Diário Caipira-157

Hoje nos perguntaram, a mim e ao Joel, quais os maiores desafios que passamos pra manter a relação. Houve muitos momentos de impasses, mas a pergunta partiu de um casal formado por um sueco e uma latina. Em outras palavras, quais foram as maiores dificuldades por causa das nossas culturas tão diferentes.

Me deu um branco. Eu sempre penso em choque cultural e suas diversas ondas e pegadinhas. Mas, em se tratando da relação com um sueco em si eu penso que não tem uma coisa em especial. Eu acredito que qualquer relação tem suas dificuldades e que são sempre dois mundos diferentes que se chocam e se misturam.

Obviamente que houveram encruzilhadas que foram mais assustadoras porque a relação é com um sueco. O momento de solicitar o visto, por exemplo. Eu me tornei super dependente de um cara que, mesmo que eu estivesse super apaixonada, ainda era uma caixinha de surpresas. Ainda é, mesmo depois de dez anos juntos. Isso é emocionante. A chegada dos filhos acentua nossas diferenças, assim como os dias corridos por causa da rotina em família.

O próprio significado de família é diferente para nós dois. Assim como a questão do espaço pessoal. De como eu recarrego as baterias. Mas apesar disso eu sempre preciso me perguntar: será que somos mais diferentes por eu ser brasileira e ele sueco do que se fossemos ambos do mesmo país?

Há certas coisas que eu jamais vou entender porque elas fazem parte do consciente coletivo sueco. Tipo, as brincadeiras e jogos que toda criança sueca experimenta. A escola na Suécia – que deixa a gente fazendo de conta que entende o que está acontecendo com as crias quando eles estão lá – ou os verões na Suécia. Essas coisas óbvias que ninguém precisa contar para um sueco, da mesma forma que ninguém precisa contar pra mim a sensação de comer fruta do pé. Ou mesmo o saco que é ter de limpar o quintal justamente por causa delas.

A gente vai aprendendo que existem uma série de mau entendidos que a gente nem tinha ideia que só acontecem porque temos culturas diferentes. Um exemplo infame: sempre que eu perguntava “Você quer?” oferecendo comida para o Joel ele comia tudo. Simplesmente tomava minha comida e não devolvia. Até que eu entendi que eu deveria perguntar “Você quer dividir comigo?” Ou “Você quer um pedaço?”.

Ainda estou pensando na pergunta… quem tem um relacionamento com um sueco, o que vocês acham que foi o maior desafio no relacionamento com uma pessoa de outra cultura?

Diário Caipira-cento e alguma coisa

Eu vou ter que parar de enumerar os posts porque nunca me lembro o número do último que escrevi.

Hoje estava fazendo panquecas e refletindo como a vida da gente muda em certas coisas quando a gente mergulha em uma outra cultura: panquecas, no Brasil, eram feitas para serem recheadas com carne, depois cobertas com muito queijo e molho… aqui, panquecas são recheadas de chantilly e alguma geleia. Mesmo assim podem ser um almoço, sozinhas.

Lembro quando me sugeriram isso pela primeira vez: comer panquecas para o almoço num café na cidade. E a minha deceção ao receber um prato com duas panquecas, chantilly e geleia ao lado.

O mais interessante é que hoje, enquanto fazia as panquecas na frigideira, minha mãe perguntou se eu iria rechear com carne ou a gente comeria à sueca. Ri comigo mesma. Depois de 10 anos aqui, panquecas “à moda sueca” são apenas panquecas. E tenho certeza que se eu dissesse aos meus filhos “vamos rechear panqueca com molho de carne moída?”; eles responderiam em uníssono:

– Eca!

Três anos de Suécia e mais do mesmo

Eu completei três anos de Suécia em abril mas… olha só como é que as coisas vão mudando de prioridade na nossa vida não é? Logo que mudamos vamos contando os dias, as semanas, os meses, as novidades, sempre e com bastante detalhes. Depois a gente vai deixando isso de lado. Não porque não passemos por situações inusitadas, mas simplesmente porque – no meu caso – eu me acostumei a ter um choque cultural com tudo.

Essa coisa de choque cultural… pá, eu lembro de que quando li sobre isso imaginei que seria mais ou uma menos como um tombo, uma ducha de água fria ou um tapa na cara; que viria assim e pau! Eu sentiria tudo de uma vez e com bastante intensidade. É assim às vezes, mas o fato é que não chega tudo de uma paulada só. Vem a prestações, daquelas em que os juros são flutuantes. Às vezes é só um desconforto, às vezes é angustiante. Nesses momentos dá vontade de jogar tudo para o alto e dizer: cansei dessa brincadeira, eu quero voltar para casa!

E foi isso que eu fiz. Grávida, desempregada e me sentindo o koo do mundo cheguei chorando para o Joel e disse que estava cansada dessa merda de país e que queria voltar para casa. Sorte minha que ele é louco para morar no Brasil. Azar o meu que tudo não é tão simples como fazer as malas, comprar um bilhete e zarpar – ou melhor, voar – para o lado de lá. Mas a bem da verdade é: três anos de Suécia não me fazem amar esse país, não me fazem idolatrar essa riqueza, essa segurança, as facilidades e essa perfeição absurda que me cerca. Três anos de Suécia apenas me levaram a simples constatação de que eu sou, definitivamente, o estranho no ninho.

Nota: acho fabuloso gente que mudou para cá e vive bem e feliz. Quem conseguiu entrar no ritmo e está saboreando intensamente cada pedacinho dessa terra cheia de novidades é que está certo porque dispensa dramas desnecessários, dores de cabeça e desapontamento. Vocês tem meu respeito.

