Diário Caipira – 11

Nove anos de Suécia. Que coisa…

Quando eu era mais “xôvem” ficava imaginando como seria a minha vida no futuro. O que é que eu faria com 25 anos, 30 anos e se eu tivesse filhos, se eu teria uma casa, um trabalho; essas coisas. Eu nunca tinha pensado em mudar de país e até achava besta demais gente que ficava se “maravilhando” com a vida fora do Brasil.

Nove anos… mas eu ainda tenho a sensacão de entrar numa bolha a cada vez que eu “entro” na Suécia. Não sei se tem a ver com a questão de que a gente realmente entra num mar de nuvens sempre que está sobrevoando Gotemburgo… mas eu chuto que tem mais a ver com o fato de que eu não consigo absorver, não consigo entender o que é que é diferente aqui. Eu sinto que é diferente.

Eu não sei como me portar, como responder as pessoas, como não responder, quando cumprimentar, quando não; quando é ok brincar, sobre o quê é ok brincar; o que é considerado privado, o que é formal… quando é que alguém está dividindo algo intimo com você e quando é que as pessoas querem ficar sozinhas.

Nove anos e eu ainda tô nesse limbo. Me digam aí, quando é que passa?

Brasil, ame-o ou deixe-o

Parece piada mas, já que passei boa parte do processo eleitoral no Brasil e ousei me meter em discussões (mulher que tem opinião é metida) ouvi de vários conhecidos e desconhecidos “um pra você é fácil ficar falando, só que você é de fora e não conhece a realidade brasileira”. Um tipo gentil de cala boca. Normalmente seguido de “volta pra cá se está achando tão bom” ou “por que não muda pra um país comunista?”

A Suécia é socialista para muito estadunidense. Enquanto metade da galera que tem um posicionamento político de direita jura que a Suécia é um país de direita e que foi o capitalismo que salvou o país (e foi); outra metade enquadra a Suécia no mesmo pelotão de países socialistas como… digam um qualquer aí. Essa galera jura que os suecos não se tocaram que vivem num comunismo, com um governo que decide tudo (inclusive aonde você pode comprar bebida alcoólica).

Se a coisa vai nesse pé num país desenvolvido, porque seria estranho que tantos brasileiros vivam uma dissonância entre a realidade e o que eles acreditam que é a realidade? Porque a gente é um país que não lê mas principalmente não sabe questionar o que lê, porque temos complexo de irmão caçula e de vira lata e por causa da violência da nossa educação (fechem as universidades, eu tenho todas as respostas).

Essa coisa de crescer dentro de um sistema educacional violento, eu não me refiro a escola e qualquer doutrinação que a galera do escola sem partido se refere. Eu me refiro a educação que a gente recebe em casa mesmo. E sei que muita gente vai protestar do tipo “palmada não mata, ensina” e eu vou concordar: palmada ensina mesmo, ensina muito, ensina que quando é enquanto você puder usar da violência e estiver no topo da cadeia você resolve tudo. A gente vive tão violentado que não percebe. A gente nasce e cresce dentro de núcleos familiares onde existe o certo e o errado, separados muito bem separados por uma linha imaginária. O certo é bom, o errado é mau, e ponto. Ser e estar certo evita sofrimento (físico, psicólogo) e estar certo nos causa bem estar ou simplesmente um sentimento de ufa!, escapei. Quando aprendemos a resolver tudo na base de gritos e pontapés não é estranho que tenha gente ameaçando de morte quem pensa diferente. Sempre que eu me sentir maior ou melhor do que outra pessoa vou fazer valer “o meu certo”, vou fazer todo mundo me engolir, nem que tenha de ser goela abaixo – ou seja, usando de violência.

Pra muitos de nós brasileiros a Suécia só pode ser socialista ou só pode ser capitalista, ela não pode ser uma coisa e também outra coisa. Não existe essa de um pé lá e outro cá, 18, 28, 58… Muito menos 9, 33 ou 77. É 8. Ou 80. E quem decide se é oito ou oitenta é quem manda. Manda quem tem mais – mais dinheiro, mais testosterona, mais poder. Eu pirei meu cabeção nessas férias. É incrível como a mulher brasileira só tem direito de fala se for pura, puríssima, mais alva do que a Branca de Neve. Porque te mandam calar a boca até porque você tem uma espinha na cara. Fulana não tem moral, ela tem caspa!!!

Cidadãs crescidas são tratadas como retardadas mas quem está na última casta dessa cadeia de violência são as crianças. E mesmo assim querem queimar o ECA em praça pública porque essa lei de merda acabou com o direito dos pais – como se o único dever dos pais fosse dobrar os filhos na base da porrada. Engraçado pensar que eu tenho uma lembrança dessa necessidade de me tornar maior, mais velha e mais forte para poder mandar em alguém. Mas a gente esquece quando cresce… ou não. A minha criança interior não aguenta ver tanta gente ríspida: mal dormida, mal comida, mal amada. Tanta gente precisando esculachar o outro pra se sentir bem. A minha criança interior chora de pensar que enquanto pra mim cala-boca-já-morreu-e-quem-manda-aqui-sou-eu ainda tem todo um Brasil de gente sendo violentado diariamente sem armas mas de forma escancarada, escandalosa, que deixa feridas na alma. Quando as pessoas me dizem que deixaram o Brasil por causa da violência eu me pergunto: será que fora do Brasil elas percebem o quanto são violentas? Se a gente pudesse fazer essa auto crítica (que graças a Deus já começou em muitos corações brasileiros) não teria de escutar “vai pra Cuba” ou “pra Venezuela” tantas vezes.

Eu já sabia. Tenho trabalhado isso bastante desde que o Benjamin nasceu por meio de terapia. Porque bem lá no fundo eu quero vencer na força. Eu quero dobrar os outros. Tenho uma necessidade absurda de provar que estou certa, que tem que ser do meu jeito. Eu vou para o Brasil e vejo esse meu comportamento (que eu não quero mais) sendo esfregando diariamente na minha cara. Resultado: saí do Brasil triste, mas aliviada. Cansei da brutalidade. Essa aí que está na nossa pele no dia a dia. O assalto, o assassinato é o resultado desse feijão com arroz nosso de violências cotidianas, aquelas que a gente faz e que a gente não vê mas que minam a nossa auto estima e acabam com a nossa energia.

O que me entristece é ter consciência de que essa discussão está longe de chegar na mesa do brasileiro porquê tem muito mais coisas que o cidadão precisa resolver. O brasileiro vive sem tempo pra pensar e poder planejar, vive correndo atrás de estabilidade. Na Suécia isso tem de sobra, aí temos tempo de roer nossas neuroses. Eu já estou aqui roendo a minha: como é possível amar essa bagunça toda chamada Brasil?

