Diário Caipira 3

E pensar que demorou uma vida – dez meses , praticamente – pra mim escrever aqui outra vez.

Estamos gripados. Há semanas.

Tipo não gripados os quatro de uma vez, mas gripados e gripando de um jeito bem família. O stresse por conta de resfriados constantes ainda é forte, apesar de estarmos vacinados (ambos adultos, crianças ainda não são vacinadas aqui, apenas adolescentes) por conta do corona. Afinal, os sintomas do corona ainda são semelhantes ao de uma gripe.

Eu estava conversando com uma mãe essa semana que está exausta e frustrada. Frustrada por quê a cria dela está resfriada há várias semanas. Nariz escorrendo não fica na pré escola, que liga pedindo pra buscar a criança, que está razoavelmente bem a parte do nariz de vela. Exausta porque já bateu de frente várias vezes com posto de saúde que não quer investigar o resfriado constante da criança.

O episódio me lembrou 2017, quando eu estava na mesma situação. Batendo de frente com o sistema de saúde. As crianças gripando constantemente, o Mikael com episódios de laringite que faziam a gente passar a noite toda acordados, eu entrando em depressão sem saber como buscar ajuda. Quem nos salvou foi a nossa enfermeira do BVC, na época. Mas ela era uma profissional com P maiúsculo e eu estava entendendo a necessidade de ser mais humilde.

A questão é que a gente se sente desacreditado e ignorado pelo sistema de saúde daqui. Eles trabalham de forma diferente, e a medicina do “deixe seu corpo cuidar sozinho do que ele pode cuidar” não é a medicina do “ouça seu médico, corra para o hospital como você correria para um oráculo e tome todos os medicamentos possíveis, mesmo aqueles que não tem efeito sobre o x da questão”. A cloroquina é um exemplo fresquíssimo disso. Além disso, a gente esquece que no Brasil tem tanta gente na linha da pobreza, tanta gente desnutrida, tanta gente que não tem condições financeiras de “deixar o copo cuidar sozinho do que ele pode cuidar” que não teria como ser diferente.

Eu não tô colocando Brasil e Suécia em lado opostos de uma balança. Porque é impossível. Aqui na Suécia as pessoas tem três refeições por dia. E a desigualdade social está crescendo mas ainda não chegou no nível da desigualdade social no Brasil. Além disso aqui existe seguridade social que é pensada para que as pessoas possam se virar sozinhas.

Sozinhas… não com a ajuda dos pais, irmãos, vizinhos. É normal no Brasil existir alguma mulher na família que “não trabalha” (não ganha pago para trabalhar) mas cuida da criançada de todo mundo. Aqui a história é outra, porque a maioria das mulheres trabalham com algum trabalho assalariado, e quando uma criança precisa de uma “tia”, não tem. As tias trabalham. A avó também. Então o estado paga pra você ficar em casa e cuidar da sua cria. Porque você ainda vai receber 80% do salário pra fazer isso.

Mas é exaustivo né, pois isso não é tudo. Receber 80% do salário por dia “perdido” não significa que está tudo bem. Eu queria ir no médico pra ganhar alguma coisa que fizesse parar essa onda de gripe aqui em casa (E pelamordeDeus, não me escrevam receitas de tônico de gengibre e afins nos comentários meu pai e minha mãe tem esse papel, não tirem a alegria deles) e poder simplesmente trabalhar. Já que eu tô sendo, afinal, paga pra isso.

Mas eu moro na Suécia e a treta aqui é essa. Tem seguridade social pra você aguentar as pontas com as tuas dores na sua família nuclear (os ou o adulto responsável pela ou pelas crianças). E é isso.

Tá bom, mas não tá.

Diário Caipira – 55

Vinte graus e sol.

Vinte graus, sol e vento frio.

Vinte graus, sol, vento frio e areia quente sob os pés.

Vinte graus, sol, vento frio, areia quente sob os pés e as crianças que correm pra dentro e pra fora d’água gelada do lago.

Vinte graus, sol, vento frio, areia quente, as minhas crianças que correm pra dentro e pra fora d’água gelada do lago com os lábios azuis, a pele arrepiada e o queixo batendo.

Vinte graus, sol, vento frio, areia quente sob os pés, as minhas crianças correndo pra dentro e pra fora d’água gelada do lago com os lábios azuis, a pele arrepiada, o queixo batendo… e eu tentando convencê-las que tem que se secar, esquentar o corpo, ir pra casa.