Ainda ontem comentei que minha vida na Suécia ainda parece estar dentro de uma bolha. Quando voltei para cá em abril lembro dessa sensação ser muito forte nos primeiros dias: essa paisagem ao meu redor é familiar, mas parece muito a cena de algum filme que eu vi. Eu poderia ser o personagem de algum suspense tenso, daqueles que você espera durante o filme inteiro que algo aconteça e no fim…  não havia nada para acontecer. Talvez essa sensação de estranhamento venha porque de forma inconsciente eu sou a espectadora a espera dessa alguma coisa e não percebi que essa alguma coisa acontece todo dia, mesmo sem ser extraordinária.

Ainda é uma dificuldade muito grande me conectar com suecos. Já desisti. Às vezes me chateio imensamente com isso – ontem foi o caso – mas na maioria dos momentos somente aceito que não rolou e ponto. Eu tenho outros latinos a minha volta, outros estrangeiros e brasucas com os quais é muito simples conversar, marcar um encontro, falar ao telefone ou simplesmente mandar um recado no facebook. No final das contas pode ser que os suecos com quem eu convivo acreditam que estejam super conectados comigo – mas eu não sinto isso. Eu sou quem liga, quem convida para sair e quem tenta manter a conversa animada – sempre. Se eu não fizer, fico no vácuo eterno.

A sensação de solidão é constante.

Quem sabe isso mude agora que eu tenho um emprego e que eu vou estabelecer uma certa rotina na minha vida afinal, quando se tem muito tempo para coçar se acha até chifre em cabeça de cavalo. Quando converso com outros brasileiros a respeito da minha insatisfação em morar aqui eles só sorriem e dizem que assim que eu tiver meu filho minha cabeça vai mudar, eu vou priorizar outras coisas que eu não posso ter no Brasil. Eu me pergunto quais são as minhas prioridades e, sinceramente, ainda não entendi porque elas vão mudar assim que meu filho nascer. Ao contrário, antes de engravidar eu pensava que a Suécia seria um ótimo lugar para educar uma criança. Já desde que engravidei tenho enormes dúvidas. Quem sabe seja isso que acontece com tantos pais pelo mundo afora – e pelo Brasil também – principalmente aqueles que me escrevem querendo saber como mudar para cá porque querem dar um futuro melhor aos filhos – afinal o Brasil anda assim, assado, frito e cozido – e parece que ninguém gosta desse combinação.

Não sei o que responder. Provavelmente minha insatisfação venha porque não me acostumei com o estilo de vida sueco. Talvez seja birra ou minha eterna teimosia que me faz reclamar sempre… o fato é que quando alguém me escreve no seco com “eu quero pelo amor de Deus ir embora daqui!” (do Brasil) minha única vontade é dizer “eu também pessoa… vamos trocar de lugar?”

Qualquer dia desses enfio o Joel numa mala e o nome do blog muda para “de volta para minha terra”. Pena que o programa do Gugu acabou.

 

Assentando a poeira

Depois das férias no Brasil, volto para a casa com aquele sentimento de perdi alguma coisa e não sei o quê.

Me irrito fácil com as pessoas daqui. Primeiro, que tô cansada de ouvir outros brasileiros repetirem para mim que o Brasil é ótimo para passar as férias. Sério, vou ser mau educada agora: engulam suas palavras. Eu gosto realmente do Brasil como país, não estou de boa largada na praia curtindo água de coco (adivinhem se eu não tive que consultar o pai dos burros para ver como é que se escreve coco – do coqueiro?) para dar um tempo da minha vida badalada na Europa. Vou para casa curtir minha família, meus amigos e todos os eventuais problemas que isso represente. É certo que não estou trabalhando, não estou estudando e não estou sendo cobrada de nenhuma responsabilidade. Mas todo o mundo ao meu redor está. Ou vocês acham que eu passo um mês no Brasil e enquanto isso todo mundo está de férias comigo? É certo que vou para uma cidade pequena, mas ninguém faz uma parada e é decretado ponto facultativo porque a Maria Helena chegou não. A vida continua, e eu vou acompanhando do jeito que dá aqueles que eu amo. Acho um saco gente que fica me tratando como se eu fosse alienada só porque eu moro no interior – tão bonitinha ela, tão ingênua… – porque eu tô feliz de ter ficado na roça, no Brasil – o pior país do mundo segundo os brasileiros. E antes que algum leitor fique achando que é indireta, eu explico: meus queridos leitores, eu não vos conheço, e vocês não me conhecem. Se alguém achar que eu sou uma alienada, está ok porque eu só estou escrevendo sobre uma parte de mim aqui.

Falando nisso, eu acho que quero morar no Brasil se algum dia eu ficar grávida de novo. Em duas semanas já me tornei o barrigão invisível aos olhos do país super organizado e progressista Suécia. É verdade, eu sou uma pessoa carente que precisa muito de atenção, afirmação e bajulação 24 horas por dia. Meu marido tem que trabalhar então essa bajulação tem que vir de algum outro canto quando ele não está comigo e adivinhem? Meu estoque de “sinta-se o máximo por causa da gravidez” já está quase no fim. Sorte minha que conheço uma sueca louca por crianças (que amou estar grávida e que acha a experiência da maternidade a coisa mais sublime do mundo) e um par de brasileiras porretas que ficam me amaciando via whatsapp e facebook. Eu quero tanto falar sobre fraldas, parto e o carrinho que a gente comprou para o bebê. E a reforma que está quase pronta e aí finalmente vou poder montar o quarto. Mas é só eu adentrar esse assunto que a coisa já muda para a crise na Ucrânia, estupro coletivo de mulheres, o racismo, as eleições para o Parlamento Europeu. Quer saber? Eu também uma vontade enorme de gritar histericamente com essas pessoas. Eu estou grávida apenas por 9 meses. Eu quero compartilhar esse momento – que está sendo tão bacana para mim – falar dos meus medos, dos meus receios e das minhas escolhas. Mas não tem ninguém para escutar porque isso é secundário. O resto é mais importante.

