Férias, como diria Cristiano Gouveia do canal Um Canto que Canta, são sempre uma aventura.
Essa semana temos höstlov, que são mini férias de outono. O ano letivo sueco tem quatro dessas pausas: o höstlov e o vinterlöv são pausas de uma semana, enquanto o Jullov e o Påsklov são mais longos (três e duas semanas). O primeiro agora também recebe o nome de läslov pois é pensado para encorajar o hábito da leitura. Depois em fevereiro vem o sportlov, que é o vinterlov, onde se encoraja a prática de esportes de inverno. Jul e Påsk são as férias de Natal e Páscoa, respectivamente.
Como eu ia dizendo, férias combinam com aventura. E nós decidimos nos aventurar em um parque florestal mais ao norte, onde há uma série linda de lagos interligagos por pequenos canais (naturais ou não). Alugamos uma dessas cabanas na margem da floresta e… bem, levamos roupas quentes pra caminhar no bosque mesmo com chuva.
O lago, estava tão sereno que fazia um espelho incrível. Tão incrível que eu duvido que você percebeu que a foto está de cabeça pra baixo.
O parque fica na região de Värmland (terra quente, traduzindo no literal) e meu caçula não parou de perguntar quando é que a gente ia chegar em Värmland, já que estava chovendo cântaros e 10°C não é bem o que a gente pode considerar quente (principalmente abaixo de chuva). Ele deixou bem claro que queria ir pra Värmland ou voltar pra cabana (várias vezes) assim a gente não teve muita escolha senão aceitar que nem todo mundo estava se divertindo. Ao menos não no bosque.
A chuva e a ausência de sinal de internet ou telefone nos fez ler bastante com as crianças e eu fiz crochê até as mãos ficarem no automático. Qual é a aventura nisso?
Sair de casa, nos tempos em que vivemos é uma aventura. Andar na chuva é uma aventura. Remover as folhas que represavam o córrego formando um mini lago é uma aventura. Fazer hotdogs no estilo sueco depois de anoitecer no bosque… era quase aventura demais pra mim.
Tínhamos a esperança de sair de trailer uma última vez antes do verão ir embora, no entanto, pelo jeito vai ficar para a próxima primavera.
É incrível como o tempo mudou de cara na última semana e se travestiu de outono: o vento está frio e, principalmente, o sol indo embora mais cedo. Como disse no último post, apesar de as temperaturas estarem mais ou menos iguais aquelas que enfrentamos na primavera quando estávamos saindo acampar, a sensação agora é de que queremos nos recolher.
Sentamos pra desenhar hoje e os meninos me presentearam com esse belo retrato do nosso verão. Já dá saudades…
Dia quente de novo e a gente queria achar um canto sossegado pra ficar com as crias. Temos um mapa com as trilhas da região e assim escolhemos um lago no meio de um bosque próximo. Sem praia, mas também sem uma multidão. Suecos não sabem o que fazer quando a temperatura está acima dos 25 graus e eles não estão na água.
Ainda há mirtilos nos bosques e alguns deles estavam bem gordinhos. Tanto que lembravam os mirtilos americanos, bem maiores do que os suecos, mas que não são azuis (nem tão gostosos). Saímos do bosque literalmente roxos de tanto colher e comer mirtilo.
Há lindas libélulas azuis nos lagos daqui. Não lembro de ter visto libélulas azuis no Brasil, mas aqui sempre as vejo nos lagos. São menores, mais parecidas com uma borboleta de asas transparentes. Já tentei tirar fotos mas, além de ser uma fotógrafa amadora muito amadora as bichinhas são muito rápidas.
Mirtilos azuis, libélulas azuis, um dia de céu azul. Bocas roxas, línguas roxas e alguns roxos a mais nas canelas por ter batido nas pedras. O verde escuro do bosque em contraste com o azul do céu e o caramelo dos lagos suecos. (Porque, talvez você que já visitou um lago sueco no meio dos bosques sabe que a água é cor de coca cola, que parece caramelo vista de perto mas tem quê de preto quando a gente olha de longe não é?)
Se esse dia tivesse nome seria cores de um dia de verão.
Fomos fazer uma trilha num monte muito parecido com o morro do Chapéu que tem lá no Paraná. Inclusive o morro chama Virsehatt, que é a junção da palavra Virse e chapéu.
A trilha era curta, um quilômetro, mas era bem ingrime. Por sorte havia uma caça ao tesouro digital pela trilha e a gente pode ouvir uma história do local (baseada em fatos reais) que ajudou a atiçar o espírito de aventura nos meninos. Praticamente no fim da trilha havia um Troll fingindo dormir entre as pedras. Foi a sensação.