Vinte graus, sol, vento frio, areia quente sob os pés e crianças que fazem “birra” porque não querem sair de dentro da água gelada do lago.

Vinte graus, sol, vento frio, areia quente sob os pés; uma mãe brasileira de casaco tentando convencer pequenos vikings a sair da água gelada de um lago por morrer de medo do “vento torto” que tanto falavam lá no Brasil (vai que esse menino pega uma pneumonia!).

Ah, hoje é dia das mães na Suécia. Feliz dias das mães a todas nós que precisamos enfrentar as desventuras de ser mãe longe de casa e sob choque de cultura constante; mesmo quando fazem 20graus e tem sol.

Maternidade colorida

Há coisas que ficam mais fáceis porque eu moro aqui. Isso é um fato que, na minha humilde opinião, mostra que o papo da meritocracia é só conversa para boi dormir (eu não vou explicar como não fiz por merecer para mudar para a Suécia. Chame de destino se quiser). Uma dessas coisas é a maternidade.
Comeca já na gravidez. Foi chocante para mim e assustador ter que aprender que gravidez não é doenca, mas no fundo… eles estão certos (oh my God, isso é difícil para caralho de dizer). Uma mulher grávida não está doente, está apenas vivendo uma condicão inerente de ser mulher. Não vou dizer com isso que toda mulher grávida está desfilando lindamente com seu barrigão (ou não), cheirando flores e suspirando de felicidade a cada chute do bebê. Estar grávida é uma bosta – com B maiúsculo – do ponto de vista hormonal. Sabe aquela TPM fdp? Tipo assim durante nove meses. Você chora, se acha feia/gorda/uma azeitona que foi trespassada por um palito ou uma elefanta com as pernas inchadas horríveis – quando você não está com a cara inchada e o nariz que lembra o nariz dos anões da Branca de Neve. Ou vive o êxtase que descrevi logo acima, ouve o cantar dos pássaros, sente o ar puro e se imagina Bundchen em pleno catwalking com os flash estourando ao seu redor. Há mulheres que tem problemas de saúde que se agravam durante a gravidez e outras que adquirem problemas durante a gravidez – já ouviu falar de hiperemese? diabetes gestacional? pré eclâmpsia? sínfese púbica? – relacionados ou não com a tempestade hormonal de que falei ali atrás. Mas o fato é que não estamos doentes. E ser tratada como uma pessoa normal que está passando por uma condicão especial – a de gestar – faz da gravidez um momento bem mais fácil de se viver. E fica mais fácil de curtir também.
Até o momento posso dizer que tive gestacões tranquilas. Na primeira delas praticamente não tive  enjoos, tive um pouco de dor nas costas e os incômodos costumeiros com achar posicões confortáveis para dormir etc quando você está com aquela barriga que mais parece com uma bola de pilates embaixo do couro da sua cintura. Ah, tinha os chutes também. Primeiro a gente sempre fica loucamente feliz a cada pequeno movimento do bebê e no final da gestacão a gente só pensa “ô moleque tira seu pé do meu pulmão que eu preciso respirar!”. Essa segunda gravidez está passando tão rápido que eu já nem sei ao certo em qual semana gestacional estou (só sei a dpp e acho que está bom não?), além do quê eu vivo como um zumbie. Não, não estou conectada com aquele jogo estranho do Pokemon. É “só” cansaco mesmo. Já tem umas semanas que estou tomando ferro como complemento mas estou ferrada mesmo porque não tem ajudado e eu simplesmente vivo me arrastando. Infelizmente nem sempre estou me arrastando para a cama, e eu sinto que meu dia seria mais fácil se eu pudesse tirar uma siesta depois do almoco – mas como eu não moro naquele país que eu não sei qual é que diz a lenda que as pessoas tem direito de dormir a siesta – eu apago tão cedo quanto Benjamin. Às vezes mais cedo do que ele na verdade, porque a bateria do meu piá é mais forte do que a minha.
Benjamin já percebe que algo está mudando. Uma pessoa cansada não é tão paciente – e eu me pego muitas vezes saindo de perto para não fazer aquelas coisas burras que pais cansados e estressados fazem com os filhos – o que eu sinto que não é nada bom. Nem sempre eu tenho a clareza de parar e explicar: olha meu filho a mãe está cansada. Então eu procuro dar alguns minutos do meu dia para ele em que eu possa estar bem focada. E isso eu só posso fazer porque tem um homem do meu lado que é pai.
Nessas horas de cansaco e estresse eu me imagino sendo mãe solteira, ou vivendo em um país em que a cultura dominante é do pai que ajuda (tipo o Brasil por exemplo). A mãe tem todas as obrigacões com o(s) filho(s) e a casa e o marido chega e descansa do trabalho, mesmo quando a mulher também trabalha fora. Ou o cara já largou a mulher, paga pensão e acha que faz uma grande coisa (aquela louca fica me cobrando, o que ela quer?, eu pago a pensão). Eu me imagino na outra ponta e me sinto aliviada porque estou apenas imaginando, porque eu quero e posso enquanto grávida e mãe tirar um tempo para mim, fazer comida quando meu estômago está revirando de fome sem ter um menino agarrado as minhas pernas e contar com a divisão das tarefas domésticas. Aleluia! Porque sim, porque isto ajuda demasiado a fazer a minha vida como mãe e grávida mais fácil, afinal, eu não preciso chegar ao ponto de espalhar papel higiênico sobre o tampo do meu próprio vaso para dar uma mijadinha com dignidade (e olha que a gestacão implica em muitas mijadinhas).