Merda não é. E é por isso que tem tanta gestante achando uma bosta ficar grávida. Você se torna um saco enorme de peidos que vai inflando e inflando – tanto por causa das reviravoltas intestinais como hormonais, somada ao crescimento do bebê – que apesar de tudo é invisível. Eu sei que tem um monte de gente que está tentando desmitificar essa coisa de que “ser mãe é padecer no paraíso” e esse é um movimento importante. Mas porque é que a gente tem que transformar a gestação em uma merda e todo mundo tem que entrar no clube do “ser mãe é um mal necessário”? Eu não me importo de que passem a mão na minha barriga, o corpo é meu mas eu vejo isso como carinho e não invasão. E se alguém vier com algum conselho furado eu vou sorrir e dizer obrigada. Não preciso ficar indignada e já ajuntar cinco pedras na mão “porque as pessoas acham que tem o direito de se meter na minha vida porque estou grávida e não é bem assim”. Não é bem assim mesmo! Por que o mundo se tornou tão ranzinza e ninguém pode curtir um pouco  a vida?

Lá na minha cidade do interior eu fiz isso. Nada de Putin. Nada de grandes conflitos mundiais ou crises sociais. Só a vida mesmo como ela é, e principalmente, a vida que vem crescendo em mim como centro das atenções. Nada mal para uma pessoa carente não acham?

E para mudar o foco um pouco da coisa – mas não muito – eu não me conformo com o gosto da comida  nesse país. Acho que quem mora em cidade grande no Brasil sinta o mesmo que eu – ou não, e as feiras ao ar livre tenham muitas opções de comida boa – mas eu fico triste de tentar fazer comida às vezes. E o pão já me dá nojo e o café também. Pra quem acordava as seis da matina todo dia por causa do cheiro maravilhoso de café recém passado na cozinha, to na miséria do iogurte, suco e algumas frutas – maçãs aqui tem um gosto bom. Feijão e arroz funcionam bem também – viva o feijão nosso de cada dia. Mas saladas, carnes e verduras – em geral tudo que é muito gostoso quando é fresco – tem um gosto estranho. E me desanima. Se ao menos comer não fosse tão importante para mim. E não é só agora que estou grávida, sempre foi; mas comida aqui tem gosto de papel.

Tudo culpa da minha mãe, que é a melhor cozinheira do mundo. Saudades de comida caseira de verdade…

 

 

Brasil, meu Brasil brasileiro

Tô em casa.

E sim, eu sei que a minha casa fica na Suécia. E que a minha vida é na Suécia agora. Tanto, que já em Paris quando eu estava prestes a embarcar no voo para Sampa senti que tudo estava diferente. E na verdade, senti um pouco horrorizada que a coisa que mais estava diferente era eu mesma.

Suequizei demais os últimos meses. Para meu próprio horror estava me sentindo incomodada com tanta gente falando alto, e falando merda. Esse povo nunca fala com coisa… pensei. E aquela impaciência típica de brasileiro que nunca faz o que está no protocolo: não espera o avião taxiar para começar aquela busca desenfreada pelas malas; não obedece nenhum sinal de apertar os cintos; fica gritando com o conhecido que não sei porquê foi parar cinco filas de banco mais atrás (ô fulano,  você viu a oferta de não sei o quê lá na Duty Free?).

Que merda. Que vergonha. Não dos outros, de mim mesma. Vivo chateada porquê todo mundo fica diminuindo brasileiro o tempo inteiro, por causa da fama de bagunceiro, por causa da fama de preguiçoso, por causa da fama de gente que não quer nada com nada. E lá bem no fundo me senti com a mesma impressão. É tipo um choque cultural ao contrário. Que feio.

Foi só quando desembarquei de verdade é que relaxei. Demorei quase doze horas dentro de um avião e precisei de doses de brasileirice o voo todo para conseguir jogar fora o meu eu sueco. Estava esperando um aeroporto caótico (por causa do carnaval) mas a coisa estava tranquila (e posso dizer isso porque já passei por Guarulhos em um dia 03 de janeiro). E tanta gente feliz! Apesar de estarem trabalhando durante o carnaval. É um contraste absurdo: sair de um inverno cinza na Suécia em que todo mundo anda de cara amarrada e desembarcar num país em que até a polícia federal fica fazendo troça… aff, como é bom!

Fiquei fazendo uma série de comparações. Já trabalhei com suecos em feriados importantes como o Midsommar. Definitivamente, trabalhar em feriado na Suécia é igual a trabalhar com substitutos (quem tem trampo integral cai fora pra aproveitar) ou gente meio de carra amarrada. Quem trabalha feliz nesse dia trabalha feliz só porquê recebe quase o dobro do salário por hora. E mesmo assim, o que acontece é que os suecos que trabalham em feriado falam mais ou menos “que eu não queria trabalhar, mas alguém precisa trabalhar e eu vou receber o bônus”. Sorriso amarelo. Eu fiquei me perguntando se os faxineiros que trabalham no aeroporto em Guarulhos, por exemplo, recebem o dobro do salário por hora por trabalhar em dia de carnaval. Estavam bem felizes, em todo o caso. Vai ver que eles recebem né?