Benjamin, b-day, bebê a caminho, barriguda, bandida, burocracia e mais um monte de bês

Benjamin completou dois anos e eu também – de maternidade. Parece uma vida inteira desde que ele nasceu e muitas vezes a sensação de que não havia vida antes do filho é tão forte que me faz esquecer que eu já fui criança. Só não esqueço de todo porque a gente pensa muito na própria infância, o que foi bom e o que não foi, e usa como parâmetros para a própria maternidade. O foda é que eu penso tanto que muitas vezes fico na dúvida se estou realmente lembrando de fatos vividos ou são apenas experiências resignificadas depois de ouvir tanta gente repetindo o “lembra quando isso e aquilo? daí aconteceu pau e corda…”
E é isso mesmo, como o título sugere, estou de barriga e o bebê chega em novembro. Tenho várias conhecidas suecas parindo agora ou em um futuro próximo, o que deveria me garantir um pouco de companhia para “empurrar o carrinho por aí”; o que infelizmente não será verdade. Não é pra me fazer de coitada, é só que o meu jeito de encarar a maternidade não bate com o jeito da galera daqui. Um exemplo simples: Benjamin não desmamou. Porque não precisa – minha gravidez é tranquila, ele quer mamar e vai continuar mamando enquanto quiser. Já ouvi gente sugerir o desmame delicademente e também na cara dura – assim ó: você terá enormes problemas se não desmamar pra ontem – além das pessoas que, apesar de não dizerem nada, estão gritando corporalmente o quanto isso é esquisito. Das gurias com quem eu convivo que tiveram uma criança ao mesmo tempo que eu a maioria está na segunda rodada e falando do desmame do filho número dois.
Já fiz o ultrassom de rotina daqui – que acontece entre a semana 18 e 20 – já sei que o bebê está se desenvolvendo como deveria, que viu ter mais um piá (yes!), e que nos preciso de mais ultrassons. Durante a primeira gestação essa falta de ultrasonografias me deixava desconfortável, agora eu vejo isso com mais naturalidade. Acredito que o fato de morar na Suécia e ter contato com um sistema de acompanhamento a gestante mais simples – veja bem, é humanizado mas nem sempre – em que a gravidez não é tratada como doença me ajudou muito a crescer como mulher. Eu quero muito ajudar outras mulheres a se fortalecer nesse sentido e para isso me formei doula. Não sei se terei possibilidade de utilizar o que aprendi aqui, ser doula na Suécia ainda é um trabalho pouco conhecido e a maioria das mulheres escolhe ter apoio exclusivo do parceiro durante o parto mas, apesar de sentir que esse é um projeto que talvez precise de alguns anos antes que eu possa aplica-lo, espero começar aos poucos a deixar o mundo burocrático da assistência social de escritório em que entrei e ficar mais perto das pessoas.
Uma das coisas que preciso dar jeito é na carteira de motorista. Aham, continuo bandida, mas uma bandida de meia tigela que vai ao mercado próximo de auto quando está com a massa do bolo pronta e percebeu que esqueceu o fermento. Agora que já perdi a autorização para tirar a carteira tenho que pagar por uma nova autorização, um novo exame de vista e esperar ter mais sorte nas minhas provas.
Enquanto isso, vou de bike. Tenho uma vida um tanto quanto intensa em duas rodas, o que tem preservado minha sanidade física e mental: vou e volto do trabalho de bicicleta, aproximadamente 16km por dia que me custam meia hora pedalando (são cerca de 50 minutos de transporte público por causa das conexões escrotas que tenho que fazer para chegar ao bairro vizinho). É ótimo, mas não vai funcionar no inverno de -10°C com duas crianças, sendo uma delas um bebê de poucos meses. Então bora mexer a bunda da cadeira e tirar a carteira – rimou.
Falando em coisas a tirar, vou tirar a cidadania sueca e da próxima vez que ir ao Brasil registrar minha saída definitiva. Estou com uma lista grande de coisas a fazer no Brasil, muito do que tem a ver com essa coisa de registrar que mudei – na qual nunca pensei por acreditar que voltaria logo e por pura ignorância mesmo – mas que teria facilitado a minha vida e me preservado de algumas cobranças desnecessárias. Então fica a dica para quem estiver saindo: conte para  receita federal que você está mudando, mesmo que não seja para sempre.
Eu ando com muita saudade de blogar. Mas tenho dormido em pé. E sinceramente… sinto que há muitas coisas das quais eu gostaria de falar que não cabem aqui. Então por enquanto fica como está.
Beijos pra quem fica!

Brasil, meu Brasil brasileiro

Tô em casa.

E sim, eu sei que a minha casa fica na Suécia. E que a minha vida é na Suécia agora. Tanto, que já em Paris quando eu estava prestes a embarcar no voo para Sampa senti que tudo estava diferente. E na verdade, senti um pouco horrorizada que a coisa que mais estava diferente era eu mesma.

Suequizei demais os últimos meses. Para meu próprio horror estava me sentindo incomodada com tanta gente falando alto, e falando merda. Esse povo nunca fala com coisa… pensei. E aquela impaciência típica de brasileiro que nunca faz o que está no protocolo: não espera o avião taxiar para começar aquela busca desenfreada pelas malas; não obedece nenhum sinal de apertar os cintos; fica gritando com o conhecido que não sei porquê foi parar cinco filas de banco mais atrás (ô fulano,  você viu a oferta de não sei o quê lá na Duty Free?).

Que merda. Que vergonha. Não dos outros, de mim mesma. Vivo chateada porquê todo mundo fica diminuindo brasileiro o tempo inteiro, por causa da fama de bagunceiro, por causa da fama de preguiçoso, por causa da fama de gente que não quer nada com nada. E lá bem no fundo me senti com a mesma impressão. É tipo um choque cultural ao contrário. Que feio.

Foi só quando desembarquei de verdade é que relaxei. Demorei quase doze horas dentro de um avião e precisei de doses de brasileirice o voo todo para conseguir jogar fora o meu eu sueco. Estava esperando um aeroporto caótico (por causa do carnaval) mas a coisa estava tranquila (e posso dizer isso porque já passei por Guarulhos em um dia 03 de janeiro). E tanta gente feliz! Apesar de estarem trabalhando durante o carnaval. É um contraste absurdo: sair de um inverno cinza na Suécia em que todo mundo anda de cara amarrada e desembarcar num país em que até a polícia federal fica fazendo troça… aff, como é bom!