Eu vivo uma maternidade colorida. E me pergunto: como as mulheres que não tem disso sobrevivem? Porque eu não me considero fraca, eu gosto de um desafio e tenho pulso suficiente pra vencer o Rambo numa queda de braco se eu quisesse. Mas a maternidade quebra as pernas da gente. É uma correria 24/7, você fica planejando os próximos passos para tentar dar uma rotina e seguranca para a crianca (nem sempre dá certo, afinal, criancas são seres vivos imprevisíveis) e ao final do dia sente que… não sente. Não há como prever tudo e, provavelmente por causa do tipo de criacão que eu tive, eu vivo preocupada com o bicho papão que vai pular do guarda-roupa na forma do meu pior pesadelo – igualzinho como acontece no Harry Potter. Um exemplo simples: a gente saiu de férias uns dias e ficamos num apê com sacada no quinto andar. Uma sacada standard, com uma cerca standard. Passei a primeira noite praticamente em claro com medo de que o Benjamin caísse da sacada. Por quê? Sei lá, eu nem vi ele tentar subir. Mas eu não podia dormir. Criancas são criancas, não veem perigo e estão curiosas o tempo inteiro em que estão acordadas – e eu garanto, meu piá fica muitoooo tempo acordado para a idade dele. Vai quê? E eu não estou olhando. Se quiserem recomendar um terapeuta podem fazer isso na caixa de comentários – obrigada – mas eu me sentiria mais tranquila sabendo que outras mães vivem essas paranoias também (alguém levantou a mão aí?).
Eu vi uma mãe escrever no Facebook que queria um tempo da maternidade. Depois eu vi mais uma mãe escrevendo que trocava duas criancas por balas – alguém aceitava? – só para ela poder ir a academia. Loucas? Sem coracão? De modo algum. Às vezes me dá pena ver gente escrevendo sobre como a maternidade é bela, principalmente quando parte de pessoas que não são mães. Porque maternidade é linda, rosas são lindas, carro novo é lindo e casais apaixonados vivem grudadinhos. A gente aceita que a rosa murcha e morre, aceita que até carro novo dá problema, aceita que a paixão acabe mas não aceita de forma alguma que uma mãe diga que maternidade é um saco. Não se ela não usar as palavras mágicas e colocar um “mas… vale a pena” na mesma frase. Vale a pena? Não. Do alto da minha maternidade colorida eu acho que não vale a pena. Ser mãe é literalmente levar na cara o tempo inteiro e é super bom quando estamos cheias de hormônios gestacionais e da amamentacão, mas depois que eles somem do corpo a coisa vai mudando de figura. Eu cheguei a rasa conclusão – baseada nos meus parcos conhecimentos teóricos e empíricos a respeito do tema – que maternidade é uma coisa instintiva e puramente animal. A gente tem que trabalhar e muito para que ela não seja baseada em trocas – tipo eu te cuido agora e você me cuida quando estiver velho, eu te sustento agora e você me sustenta daqui uns anos – e parar de ver a maternidade como se a gente fosse a virgem Maria se doando pela maior causa da humanidade. Não porque não possa ser doacão, eu acredito conhecer mulheres que tomaram uma decisão de se doar integralmente a maternidade e que curtem isso. Não quer dizer que elas achem super todos os dias da semana, correndo atrás dos filhos, limpando vômito, bunda, mijo, fazendo comida, balancando o menino doente num braco e limpando com o outro – não exatamente nessa ordem e muitas vezes tudo ao mesmo tempo – sem pensar um “aonde foi que amarrei meu burro?”. Mas tudo bem se elas pensarem. Tudo bem se eu pensar. Posso compartilhar com algumas outras mães, mas jamais dizer em voz alta. Não se eu não usar as palavras mágicas na mesma frase.
Se você é uma das mães que vai morrer dizendo que maternidade é sempre linda ou que maternidade é padecer no paraíso não me odeie. Eu não te conheco e não estou te criticando, só penso diferente. A maioria das mães que eu conheco vivem aquela agonia louca de amarem muito seus filhos e ao mesmo tempo odiarem – não em tempo integral – a maternidade, principalmente por causa dessa opressão absurda de que a gente tem que dizer que tudo bem, tudo bem, tudo bem, quando não está bem; e ouvir um: “mais vai passar… é fase”. É engracado que a maternidade é feita de uma série de fases difíceis em que a maioria das mulheres está arrancando os cabelos, mas é uma coisa linda demais, um dom de Deus. “Olha que esse tempo vai passar rápido demais e você vai sentir saudade”. Sim, já sinto saudades das coisas lindas e charmosas que meu piá fez enquanto bebê, mas não sinto saudade da trabalheira que era dar conta de todo o resto que envolvia o fato de ele ser bebê. E quando eu penso que mais um está chegando… mas, espera, é uma fase e vai passar.
Eu não consigo entender o paradoxo. Talvez seja cedo demais. Talvez seja porquê meu cérebro de alguma forma estagnou naquela fase que a maioria das pessoas vive entre os 3 e 5 anos quando você irrita infinitamente todos os adultos ao redor fazendo um milhão de perguntas a respeito dos “porquês”. O meu porquê atual é mais um para quê: para quê – e para quem – romantizar tanto a maternidade quando ela é uma coisa tão difícil?
Isso, e eu já falei que vivo uma maternidade bem mais descomplicada aqui na Suécia?