E eu tomo um susto quando a guria do check in da Tam me olha e me diz meio zangada: “senhora? senhora? a senhora está grávida? por favor dirija-se a fila preferencial”. Aí é que eu percebi que o tom de voz dela não era para mim, mas era para lembrar aos outros que eu devia passar primeiro. Passei cinco meses e meio grávida na Suécia e as poucas pessoas “estranhas” que ousaram enxergar a minha barriga foram estrangeiros. Já aqui todo mundo enxerga que eu tô grávida. Gente que eu nunca vi na vida me olha e me sorri, e me deseja felicidade. “Parabéns pelo bebê” é uma constante. No guichê da companhia aérea. Na recepção do hotel. Na fila do mercado. Fui tomar um sorvete e uma mulher ao meu lado me disse que eu estava uma grávida linda. Assim do nada, ela não me perguntou: você está grávida? Ela só disse: você está muito linda grávida… sabe o que é? E eu: um menino (eu não tinha contado ainda Aparecida!). E ela: ahhh parabéns! Eu quero muito ter um menino!

E na minha cidade em que todo mundo sabe da vida de todo mundo parece que o pessoal não tá muito interessado na minha vida não. Hahahaha! Ao menos muita gente não sabia ainda. “Oi Maria! Passeando na casa dos pais! E esperando um suiçinho!!! Parabéns!”. Sim, eles ainda acham que eu moro na Suíça. Mas eu já nem explico mais. Porque se eu explico que eu moro mesmo é na Suécia a pergunta seguinte ainda é se eu já sei falar alemão. Sorriso amarelo. “Quase… tô aprendendo!”.

Nesses dois dias passados em casa já me sinto mais eu mesma. Já fiz papo furado com mais gente do que fiz o inverno inteiro na Suécia. Já falei da Copa do Mundo, do governo e da falta/excesso de chuva. De mudar para fora do país. De como a vida aqui é boa (puxa como é bom encontrar gente satisfeita com a vida que tem!!!). De livros. De poeira. Terra vermelha. Da calma da cidade. Da falta do que fazer. Do excesso do que fazer. De vida nova. De gravidez (com muita gente). De morte. De comida. De energia solar. Piadas (fiquei pensando: nunca ouço piadas na Suécia!).

E lembrei de um texto não sei de onde, que não sei quando li, que falava de como a gente ainda vê o Brasil com um país de selvagens que precisam ser civilizados. Acho que não há forma melhor de definir esse “choque” que eu senti no contato com a minha própria cultura do que esse pensamento. Eu vivo num mundo “civilizado” ao extremo. Politicamente correto – o que é bom. Eu sou a favor do politicamente correto – principalmente o quesito respeito as minorias. Mas não é disso que eu tô falando. O civilizado é o jeito meio robótico que todo mundo vive no lado de lá. As pessoas respeitam a fila. Ninguém fala alto. Os cachorros não ladram. Quase não há lixo pelas ruas (há sempre muito lixo pelas ruas assim que o inverno acaba, mas no geral, as ruas são muito mais limpas do que são as ruas brasileiras). Não há cidades transbordando de gente. E aí o transporte coletivo funciona. E não há engarrafamentos enormes. Ninguém “foge” as suas responsabilidades. Ninguém caga fora do pinico. Tudo funciona com a precisão de um relógio suíço. Mas eu moro na Suécia ok? Só para deixar claro…

Será que quando conseguirmos civilizar os selvagens brasileiros, não vamos sentir falta de toda essa “zona”?

Será tabu?

Dias atrás eu comentei que as grávidas suecas costumam esperar no mínimo até o término do terceiro mês para compartilhar a notícia de que estão esperando, às vezes até mesmo nem os membros mais próximos da família sabem. Eu fico imaginando como é que é que ela escondem os enjoos, o cansaço e outros trelelês que são comuns nos primeiros meses de gravidez entre as mulheres em “estado interessante”.

Eu liguei para a família (tanto a brasileira como a sueca) no mesmo dia em que descobri. Mandei sms para as amigas no Brasil (quase matei algumas do coração!) ou recadinho no facebook, além de mandar um sms para o pessoal próximo aqui também. Recebi um monte de recadinhos de volta, sms e também mensagens pelo facebook, com congratulações. Estava me sentindo a própria rainha da cocada preta.

Eu acho que essa parte de contar para todo mundo é tão legal: não tem uma pessoa que fique triste. Eu lembro que uma das minha colegas de trabalho ficou tão emocionada que chorou. Me deu um abraço forte e disse que desejava paz e bem para mim e a criança. Me deixou emocionada também. E encucada… por que as suecas não compartilham do seu “estado interessante” logo que o descobrem?

Uma das coisas que ouvi por aqui é que o pessoal quer ter certeza que a criança vai “vingar”: segundo uma pesquisa de 2010, cerca de 12 mil suecas perdem seus bebês a cada ano, o que significa que entre 10 e 35% das gestações (a estatística varia de acordo com a idade da mulher) terminam antes do terceiro mês. Isso não é muito comparado com os números de abortos provocados na Suécia. Em todo o caso, não estou aqui para retomar aquela discussão e nem para estabelecer um juízo de valor, mas a impressão que tenho é que há um tabu gigantesco em torno do aborto espontâneo.