Fiquei fazendo uma série de comparações. Já trabalhei com suecos em feriados importantes como o Midsommar. Definitivamente, trabalhar em feriado na Suécia é igual a trabalhar com substitutos (quem tem trampo integral cai fora pra aproveitar) ou gente meio de carra amarrada. Quem trabalha feliz nesse dia trabalha feliz só porquê recebe quase o dobro do salário por hora. E mesmo assim, o que acontece é que os suecos que trabalham em feriado falam mais ou menos “que eu não queria trabalhar, mas alguém precisa trabalhar e eu vou receber o bônus”. Sorriso amarelo. Eu fiquei me perguntando se os faxineiros que trabalham no aeroporto em Guarulhos, por exemplo, recebem o dobro do salário por hora por trabalhar em dia de carnaval. Estavam bem felizes, em todo o caso. Vai ver que eles recebem né?

E eu tomo um susto quando a guria do check in da Tam me olha e me diz meio zangada: “senhora? senhora? a senhora está grávida? por favor dirija-se a fila preferencial”. Aí é que eu percebi que o tom de voz dela não era para mim, mas era para lembrar aos outros que eu devia passar primeiro. Passei cinco meses e meio grávida na Suécia e as poucas pessoas “estranhas” que ousaram enxergar a minha barriga foram estrangeiros. Já aqui todo mundo enxerga que eu tô grávida. Gente que eu nunca vi na vida me olha e me sorri, e me deseja felicidade. “Parabéns pelo bebê” é uma constante. No guichê da companhia aérea. Na recepção do hotel. Na fila do mercado. Fui tomar um sorvete e uma mulher ao meu lado me disse que eu estava uma grávida linda. Assim do nada, ela não me perguntou: você está grávida? Ela só disse: você está muito linda grávida… sabe o que é? E eu: um menino (eu não tinha contado ainda Aparecida!). E ela: ahhh parabéns! Eu quero muito ter um menino!

E na minha cidade em que todo mundo sabe da vida de todo mundo parece que o pessoal não tá muito interessado na minha vida não. Hahahaha! Ao menos muita gente não sabia ainda. “Oi Maria! Passeando na casa dos pais! E esperando um suiçinho!!! Parabéns!”. Sim, eles ainda acham que eu moro na Suíça. Mas eu já nem explico mais. Porque se eu explico que eu moro mesmo é na Suécia a pergunta seguinte ainda é se eu já sei falar alemão. Sorriso amarelo. “Quase… tô aprendendo!”.

Nesses dois dias passados em casa já me sinto mais eu mesma. Já fiz papo furado com mais gente do que fiz o inverno inteiro na Suécia. Já falei da Copa do Mundo, do governo e da falta/excesso de chuva. De mudar para fora do país. De como a vida aqui é boa (puxa como é bom encontrar gente satisfeita com a vida que tem!!!). De livros. De poeira. Terra vermelha. Da calma da cidade. Da falta do que fazer. Do excesso do que fazer. De vida nova. De gravidez (com muita gente). De morte. De comida. De energia solar. Piadas (fiquei pensando: nunca ouço piadas na Suécia!).

E lembrei de um texto não sei de onde, que não sei quando li, que falava de como a gente ainda vê o Brasil com um país de selvagens que precisam ser civilizados. Acho que não há forma melhor de definir esse “choque” que eu senti no contato com a minha própria cultura do que esse pensamento. Eu vivo num mundo “civilizado” ao extremo. Politicamente correto – o que é bom. Eu sou a favor do politicamente correto – principalmente o quesito respeito as minorias. Mas não é disso que eu tô falando. O civilizado é o jeito meio robótico que todo mundo vive no lado de lá. As pessoas respeitam a fila. Ninguém fala alto. Os cachorros não ladram. Quase não há lixo pelas ruas (há sempre muito lixo pelas ruas assim que o inverno acaba, mas no geral, as ruas são muito mais limpas do que são as ruas brasileiras). Não há cidades transbordando de gente. E aí o transporte coletivo funciona. E não há engarrafamentos enormes. Ninguém “foge” as suas responsabilidades. Ninguém caga fora do pinico. Tudo funciona com a precisão de um relógio suíço. Mas eu moro na Suécia ok? Só para deixar claro…

Será que quando conseguirmos civilizar os selvagens brasileiros, não vamos sentir falta de toda essa “zona”?

Saudades

Na semana antes do meu casamento a minha sogra avisou que haveriam dois convidados surpresa para a festa. Adivinhem qual foi o meu pensamento?

Sim, a primeira coisa que passou pela minha cabeça é que essa maravilhosa família sueca que me acolheu havia feito uma vaquinha para trazer meus irmãos – a Gio e o Jorge – para o casório. É claro que a minha sogra percebeu de uma vez como as minhas expectativas pararam em um trilhão, então ela mais que rapidamente explicou que era uma surpresa pequena e que os convidados não vinham do exterior.

Ainda assim, eu esperei até o último minuto que – tanto meus irmãos como mais umas pessoas especiais – aparecessem de surpresa. Sei lá, sabe essas coisas bestas de filme? Sim, eu esperei. Esperei ver eles na igreja. Mas eles não estavam lá.

Desde o dia do casamento eu sinto muito mais falta deles do que o normal. Eu tenho cá essa saudade que não passa, e coisas bestas me fazem lembrar de momentos gostosos que passamos juntos, ou, em outros casos, coisas que eu gostaria de fazer com eles.

Passei a viagem toda na Grécia fazendo planos infalíveis.

Mas ainda não posso ir ao Brasil.

Então eu fecho os olhos e vivo na minha cabeça esses momentos que eu sei que foram reais e que agora são lembranças especiais. Eu faço de conta que posso fazer isso amanhã e daí fica um pouco menos pesado. Eu sei que faz quase um ano, a minha vida está se ajeitando e tenho encontrado muita gente legal, mas vocês são insubstituíveis! E estão fazendo falta…

Eu não ficar nominando, não precisa.

Eu tenho saudades…

Dia Mundial de Combate ao Suicídio

suicidioO dia 10 de setembro foi escolhido como Dia Mundial de Combate ao Suicídio. Foi ontem, mas às vezes, mesmo que eu queira, não dá nega e eu não consigo blogar. Enfim, suicídio pode até soar bonitinho em romances do tipo Romeu e Julieta, mas a verdade é que envolve muito sofrimento para todos os envolvidos e um enorme problema de saúde.