Voltamos pra casa sem conseguir encontrar o tesouro. Não aquele que estava enterrado, ao menos…
O lago estava como um espelho hoje, apesar de soprar uma brisa. O dia estava mais ou menos quente e a gente sentou perto da água. Fizemos barquinhos de casca de árvore e deixamos o vento levar eles lentamente para o meio do lago até eles sumirem.
Estamos fugindo de Gotemburgo já que só quer chover. Levamos uma boa parte do dia empacotando e organizando o caracol. Parece que quando a gente dá um tempo disso perde a prática e tudo fica bem mais complicado.
Agora estamos no campo, não em um camping. Só curtindo passear mesmo, brincando de casinha e aproveitando que aqui o céu abriu e o sol deu as caras. Amanhã veremos se nos encaracolamos em algum cantinho ainda mais ensolarado.
Diz a lenda que se você tecer uma coroa com sete flores do campo no dia do Midsommar vai encontrar o seu predestinado em sonho. Sorte minha eu já ter encontrado com o meu porque meus baixinhos não estavam nem um pouco afim de colher flores.
Tomei banho de lago três vezes hoje. Não lembro de ter feito isso no verão de 2018. Mas aqui onde estamos tem um “trapiche” para o meio do lago o que facilita demais a vida: você vai até o fundo, pula, se refresca e sai da água. Porque a água continua fria então não dá pra ficar brincando…
É interessante também que os lagos suecos por aqui tenham cor de “coca-cola”: no raso dá pra ver o fundo, mas quanto mais fundo fica o lago mais escura parece a água por causa do tom caramelo. Dá um medinho de pular porque parece água à noite, escura e misteriosa, mesmo no meio do dia.
Só não pulei dos trampolins. Morro de medo de altura.
Hoje viajamos 170 km para nos encaracolar. Para brasileiro isso é uma trivialidade, 170 km é logo ali. Para sueco (principalmente os do sul ou das grandes cidades), não é lá tão comum.
Uma boa road trip pede música e histórias (abençoado Spotify e seus podcasts). A gente mistura de tudo um pouco e rolam clássicos suecos. Como vamos de trailer sempre ouvimos a canção “Você deve ter um trailer” composta pelo grupo Galenskaparna. Essa não é uma banda musical e sim um programa de humor sueco que fez uma música em homenagem a essa particularidade que é viajar com um trailer. Vou deixar o link do vídeo do YouTube e compartilho a letra da música (traduzida pelo Tio Google – e ficou entendivel):
“Man ska ha husvagn” – Galenskaparna
Eu já tentei de quase tudo o que há para escolher Jag har prövat nästan allt som finns att välja på/ Acampar, alugar barcos, canoagem, andar de bicicleta ou caminhar Campa, hyra båtar, paddla, cykla eller gå/ Passei férias da maneira mais estranha Jag har semestrat på dom allra konstigaste sätt/ E finalmente eu descobri como tirar férias Och äntligen jag funnit hur man ska semestra rätt
Você deve ter uma caravana – o feriado já está feito Man ska ha husvagn – så är semestern redan klar/ Você deveria ter uma caravana – eu vi que todo mundo tem Man ska ha husvagn – det har jag sett att alla har/ Você deve ter uma caravana – e guardar a família Man ska ha husvagn – och stuva in familjen i/ Você deveria ter uma caravana – porque então você estará livre Man ska ha husvagn – för då blir man fri
Por muitos anos não fomos particularmente bem viajados I många år så var vi inte särdeles beresta/ Estávamos em Askersund e uma vendinha em Gnesta Vi hade vart i Askersund och pressbyrån i Gnesta/ Mas então um dia eu disse para a minha mulher, gentil mas firmemente Men så en dag sa jag till frugan, vänligt men bestämt/ Temos uma casa que roda sobre rodas e, assim, sempre Vi skaffar oss ett hus som går på hjul och därmed jämt
Você deve ter uma caravana – com geladeira, TV, chuveiro e fogão Man ska ha husvagn – med kylskåp, TV, dusch och spis/ Você deve ter uma caravana – será como estar em casa de alguma maneira Man ska ha husvagn – det blir som hemma på nåt vis/ Você deve ter uma caravana – e deve ser grande e larga. Man ska ha husvagn – och den ska vara stor och bre’/ Você deveria ter uma caravana – pense no que pode conhecer Man ska ha husvagn – tänk vad man får se
Cinco minutos Falsterbo e cinco minutos Koster Fem minuter Falsterbo och fem minuter Koster/ Cinco minutos Flen e Hjo e cinco minutos Mosteiro Fem minuter Flen och Hjo och fem minuter Kloster/ Cinco minutos Örebro e cinco minutos nas montanha Fem minuter Örebro och fem minuter fjäll/ Cinco minutos de intervalo em um motel rodoviário europeu Fem minuters rast på ett europavägsmotell