Uma das primeiras vezes que encontrei uma grávida aqui ela estava no quarto mês e com uma barriga aparente. A gente foi a uma festinha de uns amigos e a guria estava lá, para cima e para baixo com super cara de grávida mas o resto do povo tava assim… sei lá, como que ignorando o “estado interessante” dela… É difícil explicar. Eu perguntei ao Joel se ele sabia se aquele casal estava esperando, e ele só riu e disse que não sabia, que provavelmente ela estava gorda. Daí foi a minha vez de rir: gorda? Com aquela barriga de grávida? Sem essa. Lá pelo meio do jantar o casal levantou e informou aos presentes a gravidez da guria. Achei aquilo super surreal – um monte de gente fazendo cara de surpresa, um monte de vivas e tals e o clima do ambiente mudou, com toda a mulherada passando para abraçar e cumprimentar a futura mamãe… super cara de pau ou sei lá, respeito?

Ou vai ver que o pessoal na Suécia é como o Adão aqui...

Ou vai ver que o pessoal na Suécia é como o Adão aqui…

Recentemente um casal de amigos próximos “engravidou” e eu fiquei super surpresa quando a guria me contou mas pediu que eu não comentasse com outras pessoas, pois eles estavam dividindo a notícia apenas com os mais próximos. Me surpreendeu eu ser uma entre “os mais próximos”, mas também o fato de que eles não queriam que muita gente soubesse porque “a primeira gravidez a gente nunca sabe… há um risco grande de aborto espontâneo”.

Obviamente, a questão é choque cultural… mas eu ainda fico imaginando se não há um grande tabu por detrás dessa história toda. A impressão que levo é que perder uma criança aqui é tão ou mais chocante do que no Brasil, onde ser mãe é ainda uma questão imposta pela sociedade, não uma escolha. Aqui, apesar do debate em relação a questão ter versus não ter filhos parecer estar mais avançado, ainda é chocante que mulheres não possam levar adiante uma gravidez – tanto que elas guardam o fato somente para si e os mais próximos. É claro que cada um tem o direito de dividir o que bem quiser a respeito da sua vida, mas se a gravidez é um motivo de alegria para o casal, por que esconder? Suecos são mais reservados, em todos os casos. Só não entendo gente que tem uma super barriga e ainda disfarça que não está grávida.

Uma das minhas cunhadas me perguntou se eu queria que a minha gravidez fosse um segredo até o terceiro/quarto mês da gestação e eu respondi que elas poderiam comentar que seriam tias para todo mundo  porque eu não entendia essa coisa de “esconder a gravidez” – se eu perder a criança, quero que as pessoas que estão ao meu redor e gostam de mim possam me apoiar; não quero virar uma mártir solitária. Aí ela comentou que também não entendia isso, que parecia que era feio uma mulher perder o bebê… eu fique surpresa por ela dizer isso e começamos a discutir um pouco a questão. Todo mundo que eu conto a respeito da gravidez fica surpreso por eu dividir isso assim (puxa, tão cedo… você ainda nem completou o terceiro mês!), mas eu ficou enjoada toda vez que abro uma geladeira (agora tá melhorando!), recebi uma lista enorme de coisas que não devo comer durante a gestação e aí? Como é que explico que a louca por carne aqui de repente parou de comer presunto? Seria lindo dizer que estou apoiando a causa de ativistas contra os maus tratos animais mas, a bem da verdade é que, apesar de eu respeitar o trabalho deles, quero mais o meu pedaço de bife suculento no prato. Ao invés de ficar de mimimi é muito mais simples dizer simplesmente: estou grávida. Só que na cultura sueca o buraco é mais embaixo…

Tô viajando na maionese? Será tabu? Ou só mais uma questão de choque cultural?

Essa tal adaptação…

Esse fim de semana fiquei folgada em casa. Deixei um tempo para mim, resolvi me curtir acima de tudo. Eu li esse post aqui da Wilqui Dias e comecei a refletir um pouco sobre a minha própria situação… em resumo: será que eu vivo mais no virtual do que no real?

Fato é que é muito, mas muito mais legal ficar por aqui (blog, facebook, e-mail), falando com gente como a gente (estou sendo bem caipira agora, ok?) do que encarar algumas atividades do mundo real. Por exemplo: sexta a noite fomos dançar salsa com mais dois casais amigos e… eu me sinto um peixe fora d’água, eu sou a pessoa estranha do grupo. Não porque alguém me trate diretamente assim, mas porquê eu não to seguindo a conversa, porquê eu me sinto feia para caralho em roupas suecas (e quando uso roupas que trouxe do Brasil não ajuda muito também), porquê tá todo mundo falando de um assunto que eu não posso acompanhar (não tenho nada o que acrescentar) e porque de repente eu sinto que meu cérebro parou de trabalhar em sueco e volta para o português.

Eu não tenho o mesmo problema quando estou no meio de brazucas: não importa como estou vestida, não importa do que estamos falando (a Vânia bem sabe que o mais difícil então é me fazer ficar de boca fechada!), só e simplesmente não importa o exterior porque eu me sinto tranquila, bem, confortável – estou em casa, digamos assim. Sábado fui testar capoeira com um grupo de brazucas daqui e puxa, me senti tão bem, dei muita risada, fiquei feliz. A noite veio um povo (sueco) assistir filme em casa com a gente e eu… sei lá, parece que tenho que colocar o modo “lagom” em on e dai… lacou-se: não fale alto demais, não ria alto demais, não seja intrometida, não seja machista, não seja amante de carnes e açúcar, não goste de massa branca…