To tocando no assunto porque desde que eu mudei para cá tem muita gente que fala disso: a Suécia tem uma das maiores taxas de suicídio do mundo/ não adianta tanta tecnologia e dinheiro se tem um monte de gente que se mata lá/ existem tantas pessoas que se suicidam na Suécia porque ninguém acredita em Deus; blá blá blá…

A gente pode especular e especular a respeito do tema. Na minha opinião, a cultura sueca é um dos fatores que contribui sim para esses números mas, não porque aqui há mais ateus do que crentes ou porque o aborto é permitido (já ouvi cada uma que até parece que os ouvidos viraram pinico!), e sim simplesmente porque os suecos tem essa coisa de se virarem sozinhos, dar conta do recado por si próprios. Sueco “guarda” suas dificuldades para si e compartilha apenas com as pessoas que ele considera próximas. E não é que eu veja isso como um defeito não, pelo contrário: conheço muito gente (inclusive eu) que seria mais feliz se aprendesse a ser mais discreto. Mas essa dificuldade de expor os sentimentos pode virar uma bomba relógio.

E daí que eu sublinhei o pode porque essa não é uma regra. É só um chute baseado em alguns poucos textos que eu li sobre a importância de procurar ajuda quando você está mal.

Lendo algumas coisas ontem sobre o tema eu acabei nesse artigo do Humberto Corrêa que traz alguns dados, como, por exemplo, que cerca de nove milhões de pessoas se suicidam no mundo por ano e que o número de suicídios no Brasil cresceu em 30% nos últimos vinte anos, sobretudo entre homens jovens. O principal ponto do texto do Humberto é a afirmação de que o suicídio seria mais facilmente combatido se a gente deixasse o tabu de lado. Eu concordo.

Tem que se botar para fora o que não sai da cabeça

Tem que se botar para fora o que não sai da cabeça

Concordo porque, indiferente de acontecer no Brasil ou na Suécia, o caso é que ninguém se mata porque está feliz. E, indiferente da cultura sueca ou brasileira, todos nós temos imensa dificuldade de lidar com a tristeza. Na cultura sueca, talvez porque eles sejam fechados e det är inte okej (não é aceitável) pedir pinico para os outros. Na cultura brasileira simplesmente porque a gente é muito feliz para ser triste.

É só para pensar: quantos dos seus amigos estão postando semanalmente no facebook que não veem a hora do final de semana chegar só para entortar o caneco? Quantas dessas pessoas escondem um sentimento enorme de frustração e tristeza por detrás do “soltar a franga”? Por que é que beber para esquecer é aceitável?

E quando o tiro sai pela culatra e, de repente, o cara mais legal da roda se enforca, todo mundo fica surpreso porque ele “sempre” estava feliz.

É claro que eu to tocando em apenas um dos fios de uma meada muito embaralhada: o bullyng mata, a homofobia, o machismo, a marginalização,  o racismo e mais um monte de “ismos”. Eu ficar na “carne” daquela guria até essa gorda se tocar que precisa emagrecer NÃO é uma ajuda; tratar a namorada na coleira porque você é um maníaco carente NÃO vai fazer ela te amar, vai destruir ela (e o contrário também é verdadeiro, só menos frequente porque mulheres nem sempre dispõe do poder para manipular); excluir homossexuais, pobres e negros porque o problema é deles por serem assim NÃO te faz uma pessoa tolerante à diversidade, só serve para mascarar o teu preconceito.

Mesmo os mais fortes e grandes sofrem

Mesmo os mais fortes e grandes sofrem

E que mal há em falar algumas verdades, não é mesmo? Nenhum, não fosse por um detalhe: as pessoas que estão azucrinando as demais, por qualquer motivo que seja, sempre estão tentando esconder algum sentimento de inferioridade ou frustração. Há muitos relatos sobre isso (dá uma lida nos guests posts do blog da Lola): eu tenho medo de virar o objeto do bullyng, então em me junto à rodinha do pessoal que azucrina assim eu fico fora da linha de tiro. Ao menos por enquanto. Pimenta nos olhos dos outros é refresco, e parece que as redes sociais estão aí para isso: a gente fala o que quiser na rede e, na maioria dos casos não é punido. Isso legitima as redes de ódio que já estão pulando da internet para a vida real.

E isso tudo não acontece apenas no Brasil (tem muito aqui também, apesar do pessoal dos direitos humanos estarem em cima o tempo inteiro) mas no Brasil é visto por muito poucos como problema. Eu sobrevivi ao bullyng, alguns dirão, mas quando você estudava já existia facebook? A gente não quer ver, não quer aceitar que há pessoas que sofrem ao nosso lado, e que a tristeza é mais comum do que é socialmente aceitável (no Brasil).

Eu volto a combater a imagem que a gente vende do Brasil: somos um povo alegre e descontraído, com super “força na peruca”; o país do carnaval que chora suas mágoas na avenida do samba e lava a alma nas ondas de Copacabana. O povo mais simpático e forte do mundo, que mesmo com tantas dificuldades sempre aparece na TV com aquele sorrizão na cara, povo de jeito de moleque que encanta no futebol, na música, na dança…

…e não tem absolutamente o direito de ficar triste. E que esconderá a tristeza por detrás do ódio (duvidam que gente que fica xingando pobre na internet é porque tem problema?) ou de festa. Afinal, sempre é bom encontrar um canal por onde a gente vai descarregar as mágoas, e desde eu que faça o bem para mim mesmo, tá valendo.

suicidio 3

Eu não tenho a menor dúvida de que há muita gente feliz no Brasil. Feliz de verdade. Temos uma cultura de festa, dança, música e travessuras e isso ajuda realmente a limpar a alma. Mas quando nem isso ajuda é sinal de que a coisa está realmente feia e a gente deve perder o medo de declarar que está triste e que perdeu o tesão de viver.

É importante começar uma verdadeira conscientização a respeito da natureza da tristeza; da diferenciação entre tristeza e depressão e da necessidade de buscar ajuda profissional quando você percebe que o tesão de viver está morrendo. Afinal, um suicida não é bem uma pessoa que acorda numa manhã de segunda feira e resolve que já deu; muitas vezes a alma dele já morreu há tempos, só falta mesmo é deixar o corpo.

Quem quer se matar não decide de uma hora para outra, o sentimento aparece sorrateiro e vai crescendo e crescendo incentivado pelos transtornos psíquicos que a pessoa sofre. E aí que as vezes compartilhar isso com amigos vira piada e a única maneira seria buscar a um profissional, mas a oferta de ajuda profissional no Brasil ainda é muito precária no que se refere ao atendimento de pessoas com transtornos psíquicos.  A OMS recomenda (segundo esse artigo) um mínimo de 4 leitos psiquiátricos para cada 100 mil pessoas enquanto no Brasil há cerca de 0,4. Só mesmo trazendo a tona a realidade desse problema vai fazer com que sejam tomadas providências a respeito desse déficit.