Tagarela

O Benjamin vai completar 15 meses essa semana. E está um tagarela.

Aí eu comecei a pensar em quanto me preocupei com isso antes. Tanto durante a gravidez quanto nos primeiros meses de vida do Ben eu imaginava como seria esse momento e lia e lia muito sobre o assunto. Achei dicas ótimas, e comecei a seguir um site em específico (filhos bilíngues, googla aí) aonde encontrei muita coisa boa. Mas eu tenho que confessar que a melhor coisa que me aconteceu foi conhecer uma guria que mora em Stockholm (e que é fono) que compartilhou muita coisa interessante sobre a exploração da fala por bebês e ajudou a desmitificar algumas coisas.

Por exemplo, há quem afirme que crianças bilíngues demoram mais para começar a falar. Na verdade, esse padrão não foi confirmado cientificamente. Há bebês que desenvolvem a fala cedo e outros nem tanto, e isso é uma questão do desenvolvimento individual da criança. Eu acredito que o meio no qual o bebê cresce influencia muito também, assim como a própria personalidade da criança. Mas essa coisinhas também não são comprovadas cientificamente.

Daí, pra encurtar a história, Benjamin “fala” muito. Ele balbucia o tempo inteiro e ainda que a gente não entenda o que ele diz, esse é um sinal explícito de que ele está desenvolvendo a fala. Segundo, ele tem um vocabulário de aproximadamente 20 palavras (dessas que a gente entende), o que para um bebê da idade dele é bastante (o esperado seria uma média de 8 palavras aos 18 meses). Algumas palavras ele fala tanto em português como em sueco (mãe/mamma, papai/pappa, água/vatten, olha/titta, lá/där [inclusive olha lá/titta där, que soa mais como ulalá], oi/hej, banho/bada e bola/bolen), outras palavras ele fala apenas em sueco (borta, titt ut!, nej, den, oj, tack, hej då, gunga, vad är detta? – sumiu, achou!*, não, isso [em sueco informal] ai e nossa!, obrigado, tchau, balanço/balançar e – a única frase até agora – o que é isso?); e algumas palavras ele inventou como por exemplo “nenenenene”, que significa tanto ele mesmo como não quero e algo está errado. Sem falar  outras coisinhas, tipo dindu (que seria ding dong) e bam. E quase ia me esquecendo, a única palavra que ele fala apenas em português: oba!