Tenho problemas com essa questão do politicamente correto sueco. Encontrei tanta feminista chata logo que mudei que cheguei a conclusão de que era machista. Sofri um monte porque me descobri uma mulher machista na Suécia e no fundo no fundo, também sou feminista; a diferença é que não sou chata nunca tive problemas com meu pai e não sou ativista. Sou a favor dos direitos das mulheres, da igualdade entre os gêneros, ao respeito ao corpo da mulher, do combate a violência contra a mulher mas não fico pregando isso e apontando o dedo na cara de outras pessoas e avaliando o quanto feministas elas são ou não devido ao tipo de sociedade em que foram criadas. Além dessa questão, não raro escuto piadinhas do tipo: a Maria é contra os vegetarianos porque ela adora carne. Sim, eu amo um bom pedaço de bife, mas não tenho nada contra vegetarianos e veganos, tanto que, se eu tivesse um pouco de disciplina entraria numa vibe dessas pelo menos por um ano só para reeducar minha alimentação. Convidei uma amiga vegano para um fika aqui em casa e fiz um bolo de chocolate sem leite e sem manteiga para a gente, e foi gostoso. Sem falar que os próprios vegetarianos/veganos nunca ficam me azucrinando por gostar de comer carne.

Ainda assim eu me sinto um elemento errado no meio de um cultura perfeita… Daí eu fico pensando no post da Wilqui, ainda, e me pergunto: será que se eu não tivesse tantos contatos brasileiros, o blog, um mundo virtual “mais interessante”, seria melhor? Seria mais fácil? É a questão da língua que me deixa a margem do grupo? Meu não ativismo social (pela paz do mundo, o direito das mulheres, a conservação do meio ambiente, o direito dos animais)? Minha falta de conhecimento sobre política sueca? É porque eu gosto de carne vermelha mais do que de peixe? É porque gosto de de gordura e de açúcar? E ainda por cima não pratico um exercício físico regularmente!

Afinal, eu tenho que deixar tudo isso para me adaptar? Eu tenho que “virar” politicamente correta para ser aceita por aqui? E/ou, até que ponto eu estou me excluindo porque gosto mais do meu outro mundo?

Isso tudo e eu nem estou com TPM.

Essa coisa de choque cultural…

Ontem apareci no blog “Minha Aquarela” da Cíntia lá de Stockholm. A Cíntia deu um pulinho aqui em Göteborg e para minha alegria eu estava de folga aquele fim de semana – é, quem muda para a Europa fica rico de tanto trabalhar no final de semana: não pode festar e nem tomar cerveja, daí além de ganhar os pilas do dia trabalhado economiza todo o dinheiro que iria para alguma festa – e pude encontrar com ela e tagarelar por uma meia hora lá na Central Estação. Foi bem legal mas como a cabeça de vento aqui nunca tem a máquina fotográfica junto (alguém reparou que esse blog quase não tem fotografias?) esperei a Cíntia contar do nosso encontro que afinal, foi ela que registrou. Dê uma passadinha aqui quem quiser saber todo os detalhes a respeito da incrível experiência de encontrar uma caipira no exterior!

Quem já conhecia o blog Minha Aquarela – e talvez acompanhe por algum tempo – tenha lido esse post aqui quando a Cíntia conta um pouco a respeito de como os suecos encaram ficar doente. Eu percebo essa questão da seguinte maneira: primeiro que se você ficou doente (na Suécia é melhor que) fique em casa; e, segundo, espere para tomar remédios e não corra atrás de médicos, deixe seu corpo aprender a reagir.

Eu até concordo com a última, mas a primeira me dá nos nervos! Não porque eu possa ficar em casa para descansar, acho que seria legal ter essa possibilidade no Brasil também (não se sente bem, ligue e avise dizendo que está passando mal). Acho importante sublinhar que esse dia de “descanso” não é pago e que faltar ao trabalho dias a fio sem atestado médico significa olho da rua tanto quanto no Brasil. O que me incomoda com relação ao “fique em casa” é que suecos tem um medo tão absurdo de contágio que nem chegam perto de pessoas doentes.

Seja fruto de séculos sobrevivendo a mais incontáveis pestes, seja somente uma questão cultural, isso me choca bastante. Eu consigo entender a lógica da situação, a racionalidade do costume e os efeitos positivos que um comportamento como esse traz para a sociedade. Por exemplo: descobri que uma pessoa com suspeita de rubéola na Suécia deve ligar para o posto de saúde antes de se dirigir para lá porque se houverem mulheres grávidas no local elas serão deslocadas para um quarto seguro de forma a evitar o contato com o possível cidadão contaminado pelo vírus; pessoas com suspeita de terem contraído o HIV ou AIDS devem deixar uma lista dos nomes dos parceiros e os mesmos serão intimados judicialmente a comparecer em posto de saúde para exames. Mas quando o caso é menos complexo me dá… uma coisa esquisita, é como se fosse uma maneira de exclusão, fracos e doentes ficam a margem enquanto os saudáveis continuam na dança…

Talvez isso seja fruto de uma educação de cunho religioso, aquela coisa de ajudar e acolher os doentes e por causa disso eu ache que é meio esquisito ficar sozinho em casa (sim, é preciso relembrar que a maioria dos suecos moram sozinhos) doente, com febre e sofrendo. Eu não tou dizendo que eu daria uma de São Francisco – que lavava os leprosos com água de bacia e ao final do rito tomava a tal da água – porque eu também me incomodo ao ter um estranho tossindo as tripas na minha direção ou espirrando até os pelos do nariz fora, mas o povo aqui tem o costume de nem ver os parentes – nem mesmo a mãe – para não contagiar outras pessoas.