Quando não há profissionais disponíveis e os amigos levam tudo na flauta a situação se vê desesperadora. Os transtornos psíquicos que levam a morte são um tabu e eu posso afirmar isso: quando eu tive depressão teve muita gente que disse que eu fazia manha, afinal, eu era jovem, talentosa, bonita, inteligente, tinha um bom trabalho, uma família que me amava e… o que mais eu poderia querer?

Mas nada é assim tão simples. Não é apenas uma questão de querer, ainda que esse seja o primeiro e mais importante passo em direção a cura. Sim, porque transtornos psíquicos são doenças, não são manha, faz de conta para chamar a atenção ou fazer piada. E se queremos que as pessoas que estão com problemas sintam-se confiantes para falar disso, temos também de vencer mais esse obstáculo: o de julgar quem está triste como fraco ou como só mais um cheio de mi-mi-mi-mi.

Enfim, se enfrentarmos os tabus que envolvem o suicídio esses números vão diminuir, tanto aqui como em qualquer lugar.

*****

A Suécia dispõe de uma linha de ajuda para pessoas que não se sentem bem: a nationella hjälplinjen.

Telefone: 020 22 00 60

Internet: 1177.se (chat com psicólogos).

Esse atendimento é gratuito.

Socialkärring

Acordei de mau humor, dormi mal por causa de um torcicolo e tenho uma pilha imensa de roupas para passar. Roupa para passar, definitivamente, ninguém merece. Decidi empurrar com a barriga e aqui estou, a reclamar no blog.

Tenho trabalhado entre uma e duas noites por semana no meu emprego de behandlingassistent – que até agora eu não descobri ao certo como se escreve, já vi tudo junto e separado – e estou satisfeita por ter peitado o negócio e continuado. A cada dia trabalhado vou adicionando mais elementos a imagem a respeito do trabalho social na Suécia, em específico a questão de moradia. Eu digo imagem porque, como sou vikarie (substituta) eu sinto que muitas vezes sou deixada de lado no que se refere à informação. Algumas pessoas do grupo são muito ressabiadas e parecem ter se queimado com relação aos substitutos (estou sendo boazinha com eles agora) principalmente no que se refere a questão do sigilo – e vai lá saber que tipo de formação recebe uma assistente social no Brasil? Se eles soubessem que o Serviço Social brasileiro é regulamentado – ao contrário do SS sueco – e que eu posso perder o meu direito de exercer a profissão se der com a língua nos dentes…

Essa semana, assim como quem não quer nada, dei um cutucão no pessoal. Comentei que achava estranho que uma profissão do nível de responsabilidade do Serviço Social, na Suécia, não fosse regulamentada pois até no Brasil – imagine o Brasil, aquele país da “latinamerika“, em desenvolvimento – é. E faz tempo! É certo que precisamos de um sindicato no Brasil, mas no que se refere a fiscalização do exercício profissional estamos relativamente bem – se pensarmos a nível do tamanho do Brasil. Sempre achei um absurdo a taxa que pagávamos anualmente (ainda recebo os boletos, apesar dos inúmeros e-mails que mandei pedindo o cancelamento), mas o pessoal do Núcleo Regional de Serviço Social da minha região promovia até encontros mensais para debater questões relacionadas a profissão.

Fugi do assunto. Em todo o caso, vou ouvindo umas palavras ali e umas histórias aqui e vou formando a minha ideia a respeito do trabalho social em Göteborg, como já disse, no que se refere ao atendimento de pessoas/famílias permanente ou provisoriamente sem teto. E aqui poucas pessoas admiram ou curtem uma assistente social – tanto, que nós, ou melhor, elas recebem um apelido carinhoso: socialkärring. Bem, social todo mundo entende não? E kärring é nada menos do que um palavrão (no pejorativo; cadela ou velha chata, velha bruxa).

Pelo que entendi nas literaturas que andei pesquisando, o Serviço Social europeu passou por uma fase em que foram registrados muitos casos de abuso de poder profissional, principalmente no atendimento a crianças e adolescentes mas não raro também em outras áreas.  Se a gente espremer um pouco o cérebro vai lembrar de filmes em que a assistente social é a vilã da história, é ela que vem e separa a criança dos pais (biológicos ou não) fazendo com que eles tenham que lutar na justiça pelo direito de permanecer com os pequenos. Nesses filmes, a criança sempre vai parar num orfanato ou com pais adotivos esquisitos que fazem ela sofrer bem a estilo Cinderala mas a assistente social não entende isso, não vê ou às vezes é corrupta e quer a criança lá sofrendo, e não no ambiente em que ela tem a chance de ser feliz… drama! O duro é que aconteceu de verdade. Por causa dessas e de decisões pouco convencionais baseadas no “eu sou o profissional aqui e sei o que estou fazendo” onde assistentes sociais trataram de pessoas que não conseguiram levar a vida como o esperado como completos retardados – “você não sabe o que é bom para você/você escolheu até agora e veja no que deu/eu vou tomar as rédeas da situação”; o profissional é visto com certa desconfiança e tem uma fama bastante vulgar.

Já no Brasil, como o Serviço Social demorou mais tempo a se firmar com profissão e como a gente nunca chegou a provar uma política de assistência social mais consistente, permanente e séria antes de… agora (praticamente); a assistente social sempre foi vista como aquela moça boazinha que ajudava as pessoas e dava cesta básica.

É certo que essa é a primeira imagem que os professores tratam de desmanchar quando botamos os pés na universidade. Assistente social não é uma moça boazinha, assistente social é uma profissional que vai fazer valer leis e trabalhar com ética; e isso nem sempre significa “dar” o que as pessoas querem. Apesar das assistentes sociais suecas não contarem com a popularidades que nós, brasileiras, conta(va)mos; eu entendo que é exatamente aí – quando o querer do usuário bate de frente com o meu poder como profissional – que começa a confusão…

Eu acredito que deva ser imensamente difícil para algumas pessoas se dirigirem até um CRAS (no Brasil) ou socialkontor (na Suécia) para declarar a um completo desconhecido que “falharam” economicamente e precisam de ajuda.  Ao menos a primeira vez. E ainda mais numa sociedade como a nossa em que tudo gira ao redor do “ter”, ou seja, se você não pode “ter” as coisas da moda já é difícil (o que? você não tem um iphone? o carro do ano? uma TV 42′?) ; imagine então não “ter” nem o mínimo do mínimo para sobreviver. Isso te faz, seguramente, um fracassado. Agora imagine a dificuldade de assumir isso. E no Brasil, em muitos casos, você não recebe ajuda se “tem” um pouquinho: os recursos são escassos e você só será contemplado se não “tem nada”. É fácil ficar com raiva da assistente social e dizer que “ela” não quer ajudar.

