Outono, escuridão e uma série de coisas esdrúxulas

Novembro é o mês mais difícil de se viver por aqui e felizmente não estou sozinha nessa percepção. O fato é que o outono começa lindo com uma explosão de cores na maioria das árvores e arbustos. Mas no final de outubro o horário de inverno entra em vigor, a maioria das árvores já perdeu as folhas e o tempo fica chuvoso, dando a sensação de que de repente as cores foram apagadas do mundo e tudo – ABSOLUTAMENTE TUDO – é cinza e escuro.

Dá um desânimo.

Eu ando duplamente aborrecida porque ando com problemas. Nada comparado aos problemas reais de mais da metade da população do mundo, estou enrolada na minha procrastinação e bastante chateada porque cheguei a conclusão de que após 4 anos e tralalá na Suécia eu ainda não entendo a língua. Hoje mesmo enquanto falava com a minha mãe – que aos 61 anos resolveu aprender inglês – afirmei que encontrar dificuldade para aprender um idioma é normal e que ela  não deveria comparar o próprio rendimento ao rendimento dos outros…

Pois bem, sabem aquela história do faça o que eu digo mas não faça o que eu faço? Por aí. Levei um ovo da minha chefe por telefone de graça porque não tenho a pontuação certa no sueco. E não estou me referindo a língua escrita mas sim a língua falada. No português usamos frases enormes em que as sentenças são separadas por vírgulas, as vírgulas significam pausas e as pausas não significam que terminamos a idéia da sentença. Ou seja, falamos muito para expressar algo em português, e quando pausamos não estamos terminando nossa frase, apenas tomando ar para continuar a explicação.  O que em sueco é meio inadmissível: você fala de forma curta e grossa. Pausas significam que você terminou o que estava dizendo, e se você quer indicar uma vírgula (ou seja, um peraí que tem mais) deve fazer uma inflexão bem acentuada da palavra – o que vai sinalizar ao seu interlocutor para que ele espere a conclusão da sentença.

Fácil, só que não. Levei um ovo de graça, enviei um email tentando consertar a situação e fui colacada no limbo do vácuo eterno. Aff… pra piorar, ainda não tirei a carteira de habilitação – já reprovei três vezes tentando – gastei tempo e dinheiro mas meus colegas de trabalho andam meio putos comigo. Eles acham que não estou me esforçando o suficiente e pode ser que eles tenhan razão. Não ando nem um pouco animada para investir ainda mais tempo e dinheiro quando não consigo a merda da carteira.

O  teste escrito é uma prova de 50 minutos com 70 questões das quais 52 devem ser respondidas corretamente para que você seja aprovado. A prova prática engloba seis quesitos – conhecimento sobre o funcionamento do veículo, conhecimento das leis de trânsito, direção defensiva, direção ecológica, ré e sua segurança enquanto condutor. Da primeira vez que fiz a prova teórica acertei 49, depois 43 e depois 51 – há. Da primeira vez que fiz a prova prática fui aprovada apenas no quesito segurança enquanto condutor – que é tipo se você consegue trocar as marchas sem olhar, não deixar o pé na embreagem, fazer curvas suaves e usar o freio de forma correta. A examinadora me fez perguntas a respeito dos pneus do carro e eu respondi de forma curta – aí fui reprovada em dois quesitos (conhecimento do veículo e das leis de trânsito) – depois eu dirigi muito lentamente aí ela disse que eu estava atrapalhando o tráfego, o que deixa outros condutores estressados e é perigoso (pois é…). Bom e eu nem sabia o que cargas d’agua eles queriam com direção ecológica. Mas ok, fui fazer o teste outra vez aí me fizeram as mesmas perguntas a respeito dos pneus do carro e eu soltei o verbo, falei falei falei e falei até ela me mandar calar a boca. Mas fui reprovada porque dirigi muito rápido, aí isso mostrava que eu não estava dirigindo defensivamente ou ecologicamente.

