente só aprende com a experiência; ainda assim vou tentar deixar um guia.

Dentro de casa normalmente não é necessário mais do que uma regata e uma manga longa. Claro que você pode substituir por um moleton ou uma blusa mais fina, mas como eu gosto de ter a base da “cebola” eu normalmente visto isso. Vou salientar também que essa é a “cebola” que eu aprendi, não é um modelo universal e sim um exemplo, quiçá o melhor, mas é o que veste aqui em casa e funciona. E o ministério da saúde adverte: não se vista dessa maneira  se você pretende sair correr. Então, para sair em -5° C ontem usei: uma regata, uma manga longa de malha, uma camisa, uma blusa de lã e o casaco; uma calça de malha e um jeans, meias de algodão, meias de lã e uma bota. Touca, cachecol e luvas se você ainda quiser ter orelhas e dedos e não morrer de dor de garganta. E só.

Algumas considerações: quando eu digo uma blusa de lã estou dizendo lã mesmo, não materiais sintéticos. Blusas tricotadas podem ou não ser de lã, a única forma de saber – além de ler a etiqueta – é o preço. Não há na face da Suécia blusas de lã (novas) por menos de 500dinheiros. É possível encontrar lindas blusas de lã em lojas de segunda mão e não importa se elas são finas, a lã esquenta de verdade. Eu aconselho a não usar a blusa de lã durante o outuno se você costuma ter alergias, pois com menos camadas por baixo é provavel rolar aquela coceira básica que vai te deixar ranzinza. Eu não tenho esse problema e usei muito a minha blusa de lã durante o outono, acho mais simples botar apenas ela por cima de uma malha e a jaqueta tapa vento. Ainda com relação às roupas de baixo, no caso das crianças é bom investir em roupas de lã. A maioria das lojas vendem roupas de lã que são como calçolas e manga longa, de materias que misturam lã e seda ou alguma outra coisa. A malha de algodão é ótima para países quentes, mas no frio assim que a criança transpira a malha fica molhada e fria. Já a lã deixa respirar e faz a umidade passar para fora da primeira camada de roupas, assim mesmo que a criança transpire muito ela não ficará molhada e com frio. É uma boa pedida para quem pensa em sair caminhar durante o inverno ou mesmo para os mais sensíveis ao frio, existem essas roupas de baixo (em sueco underställ) para adultos também, tanto em lã (mais caros) quanto em materiais sintéticos  (mais baratos). E, é claro que se você tem uma roupa de baixo que é quente não vai precisar usar o casaco de lã, que pode ser substituído por um tricô normal ou mesmo moleton.

Outra questão importante: se a jaqueta é tapa vento (windproof) não é necessário muita roupa por baixo quando só está frio. Eu tenho uma jaqueta de verão tapa vento e impermeável, usei ela na sexta feira com 3°C, as camadas costumeiras e minha blusa de lã e não houve problemas. Mas se venta essa combinação já não rola porque a jaqueta não tem forro e por mais que seja tapa vento  é um tapa vento mais light por ser uma peça de verão. Há jaquetas de outuno com um forro fino, com um tapa vento ainda melhor que é possível usar em dias com até alguns graus negativos. Para os dias frios de verdade as melhores jaquetas são as forradas com pena de ganso (exatamente). No caso de Gotemburgo, onde chove tanto que chega a chover canivete, é bom que a jaqueta seja de um material impermeável forte. Se você mora aonde neva bastante (e as temperaturas ficam abaixo de 15°C nagativos por longos períodos) vai precisar de jaqueta e calça térmica. Do contrário, a neve é “seca” quando as temperaturas estão abaixo de -2°C.

Observação importante número três: quanto tempo você vai ficar fora? E quanto desse tempo você estará parada/o? Se você vai de carro em algum lugar, não vai precisar de tudo isso para chegar até o carro. Mas é importante levar um casaco grosso a tiracolo, pois se um imprevisto acontecer e o carro morrer na beira da rodovia você não vai querer estar de regata e moleton sem aquecedor enquanto espera o guincho (que pode demorar muito) num frio de 0°C. Mas digamos que você vai caminhar até a estação ou ponto de ônibus, usar o transporte coletivo e depois trabalhar/visitar amigos/vai às compras… quanto tempo você vai ficar fora? Em dias menos frios, quando as temperaturas ainda estão acima de 5°C é melhor se vestir menos. Antes de usar um monte de casacos, experimente botar algo mais quente nos pés e uma touca de tecido – ter a cabeça e os pés quentes faz milagres. Os suecos tem uma filosofia de que é preciso passar um pouco de frio durante o outono para que o corpo acostume. E depois, se você botar muita roupa vai suar caminhando até o ponto/estação, depois vai suar dentro do transporte coletivo, vai suar no mercado/shopping ou vai ter que levar uma porrada de casacos, touca, cachecol, luva na mão. E não esqueça o desodorante, que tem muita gente que não acha as axilas depois de se vestir como cebola e fede violentamente como uma cebola em decomposição.

Agora, imagine que lindo é todo esse ritual cebolístico quando você tem uma criança pequena… conseguiu? Peraí que eu vou ajudar. Você decide sair e aí veste a criança primeiro (lógico) pra depois tomar a sua meia hora de cebola. Errado! A criança fica quente demais nas roupas, fica louca, começa a chorar e arranca touca, luvas e tudo o  que conseguir, pega ódio da roupa de inverno e vai chorar só de ver aquele casaco. Qual a saída? Essa mesma: vista todas as suas camadas (a exceção do casaco e acessórios) e  comece a caçada. Depois de vinte minutos correndo atrás da cria, implorando para ela deixar a gente enfiar mais duas camadas de casaco e meia calça e meia de lã e os sapatos, suada feito uma porca (com roupas para temperaturas negativas dentro de casa você fica mais molhada que funkeira no baile… viu a importância do desodorante?) você finalmente abre a porta e enfia casaco e touca, luvas na criança. E fica feliz de refrescar a cara antes de botar a cereja do bolo você também.

Quem foi que falou da magia do inverno? ;)