Não tenho certeza absoluta que aconteça o mesmo por aqui e na verdade chuto que os critérios sejam muito diferentes, mas a atuação profissional é seguramente delimitada por questões financeiras – seja na quantidade de recursos destinados à área como expectativa do mercado. Por exemplo: a relação entre oferta e a procura por apartamentos em Göteborg é caótica, há muito mais gente procurando do que lugares disponíveis para morar e o valor do seu salário mensal é um elemento que faz diferença na lógica de “quem tem direito primeiro a esse apartamento”. Obviamente, você está praticamente fora ou o grau de dificuldade só aumenta se você é uma pessoa com problemas financeiros e que precisa de “ajuda do social” para viver. Há casos em que a própria kommuna paga o aluguel para as pessoas com sérios problemas econômicos, mas aí esbarramos no outro limite: a kommuna não disponibiliza recursos suficientes para pagar o aluguel de “todo mundo”. E não é o administrador da kommuna que tem de dizer isso a população sem teto… Infelizmente, nem sempre o assistente social pode ajudar e aí, bom, aí ele passa de socialsekreterare para socialkärring em um piscar de olhos.

Já acontece no Brasil, mas aí somos chamadas de bruxas. Aquela bruxa lá fica com o dinheiro do Bolsa Família todinho para ela! (OmG! Até as assistentes sociais vivem encostadas no governo…). Eu vi o monte de cestas básicas que ela esconde! (Essa é velha). O prefeito me prometeu mas daí aquela bruxa do CRAS disse que não! Hahaha, essa é minha favorita, eu gostaria que fosse sempre assim. Feliz ou infelizmente isso é um bom sinal (ao menos na maioria dos casos): nem sempre somos bem vistas quando fazemos o que devemos fazer e na terra dos jeitinhos seguir as leis é bem complicadinho. Rimou! Queria saber como rola a coisa por aqui…

Enfim, essa semana foi dia da Assistente Social no Brasil (em 15 de maio) e eu gostaria de dar os parabéns a todas as colegas “bruxas” brasileiras que fazem o seu melhor, lutando contra os contra tempos e se dedicando com ética; e que por mais que o povo desacredite às vezes e seja duro, são, lá no fundo, um bando de moças boazinhas querendo ajudar – hahahaha!

Parabéns pelo dia do Assistente Social!

Pequenas Grandes Coisas das Minhas Férias

Chove… e somente porque choveu tirei um tempo para escrever algumas historinhas pra vocês porque antes estava tão quente que era meio impossível ficar em frente ao computador…

A viagem foi bem tranquila mas super exaustiva pois tivemos de esperar 5 horas pela nossa conexão doméstica no Brasil. Agora o pessoal das companhias aéreas não despacha mais a bagagem até o destino final porque a declaração de bens importados deve ser feita assim que o passageiro desembarca no Brasil – e quem não tem nada a declarar se lasca junto com pequena parte da população que viaja e volta para casa com 10 pila acima da cota. Eu nunca precisei ficar esperando minha mala em Guarulhos e me arrependi milhões por não ter trazido apenas bagagem de mão.

Também não consegui fazer o check in online (sei lá porque cargas d’água), podíamos acessar a reserva mas não podíamos realizar o chek in. Como resultado eu e o Joel acabamos por ficar com poltronas separadas (para o voo transatlântico – aquele que pode ser de 12 horas) e quando embarcamos no avião começamos a busca por uma boa alma que topasse trocar de poltronas com a gente. A opção mais simples – de trocar apenas um lugar com o pessoal mais próximo – não rolou já que ambos estávamos na fileira central entre um casal e dois gordos; os outros casais, assim como nós, queriam viajar lado a lado e os gordos haviam escolhido o banco do corredor por causa de espaço. Mas como brasileiro é gente boa encontramos um cidadão que trabalha para a Scania que entendeu que esse povo aqui era from Sweden e trocou com a gente – o que fez com que o cara ao lado dele também resolvesse trocar. E todos viveram felizes para sempre.

O calor aqui está deliciosamente demais. Tanto que tá rolando temporal a beça – como é comum nessa época do ano quando a primavera já tá fervendo – o que não é muito legal. O pessoal daqui já passou por uma chuva de pedras que estilhaçou todos os vidros de algumas residências, botou abaixo telhados de eternite e simplesmente deixou sem teto uma casa na roça. As “pedrinhas” daquele temporal foram do tamanho de um ovo de pato. Há duas semanas a tempestade veio com vento, atingindo a região do município que havia escapado da chuva de granizo. As árvores caíram e os telhados voaram, fazendo um monte de agricultores perderem seus frangos (essa região tem muito aviário – produção de frangos de corte). Ontem choveu forte, ventou mais ou menos, caiu granizo de novo (do tamanho de ovos de codorna) e eram tantos raios que a impressão é que estavam caindo ao lado da casa. Por sorte temos algumas torres altas com para-raio, mas acho que foi só impressão mesmo pois ainda não ovi ninguém comentar que alguma torre tivesse “pego” um raio. Como eu moro na Suécia e ouço trovejar duas vezes ao ano tenho que confessar com um pouco de medo e até fui rezar com a minha mãe.

Ademais, comi muita carne – churrasco, carne de panela e etc – e to tomando muito suco! Ai que delicia fazer suco com fruta fresca, uma folhinha de hortelã e um tiquinho de gengibre. E esquecer o açucar e todo mundo dizer: faltou açucar. Sério gente! Acho que não ouvia isso a décadas e me sinto quase estranha pois na Suécia estou acostumada a gente que me diga o “eu não acredito que você toma café com açucar!” e ” suco com açúcar? Que estranho…” ou “açucar engorda e faz mal a saúde!”. Agora tive que ouvir todo mundo reclamar que “a Maria fez suco de novo e esqueceu o açúcar!”. Hahaha… É a vida…

Fui a dermatologista que me repetiu todas as coisas que a dermatologista sueca havia me dito, com exceção de: a) há uma forma de clarear os melasmas, mas nenhum clareador vai funcionar a não ser que eu use protetor solar no mínimo 3 vezes ao dia mesmo quando eu não vá sair de casa (a Juliana comentou mesmo – neste post aqui – que a luz fluorescente ajuda a aumentar manchas de pele e ontem a dermato confirmou); e b) que eu preciso usar um filtro solar dermatológico porque comprar qualquer filtro mesmo que fator 50 não vai limpar a minha barra (e muito menos ajudar a clarear as manchas na minha cara – rimou). Saí satisfeita, com receita médica para compra do clareador e do protetor solar e… estranhei a rotina. Acordar e passar protetor para mim era coisa de praia (ou vamos para a piscina!!!) e agora vai virar padrão na minha vida. O bom é que o clareador que ela me receitou também existe na Europa – segundo a médica – assim eu posso pedir a receita lá na Suécia e continuar o tratamento.