E eu penso na minha mãe, que hoje tá de aniversário (eu te amo mãe, espero que você tenha tido um dia super especial) e que fazia meu pai ir buscar a gente para ficar de molho em “casa” – na casa deles. E tomar suco de cenoura e aquela gororoba de beterraba e açúcar mascavo – eu odiava isso! Mas era tão bom! – e então todo mundo ficava fazendo ares de enfermeiro em casa, um irmão querendo cuidar mais do outro, e brigando para roubar a atenção, aquele retetê todo…  e se todo mundo ficasse doente, que ficasse!

Claro que nem toda a família se entende, e que nem todo amigo é tão ligado no outro a ponto de querer fazer companhia para uma pessoa ranhenta.  Mas ainda acho estranho pacas ficar doente e sozinho.

Essa coisa de choque cultural…

Coisas de Caipira #02

To em casa… Putz que saudade que eu estava do meu canto! Tomei um banho super (tem gente que tem problemas para cagar quando está fora de casa, já eu tenho problemas para tomar um banho decente!), fiz uma comidinha da hora e gastei metade do português que acumulei enquanto estive fora (no trabalho é só sueco) com o Joel.

A vida é boa!

Quando eu trabalhava de faxineira nunca compreendia porque suecos – que tem fama e que realmente não tomam banho todos os dias em algumas épocas do ano – tem dois banheiros na casa, sendo um com uma ducha e um segundo com uma banheira; ou vice-e-versa. O que eu não vi nesse tempo é a sujeira em que o pessoal costuma deixar o banheiro… principalmente a ducha. Como a gente estava semanalmente visitando os clientes – ou no mínimo, quinzenalmente – sempre achei que o relaxo da coisa era por causa da dependência da Marinete aqui; tipo, não vou limpar, eu tenho empregada, ela vem em 3 dias e vai dar um jeito nessa bagunça.

O causo é que a família para que eu trabalho tirou férias mas os assistentes que querem vão junto (pessoas com deficiência tem direito à assistência pessoal mesmo quando viajam para fora da Suécia), e como eles vão passar um bom tempo na praia e também por sermos um grupo que trabalha com a mesma pessoa a empresa providenciou um apê para a gente morar – tipo, alguém foi para fora do país e alugou o apê com tudo dentro para a empresa. Cheguei lá e a ducha estava daquele jeito… Me dá um nojo tomar banho em banheiro sujo que vou te contar hein? E eu nem para ter levado meu havaianas junto. O problema é  que a “nhaca” não tá só no chão, no chão a gente dá uma lambuzada com o “mopp” mesmo, mas no resto… Moral da história: entro no banho com os olhos fechados e saio o mais rápido possível!

To tentando ler os blogs que eu gosto de “cabo a rabo”: já que tenho internet no celular eu posso rir sozinha enquanto to com a bunda no trem ou no ônibus. Hoje eu estava imersa  no “Boneca de Neve” – blog de uma portuguesa, moradora de Nyköping cujo nome é… Joana – rindo a beça por causa de duas coisas que ela contou: que quase morreu de susto quando uma senhora puxou conversa com ela  numa sauna, e que por ocasião de uma vacina chegou a conclusão de que os vikings não morreram.

Sábado passado eu estava no mercado comprando ingredientes para fazer um bobó de camarão e como eu resolvi fazer a coisa de última hora e não tinha mandioca ( mas ia fazer de qualquer jeito mesmo) seria com batatas. Aqui na Suécia as batatas que são mais moles depois de cozidas recebem o nome de “mjölig” (a tradução direta não faz sentido, então explicando: é um adjetivo para coisas que são fáceis de converter em farinha…); e estas são realmente melhores se a intenção é fazer um purê ou coisa do tipo. Mas eu não lembrava o nome, e lá estavam três variedades de batatas separadas e etiquetadas em seus saquinhos me esperando, enquanto eu tentava avaliar com une-dune-tê qual era a tal da batata macia (o Joel estava ocupado com um alce nesse momento, em outra história). Nisso aparece uma senhora com cara de mãe – ou cara de quem entende de comida – ou simplesmente com cara de sueca (ou seja, ela ia saber qual era a variedade da batata que eu queria) e eu viro para ela e…: Com licença, eu… Ela: Eu não sou funcionária do mercado. Eu: (Em pensamento: Jura? Achei que o pessoal do mercado tinha mudado o uniforme! Tá muito mais moderno!) Desculpe, mas talvez você pode me ajudar?! Eu quero fazer um purê de batatas, qual dessas variedades é a melhor? (com meu melhor sorriso). A mulher fricou me olhando uns segundos meio – sei lá – então monossilábica: Mjölig… Eu: Muito obrigada!

Lendo o relato da Joana hoje lembrei desse e outros eventos que já me ocorreram nesse ano e quase meio de Suécia. No Brasil eu nunca passei uma viagem de ônibus sem puxar conversa com alguém e eu sei lá se isso é coisa do interior ou o quê, mas quando não tinha ninguém para gastar o português simplesmente conversava com o cobrador do metropolitano. Aqui se você puxa conversa com alguém sem um “motivo” bem definido… passa como doido!

E a questão das enfermeiras “vikingianas”: a primeira vez que fiz um exame de sangue por estas terras a moçoila que fez a coleta foi tão jeitosa que eu nem senti a picada da agulha. A segunda vez eu fui toda confiante e voltei para casa com uma marca roxa ao redor da veia: não foi a mesma moça, e eu sei lá se essa guria que lançou a agulha no meu braço não estava praticando para os jogos olímpicos (lançamento de dardo), mas nunca senti tanta dor em uma coleta de sangue na minha vida!

Enfim, é maravilhoso ler as experiências do pessoal que esta aqui há mais ou menos tempo que eu e perceber que, apesar de emigrantes de tão diferentes partes do mundo temos em comum essa coisa do choque cultural mais ou menos brutal, sob diversas perspectivas.