Fui fazer aulas para entender a merda da direção defensiva e ecológica e… continuo no zero. Porque os caras dizem  assim: dirigir defensivamente significa dirigir “lagom”. E aí fudeu né mano? Lagom? Faz todo sentido pra um sueco mas a mim não me diz nadica de nada. E a direção ecológica me explicaram da seguinte forma: faz de conta que tu tá num jogo onde você perde pontos a cada vez que você frear, então você vai usar freio motor. Ah, e também tem que pular as marchas – da segunda você finca o pé no acelerador até o motor ficar  250mil rpm e troca direto para a quarta. E tem que usar a 4a marcha quando estiver em 50, e a 5a se estiver em 70. E se entra na rodovia daí você pula a 2a, mete a terceira e finca o pé até o motor quase explodir e troca direto para a quinta. Meio confuso??? Capaz… isso é  moleza.

Eu dirigi 8 anos no Brasil antes de mudar para a Suécia. Não acho que era uma condutora perfeita porque a gente melhora com o tempo, vai adquirindo mais experiência e tals. Mas… essas exigências da prova prática aqui não fazem o menor sentido. Ainda mais porque quando você entra em Gotemburgo você vê a galera andando acima do limite de velocidade e fazendo cagada o tempo todo – tipo dirigir no sentido errado em uma rotatória (mas hein??? Já vi várias vezes com esses olhos que a terra um dia há de comer) ou parando em cima da linha do bonde elétrico ou não dando a preferência ao pedestre (é lei). A Suécia tem índices de acidentes de trânsito muito baixos então quem faz as cagadas todas naturalmente são apenas os imigrantes – ironia mode on. Tô bem frustrada com essa situação e penso seriamente em sair do trabalho para deixar de lado essa coisa com a carteira de habilitação. Ao menos até eu aprender o que significa lagom.

Mas nem tudo é escuridão e há tons mais claros de cinza.

Só preciso de umas doses cavalares de vitamina D.

Amanhã: Brasil!

Isso mesmo: amanhã estou chegando ao Brasil e estou tão ansiosa que sei lá o que eu faço comigo mesma (quem acompanha o blog sabe que essa coisa de não saber o que fazer comigo mesma é meio frequente, então… significa que eu vivo muitas emoções, todo o tempo – =P hahaahaha!). Decidi deixar registrado um status de como deixo a Suécia.

Fonte aqui

Essa semana a temperatura caiu de novo, ficamos na marca dos 5 graus em Göteborg e desde ontem parou de chover. Sim, pois há cerca de duas semanas atrás tivemos geada e muito frio (aqui quando a geada chega ela não some de um dia para o outro, como é o comum lá pras bandas donde vim), tanto que me obriguei a tirar meu super casaco vermelho de inverno do guarda roupa. Mas aposentei o bichim em seguida pois começou a chover diariamente (sim, choveu todos os dias nas últimas duas semanas até ontem) e as temperaturas subiram. Ontem, nevou em Stockholm mas eu não vi geada de novo.

Hoje fui a escola fazer uma prova (quase dormi em cima dela então nada de ganhar um A) e ontem foi meu último dia de trabalho antes da viagem. Saí de casa desprevenida e sentia meus dedos congelando enquanto eu empurrava a cadeiras de rodas do Zé e o Zé pela cidade, abaixo de chuva de pedra. Não, não somos masoquistas, é só que precisamos andar uns 50 metros até o ponto do bonde, e a chuva de pedra na Suécia parece mais chuva de feijão; são pedrinhas miudinhas caindo, nada comparado ao que acontece no Brasil.

Coisas que acontecem na vida de um assistente pessoal: o Zé queria fumar e saímos ao ar fresco para ele poder pitar o cigarrinho dele e daí uma senhora chega na minha frente, faz uma pose de espanto e choque e dispara o sermão do “como é que VOCÊ faz isso com ELE? Você não percebe que ele é doente? Meu Deus, meu  Deus…” Olha para mim com o olhar mais desaprovador da face da terra e vai embora. O Zé ri, eu suspiro. Já nem explico que a escolha é dele, que se fosse por mim ninguém no mundo fumaria… A ironia do destino é que uns minutos depois (quando ele já havia acabado o cigarrinho) chega um senhor e “Parabéns! Seu trabalho é lindo!”… é… Obrigado, tipo.