To meio gripada (não há coisa pior do que gripe no meio do verão!), meio rouca e pisando torto depois que pisei em uma abelha. Não sou alérgica mas meu pé inchou e a picadura provocou uma lesão meio roxa, coisa que não é muito estranha na roça porque as abelhas daqui ficam contaminadas com agrotóxico que o pessoal espalha na lavoura. Apesar dos mortos e feridos (a abelha morreu) todos ficarão bem.

E agora chega de computador porque eu to de férias!

Amanhã: Brasil!

Isso mesmo: amanhã estou chegando ao Brasil e estou tão ansiosa que sei lá o que eu faço comigo mesma (quem acompanha o blog sabe que essa coisa de não saber o que fazer comigo mesma é meio frequente, então… significa que eu vivo muitas emoções, todo o tempo – =P hahaahaha!). Decidi deixar registrado um status de como deixo a Suécia.

Fonte aqui

Essa semana a temperatura caiu de novo, ficamos na marca dos 5 graus em Göteborg e desde ontem parou de chover. Sim, pois há cerca de duas semanas atrás tivemos geada e muito frio (aqui quando a geada chega ela não some de um dia para o outro, como é o comum lá pras bandas donde vim), tanto que me obriguei a tirar meu super casaco vermelho de inverno do guarda roupa. Mas aposentei o bichim em seguida pois começou a chover diariamente (sim, choveu todos os dias nas últimas duas semanas até ontem) e as temperaturas subiram. Ontem, nevou em Stockholm mas eu não vi geada de novo.

Hoje fui a escola fazer uma prova (quase dormi em cima dela então nada de ganhar um A) e ontem foi meu último dia de trabalho antes da viagem. Saí de casa desprevenida e sentia meus dedos congelando enquanto eu empurrava a cadeiras de rodas do Zé e o Zé pela cidade, abaixo de chuva de pedra. Não, não somos masoquistas, é só que precisamos andar uns 50 metros até o ponto do bonde, e a chuva de pedra na Suécia parece mais chuva de feijão; são pedrinhas miudinhas caindo, nada comparado ao que acontece no Brasil.

Coisas que acontecem na vida de um assistente pessoal: o Zé queria fumar e saímos ao ar fresco para ele poder pitar o cigarrinho dele e daí uma senhora chega na minha frente, faz uma pose de espanto e choque e dispara o sermão do “como é que VOCÊ faz isso com ELE? Você não percebe que ele é doente? Meu Deus, meu  Deus…” Olha para mim com o olhar mais desaprovador da face da terra e vai embora. O Zé ri, eu suspiro. Já nem explico que a escolha é dele, que se fosse por mim ninguém no mundo fumaria… A ironia do destino é que uns minutos depois (quando ele já havia acabado o cigarrinho) chega um senhor e “Parabéns! Seu trabalho é lindo!”… é… Obrigado, tipo.

E eu preciso de sol. Não tenho nenhuma ambição de ficar morena não, preciso só e simplesmente de sol! Chove, chove e chove em Göteborg (parou ontem) e agora os dias começaram realmente a ficar escuros. Eu tenho uma lembrança forte com relação ao ano passado, e esse ano eu tenho a mesma impressão: não é que os dias comecem a ficar mais e mais escuros lentamente, é que em uma semana de repente o sol para de nascer as 7h da matina e só dá as caras as 8h. Esse fim de semana é Hallowen na Suécia e os relógios serão atrasados em uma hora para o horário de inverno… ainda assim,  continuará escuro.

Fico ainda mais feliz ao pensar que deixo a Suécia escura e fria para ir ao Brasil (tomara que não chova!) quente e ensolarado. Vai ter o aniversário do meu irmão mais lindo e Arrancadão de Tratores, sem falar que vou comer todas as gostosuras que minha mãe faz, e churrasco, e tirar os colos atrasados com meu pai, e andar a cavalo, e visitar o trabalho novo da minha irmã, e…

Acho que o blog vai estar meio abandonado viu… vou ter tanto o que fazer, e serão só três semanas!

Vi ses då och då!

O Brasil não é só Rio de Janeiro

Dia desses eu no trem (temos trens de novo!!!) e escuto a conversa de dois jovens:

Ele: todo mundo sai viajar e tenho pensado nisso. Eu quero sair e fazer alguma coisa diferente, grande… talvez a gente podia ir juntos.
Ela: Opa, que legal! Sim a gente podia ir para a Grécia! 
Ele: Não, Grécia não… todo mundo vai para a Grécia. Vamos para a Tailândia ao invés disso!
Ela: Aham… todo mundo vai para a Tailândia também!
Ele: O que eu queria mesmo era ir para a América Latina, para o Brasil…
Ela: Ta louco? Eu tenho uns amigos que foram para o Rio de Janeiro e olha só: no primeiro dia eles foram assaltados e levaram o dinheiro deles, no segundo dia foram assaltados de novo e ficaram sem máquina fotográfica e celulares. Se você acha que isso é tudo eles ainda foram assaltados uma terceira vez, até o usb da minha amiga carregaram embora!
Ele: É, mas nada disso acontece se você fica experto, a gente não precisa ir para uma favela!
Ela: Não precisar não precisa mas lá tudo é favela… além disso não é bom para mulheres irem para o Brasil porque os homens de lá não tem nenhum respeito. (e falando meio baixo) Ela foi quase estuprada na frente do namorado!

Três coisas me passam pela cabeça quando eu ouço uma conversa como essa: primeiro, que eu tenho uma opinião muito dura e preconceituosa contra gringo que vai para o Brasil e quer entrar numa favela, pelo motivo que for… pra não ser politicamente incorreta, paro por aqui.

Dois, é que eu acho um saco que todo mundo entende o Brasil a partir de três palavras: samba, futebol e Rio de Janeiro. E pensar no tamanho do Brasil! E na diversidade cultural! E na cara do povo quando eu digo que “não sei sambar” e que eu não morava nem no Rio de Janeiro e muito menos na praia. É, o Brasil tem 6 mil quilômetros de praia mas eu fui nascer as beiras do mar de soja e milho, lá onde comer carne não é pecado e ser vegetariano é que é ser esquisito. Minha cidade não tem estádio de futebol, acho mesmo que é uma das  únicas cidades no Brasil que construiu uma pista de corrida para tratores – é um “tratoródromo”; o maior show que já teve por lá foi de Fernando e Sorocaba (na minha opinião, claro); a gente dança, canta e vive sertanejo (alguns gostam de vanera, vanerão e mais um monte de coisas gaúchas também); e nem por isso sou menos brasileira que uma carioca.