Você deve ter uma caravana – o feriado não será um fracasso Man ska ha husvagn – så blir semestern ingen flopp/ Você deve ter uma caravana – e fazer muitas paradas Man ska ha husvagn – och göra lagom många stopp/ Você deveria ter uma caravana – e dirigir e parar para tomar um chá ‘ Man ska ha husvagn – och köra runt och stanna te’/ Você deveria ter uma caravana – pense no que pode conhecer Man ska ha husvagn – tänk vad man får se
Cinco minutos da cidade de Estocolmo e cinco minutos do arquipélago Fem minuter Stockholm stad och fem minuter skärgård/ Cinco minutos de sol e banho e cinco minutos de mansão Fem minuter sol och bad och fem minuter herrgård/ Cinco minutos Grums e Trosa, Tjörn e Härnsand Fem minuter Grums och Trosa, Tjörn och Härnsand/ Mais cinco minutos você já viu em toda a Suécia Fem minuter till så kan man hela Sveriges land
Você deve ter uma caravana – e levar tudo com você Man ska ha husvagn – då har man med sig rubbet jämt/ Você deve ter uma caravana – então nada acontece indefinidamente Man ska ha husvagn – då händer inget obestämt/ Você deve ter uma caravana – para saber como tudo será Man ska ha husvagn – så att man vet hur allt ska bli/ Você deveria ter uma caravana – porque então você estará livre Man ska ha husvagn – för då blir man fri/ Você deve ter uma caravana – onde quer que vá em sua viagem Man ska ha husvagn – varthän man än sin resa ställt/ Você deve ter uma caravana – para não precisar viajar de barraca Man ska ha husvagn – så slipper man att resa tält/ Você deve ter uma caravana – para saber como tudo será Man ska ha husvagn – så att man vet hur allt ska bli/ Você deveria ter uma caravana – porque então você está seguro, trancado e livre Man ska ha husvagn – för då är man trygg och låst och fri
Essa coisa de ter filhos e expectativas é algo bem difícil de conjugar. Tipo, você sai de férias a beira de um lago lindo e está super a fim de sair caminhar, molhar os pés na água e tals e as crianças querem… ficar dentro do trailer.
Nada contra, eu amo um sofá. Mas justo no camping, quando fazem 27°C e sol, quando você sabe que esse pode ser o único dia quente do verão todo… difícil. O mais engraçado é que quando você quer só sofá e preguiça aí, pode esquecer.
Por outro lado, eu adoro a curiosidade e espontaneidade das crianças. Ao lado delas tudo pode assumir proporções diferentes e uma simples pipa ou uma pá de areia bastam para que o dia esteja completo.
Encontre a pipa!
Eu aprendi com meu pequeno grande piá, em uma certa viagem da qual gostei muito, que o melhor da vida era aquilo que está a mão, no dia a dia. Porque quando eu perguntei “filho, o que é que você gostou mais dessa viagem?”, ele respondeu “o meu irmão e brincar de lego.”
PS.: um desejo em prol de um mundo melhor pós corona: que sejam proibidas lâmpadas com sensores de movimento em banheiros e cozinhas. Não basta fazer as necessidades fisiológicas dando tchau, hoje tive que inclusive lavar louça dançando valsa.
Quem nunca acampou não sabe a felicidade que é chegar em casa. É certo que acampamento de verdade – com barraca – é mais hardcore do que essa coisa de sair de caracol. Caracóis tem cozinha, luz elétrica, banheiro, cama. Tudo mini. Mas tudo lá.
Já barraca… se estiver acampando em uma área de camping pode ser que haja banheiro, chuveiro e cozinha. Mas se não até isso é improvisado. Esse camping que visitamos tem umas instalações básicas. Não gostei dos chuveiros e reconheço de longe aquele tipo de piso que quando molhado seca apenas a base de secador de cabelo. Era o martírio dos tempos de inverno no Brasil, limpar a casa quando tinha esse tipo de piso: molhou ele fica molhado. Por horas.
O que me leva a indagar: qual a lógica? De ter esse tipo de piso. De comprar esse tipo de piso. De que sequer exista esse tipo de piso. Ainda mais num país como a Suécia, frio e úmido. Nos chuveiros de camping. Molhou de manhã e vai estar seco lá pelo meio da tarde, que é quando alguns vão tomar banho de novo e aí você entra tá aquela meleca molhada no chão… quase que uma “guegamoia”, como dizem os meninos. Em todo o caso, a aparência e sensação é de que está sujo o tempo todo.
Ah, lar doce lar. Doce cama, doce sofá, doce chuveiro… Doce piso que seca.