O melhor de tudo é que sobrevivemos!!!

PS.: Para quem tem curiosidade de ler sobre a história de outros brasileiros espalhados na Suécia, os blogs que acompanho estão relacionados na coluna “Cumpadis e Cumadis”, ao lado direito do texto. Mais abaixo, na coluna “Coisas de Caipira” há alguns outros blogs de brasileiros espalhados pelo mundo (USA, Alemanha, Croácia, Noruega) de gente que acho que é engraçada e interessante de ler. Para quem quer mais, dá um clique na imagem “Mundo Pequeno”: lá você tem a lista dos blogues de brasileiros espalhados pelo mundo (curioso para saber como é a vida dos emigrantes brasileiros no Japão? Em algum lugar da África? Austrália? França? Tudo isso está lá!).

Porquê não mudar para a Suécia

Final de semana estive conversando com novos amigos brasileiros. Pra minha felicidade a Mari (do blog Mundo da Mari) veio conhecer Göteborg com o marido e mais uma família muito supimpa. O resultado foi para lá de positivo: demos um pulinho no castelinho de Haga e como estava chovendo – essa foi a desculpa – e nevando nos escondemos em um pub e demos altas gargalhadas. Sim, exatamente aquele tipo de gargalhada que atrai o olhar de todos os suecos sentados ao redor – rir alto não é lagom.

Conversa vai e vem, comentamos um pouquinho sobre a fantasia que muita gente tem que quem muda para a Europa muda para um reino de conto de fadas. Eu acho que mudamos mais para um tipo de Duloc – lembra do Shrek? Aquela musiquinha: “aqui em Duloc é tão bom viver, nossas regras já vamos lhes dizer: no jardim não pisar, todos cumprimentar, Duloc é especial. Na cabeça shampoo, lave bem o seu… pé! Duloc é, Duloc é, Duloc é especial!”

Funciona exatamente igual quando mudamos para um país perfeito. Esses países europeus onde a democracia impera, o machismo já morreu e todo mundo sabe na ponta da língua os seus direitos. Onde os políticos corruptos são presos. Mas também onde não é legal rir alto, dançar solto e nem chorar demais – isso é sinônimo de selvageria. Não é lagom. E é claro que você também vai querer fazer o que é lagom, todo mundo sabe o seu lugar na sociedade, todo mundo sabe que tem que contribuir. Um reino quase perfeito. Quase. Mas não porque o dono de Duloc ainda não é rei, e sim porque falta muita coisa que é comum aos nossos olhos.

Depois que passei esse dia especial com eles, fiquei quase deprimida. A última vez que ri tanto foi quando estive no Brasil. Me dá uma sensação de vazio enorme. Uma solidão. E eu nem posso pegar um ônibus e dar uma chegada na casa da Angela, tomar uma breja na varanda da casa e falar do infinito. Nem tomar um teres com a Lu enquanto a gente comenta as travessuras da Alana. Ou fazer um papo furado com a Maira por causa da falta de homem bonito e solteiro no mercado. Viver aquela montanha russa louca com os cabo de guerra familiares, que bem ou não resolvidos são esquecidos no minuto seguinte a base de um bom churrasco…

Aqui eu tenho internet melhor, transporte melhor, acesso melhor a cultura entretenimento e etc e tal. To conectada, como diriam muitos, com o melhor que a tecnologia tem para oferecer. Plugada no mundo e… sozinha. Conexões humanas zero. Eu e Joel contra o mundo. Que saco isso. Não tenho amigos suecos, todo mundo tem agendas cheias de compromissos consigo mesmos. Tenho “uns par” de colegas de trabalho, pessoal com quem é legal pacas confraternizar uns minutinhos, mas se for para botar as fofocas em dia ou chorar algum leite derramado, ainda ligo para o Brasil.

Talvez seja cedo para reclamar, talvez seja eu que não dou cola e bola para minhas relações suecas. Mas elas estão pobres, pobrérrimas (se essa palavra existe): fora Joel e família, não teria ninguém com quem eu posso contar. Volta e meia rola um dia desses no qual eu falaria para alguém mudando: fique lá, pense mais um pouco. Aqui chove demais (ainda mais quando a gente tá cansado e chateado), neva na primavera e o verão faz 15 graus C… E o pior: vai demorar mais de um ano para você ter amigos, se você não misturar com brasileiros e formar uma panelinha feliz.

Tem dias que a Suécia parece mais um sonho estranho, daqueles que a gente nunca sabe ao certo se foi bom ou ruim, um sonho que foi só… esquisito. Só um exemplo: tivemos quase 15 graus quando a primavera começou, agora desde sexta está frio, hoje chove (de novo) e neva e tinha um cervo no jardim da casa da avó do Joel. Ele parecia o Bambi com a bunda e o rabinho branco. Tudo louco e fora do compasso.

Eu posso estar e estou maximizando sentimentos aqui, nesse post. Mas isso é só para deixar bem claro que nas plaquinhas da Duloc sueca o “hahaha” é sempre escrito com letras minúsculas, e tem de ser comedido. Quem já leu ou está lendo sobre choque cultural vai dizer: ahhhh… É isso também. Choque cultural não é uma coisa que dura 3 meses. Eu ainda to dentro: tem dias para se maravilhar, e tem certos dias que dá uma vontade de chutar o lagom para Marte e mandar todo mundo a pqp, bando de gente sem sal e sem salsa. Depois eu me acalmo e acho que posso sobreviver.

Claro que posso.