E três… puxa essa coisa do machismo brasileiro realmente não casa com o feminismo sueco – se é que eu posso simplificar as coisas desse jeito. Só para reafirmar: não sou a favor de nenhum “ismo”. A verdade é que há uma imagem muito forte de que as mulheres latinas gostam de homens sem vergonha, porque somos todos passionais e queremos emoções fortes, sejam quais sejam.   Também posso acrescentar que as brasileiras (em especial) são fáceis e promíscuas. Homens acostumados com mulheres como essas não respeitam ninguém; e apesar de não concordar que o X esteja aí, também não acho que seja hora para discutir quem nasceu primeiro – o ovo ou a galinha; ao menos não nesse blog. O que posso afirmar é que os homens brasileiros são extremamente confiantes em si mesmos e muitas vezes não aceitam um não como resposta. Em contrapartida, na Suécia nenhuma mulher precisa se preocupar com avanços indesejáveis porque qualquer movimento incalculado de um homem pode e será usado contra ele em um tribunal em um processo de assédio sexual ou estupro, como no caso de Julian Assange.

O que eu quero testemunhar é que me dá um sentimento super estranho, mais ou menos do mesmo jeito que me incomoda que alguém pergunte como vai meu alemão e se a Suiça é mesmo fria, me incomoda escutar as pessoas falando que no Brasil tudo é uma merda, que a violência está em toda a parte e que as mulheres só servem para servirem.

Enfim, estamos mal na foto hein?

Comentaristas Suecos

Consegui pegar alguns jogos do Brasil pela internet: o vôlei de praia feminino (bronze) e agora to olhando o basquete  (no momento perdemos por 3 pontos para a Argentina – ahhhhhhhhhh!!!).  A qualidade do vídeo é muito boa e a conexão com a internet que tenho é suficiente para assistir sem que a transmissão fique travando o tempo todo.

Como são muitas modalidades rolando ao mesmo tempo eu posso escolher o quero quero ver, daí que peguei alguns esportes sem comentarista. Estranho, mas interessante. Comentarista esportivo sueco é extremamente apaixonado e, pelos menos nas transmissões que assisti, não importa se não é a Suécia que está em campo, eles meio que escolhem alguém para torcer. Isso significa que cada jogada bem feita por aquele time é fantástica, linda, maravilhosa; e que tal e qual jogador é esplêndido!

Tava assistindo o handebol, quando a Suécia conquistou um lugar nas semi finais, e eles (os comentaristas) tiveram quase um treco – porque o jogo foi muito disputado: era uma montanha russa de emoções, cada gol sueco era perfeito e cada jogada perdida ou gol dinamarquês era seguido de milhares de lamentações. Eu lembro que durante a Euro Copa quando a Suécia perdeu de virada também foi assim, e eles repetiam que: isso não é verdade, isso não é verdade, a Suécia volta para casa já na primeira etapa do campeonato…

Agora eu sinto que eles estão com um ladinho para los hermanos. Que saco!

O mais engraçado foi que passei metade do tempo do jogo tentando adivinhar qual era o sobrenome do jogador Anderson, que eles dizem Vorejau. Fiquei colada nos movimentos do cidadão para ver se eu conseguia ver o tal do nome, pensando que devia ser um apelido então, e quando eu consigo pegar o guri de costas explodi na risada: o sobrenome (ou apelido) dele é VAREJÃO!!!

Tomara que o Brasil vire o jogo!

Brasil x Suécia

Tem dias que eu odeio a Suécia.

Não exatamente o Reino da Suécia em si, no fundo, no fundo; eu curto muito esse país e realmente me sinto em casa. O problema são as coisas que têm no Brasil que não têm aqui. E eu não estou falando das enchentes, corrupção, políticas públicas deficientes, inflação e todas as coisas que nós brasileiros costumamos pensar em primeira instância como sendo Brasil. Também não me refiro a samba, carnaval, capoeira, feijoada, Michel Teló, praias e índios. Tô pensando na minha família, amigos, cerveja gelada e em churrasco.

Racionalmente, sei que me sinto assim porque estava no Brasil com todo mundo até bem pouco. Emocionalmente, é bem mais difícil conter a vontade de só e simplesmente caminhar até aqui e ali, tomar tererê, jogar conversa fora, fazer churrasco e  passar o tempo numa boa. É claro que tenho plena consciência que eu to romantizando e que férias sempre deixam a gente com um gostinho de quero mais, mas eu me dou o direito de pensar que tenho mesmo tudo do bom e do melhor no Brasil e que nem todas as férias do mundo seriam suficientes para aproveitar isso.

Não que o Brasil seja melhor do que a Suécia, ou vice e versa. É só que em alguns momentos quando eu to caminhando no meio do gelo penso tanto no sol e calor do Brasil que me dá uma deprê… Quando to no meio do Nordstan e sei que ninguém me conhece e que eu não conheço ninguém no meio daquele povão, me sinto imensamente sozinha e me dá uma deprê… Eu posso entender todo mundo e me fazer entender no sueco, mas em alguns momentos perco o timing e sou a ultima a rir da piada. Isso também me dá uma deprê… Ninguém me mandou embora do Brasil, e eu vim parar aqui porque quis. E isso também me deprime!

Eu já passei por aquela de “odiar” de verdade tudo que a Suécia representava para mim: salmão, batatas, vegetarianos, frio e neve; e por isso mesmo sei que esse sentimento agora, esse saudosismo não tem nada a ver com isso. Eu tenho uma vida aqui tão boa quanto a que eu tinha no Brasil – poderia até sublinhar que em algumas questões é até melhor, como a questão do trabalho: eu gostei muito de estar assistente social no Brasil, ser funcionária pública e trabalhar em uma prefeitura; mas agora eu tenho desafios grandes no meu trabalho – seja por causa da língua, seja por causa do trato pessoal; uma coisa com a qual estava sonhando antes.

Racionalmente, eu sei que não é culpa da Suécia. Somente porque eu moro na Suécia posso comemorar uma série de coisas que, se não são realmente fantásticas são, ao menos, peculiares: a neve deixa tudo mesmo lindo (estou apaixonada!); eu tenho família em dois lugares extraordinários do globo, e; eu to falando sueco! Hahá, apenas cerca de 9 milhões de pessoas no mundo podem dizer isso!

To numa situação tipo elástico: fico pensando que seria maravilhoso ter todo mundo de “lá” aqui, ou pegar todo mundo “daqui” e levar para lá… simplesmente impossível. Dai que o impasse continua…

Por isso tem dias que eu odeio a Suécia… mas em todos os outros, eu amo de paixão!!