E eu preciso de sol. Não tenho nenhuma ambição de ficar morena não, preciso só e simplesmente de sol! Chove, chove e chove em Göteborg (parou ontem) e agora os dias começaram realmente a ficar escuros. Eu tenho uma lembrança forte com relação ao ano passado, e esse ano eu tenho a mesma impressão: não é que os dias comecem a ficar mais e mais escuros lentamente, é que em uma semana de repente o sol para de nascer as 7h da matina e só dá as caras as 8h. Esse fim de semana é Hallowen na Suécia e os relógios serão atrasados em uma hora para o horário de inverno… ainda assim,  continuará escuro.

Fico ainda mais feliz ao pensar que deixo a Suécia escura e fria para ir ao Brasil (tomara que não chova!) quente e ensolarado. Vai ter o aniversário do meu irmão mais lindo e Arrancadão de Tratores, sem falar que vou comer todas as gostosuras que minha mãe faz, e churrasco, e tirar os colos atrasados com meu pai, e andar a cavalo, e visitar o trabalho novo da minha irmã, e…

Acho que o blog vai estar meio abandonado viu… vou ter tanto o que fazer, e serão só três semanas!

Vi ses då och då!

Eu tenho medo do escuro

Não há muito tempo li um livro sobre medo, pânico, transtornos obssessivos compulsivos (TOC) e as manias que as pessoas desenvolvem; como a mania por exemplo de transformar qualquer medo em pânico, e qualquer mania em TOC. Brincadeira. Não vou adentrar a questão, mas a título de curiosidade os medos e manias “são” um tipo de ansiedade com as quais você pode lidar no dia à dia. Pânico e TOC são doenças que irracionalizam o indivíduo.

Eu tenho medo do escuro, e medo de alturas. E é só medo, não é pânico. Eu posso ficar num lugar escuro sozinha, me sentindo bastante desconfortável às vezes, e eu posso ficar em lugares altos – sem me debruçar sobre parapeitos ou cuspir para o chão. Vocês já reparam que a maioria das pessoas que sobem em um lugar muito alto vão até a beiradinha apenas para olhar para baixo e cuspir?

Tenho outros medos também, mas os únicos que me limitam são esses. E medo de balanço, por exemplo. Eu não brinco no barco viking ou qualquer coisa semelhante, mas penso que isso é um reflexo do medo de altura – uma vez que você vai cada vez mais alto e pode ver o chão num segundo e o céu em outro, o chão, o céu. Isso me dá nos nervos. Subir escadas e usar o elevador me deixa desconfortável porque eu sei que estou me afastando do chão. Mas avião por exemplo, é só um busão que voa. No problems.

Agora a Suécia está ficando escura. No topo do verão a gente teve apenas alguma hora de escuridão à noite, e para quem já viveu isso sabe que não é escuro de verdade porque o céu fica num azul intermediário. Nas últimas duas semanas a noite está crescendo vertiginosamente. Uau, soa meio terrível isso. Mas o fato é que a cada dia tem menos luz, e isso só vai parar em meados de dezembro quando chega o solstício de inverno.

Por essas alturas vamos ter a situação contrária: luz apenas algumas horas no dia. E essas algumas horas são às vezes um anoitecer, porque chove demasiado o outono e inverno. Já me avisaram que eu vou torcer pela neve assim que ela começar a cair, porque quando o inverno é branco deixa tudo mais claro. Pode uma coisa dessas?

Eu tenho medo do escuro. Mas precisamente, desse escuro. Já pensou acordar as nove da manhã e perceber que ainda não amanheceu? Você pode imaginar voltar para casa do trabalho às 4h da tarde e estar escuro? Caraca, isso é um cenário de desolação. Agora eu fico puta da cara quando chove o mundo e tudo está molhado, imagina quando o dia tiver 18h de escuridão e menos 15 graus C…

Me avisaram das vitaminas que eu vou ter que tomar – a gente vive num país de sol, recebe uma quantidade enorme de vitaminas e o corpo não está preparado para um jejum, ao contrários dos nativos “vikings” que passaram por essa desde o primeiro minuto de vida – e me avisaram para inventar um monte de coisas porque é fácil se deprimir. Nessas horas eu penso: onde fui amarrar o meu burro?

Ok, eu só estou desconfortável frente a uma situação desconhecida. Não pode ser tão ruim porque do contrário todo mundo desceria para o lado mais ensolarado e alegre do mundo.

E não é isso que acontece?