Se há algum segredo por trás do nosso “sucesso” na questão da fala do Benjamin? Acho que tanto eu como o pai dele somos tagarelas natos. A gente é muito  verbal e fala o tempo todo um com o outro, em reuniões de família, com os amigos e mesmo quando estamos sozinhos com o Benjamin. Outra coisa que acho que fez muita diferença é que aprendi com a minha mãe desde cedo a conversar com o bebê, acho que essa é uma característica bem marcante em algumas famílias brasileiras e ela (minha mãe) sempre me disse em todas as conversas por skype que tivemos nos primeiros meses de vida do Benjamin pra conversar com ele todos os dias, cantar muito, etc. Não que eu queira me dar os parabéns e sair por aí gritando aos quatro ventos que eu tenho um bebê bilíngue e que “olha só como sou experta, faça como eu fiz e o sucesso é garantido” porque não é assim tão simples. Benjamin parece ser uma criança extrovertida, e isso faz toda a diferença afinal, se ele fosse tímido, provavelmente ele saberia todas essas palavras mas não falaria muito – ou não falaria nada – e eu não estaria aqui me gabando.

De modo geral eu gostaria de incentivar pais brasileiros residentes no exterior a falar português com suas crianças porquê, se por um lado o fato de o Benjamin começar a se expressar tão cedo não é mérito meu, o fato de ele falar português é. Eu falo português com o Benjamin, meu marido também fala português com ele mas quando os dois estão sozinhos é apenas sueco (vale lembrar que eu trabalho 40h por semana e que nos últimos seis meses Benjamin ficou em casa com o pai). Ultimamente percebo inclusive que mesmo quando estamos nós três cada vez que o Joel se direciona ao Benjamin em específico ele fala sueco, assim como eu sempre falo português com o Benjamin quando estamos entre outros adultos mas eu me dirijo exclusivamente a ele. O vocabulário dele em sueco é maior do que o vocabulário dele em português mas seria um tanto estranho se fosse o contrário uma vez que eu falo sueco quando todo mundo fala sueco ao redor da gente, a gente mora na Suécia e convive com suecos quase que 100% do tempo. Mas quando o Benjamin me diz algo em sueco eu repito o que ele disse em português. Inclusive eu tive que me policiar para fazer isso porque parece meio fácil só repetir o sueco.

Acho que é fácil desanimar quando se está fora do Brasil e não se convive muito com brasileiros (foi uma escolha minha para que eu aprendesse sueco mais rápido) ou quando o parceiro não fala português (tem muita gente que fala inglês em casa), mas o esforço vale a pena. Além do mais, se o Benjamin não falasse português seria um tremendo tiro no pé pois além de ele não poder falar com meus pais, o sueco é apenas a 91a língua mais falada no mundo (quando o português ocupa a 6a posição). Suecos aprendem inglês por necessidade extrema mesmo, já pensou se não fossem bilíngues?

Guardei para o final a coisa que acho mais fofa nesse mundo, que é a palavra mais longa do vocabulário do meu anjinho: Menhamin.

*o titt ut é usado naquela brincadeira do “cadê? achou!”, o pekaboo do inglês.

Amamentação no trabalho

Tô de férias e vou tentar escrever algumas coisas que comecei há muito tempo, nunca terminei e nunca publiquei. Há uma grande chance de este ser o único post em meses de novo, há tempos o blog deixou de ser uma prioridade. Pra falar a verdade, prioridade na minha vida tem sido Benjamin, depois ele de novo e em terceiro vem o Ben. Nada que a galera por aqui não tenha notado.

Sou uma mãe galinha muito apegada. Essa semana chorei muito por causa da foto do menino sírio afogado na praia… a forma como ele estava deitado, aquela inocência gritante tão explícita no rosto das crianças quando dormem. Por um lado ele é tão parecido com o Benjamin! Ele dorme com a “bunda virada para a lua” naquela mesma posição, com a enorme diferença que ele está envolto por um mar de cobertas em uma cama macia. E o Benjamin vai acordar…

Pensei muito em tanto perrengue que a gente passa como mãe e resolvi contar um pouco da minha experiência em voltar para o trabalho e continuar amamentando. Primeiro, eu queria voltar para o meu trabalho e isso é um privilégio: ter um trabalho que a gente gosta e paga bem, no qual os horários de trabalho são compatíveis com a criação de filhos não é uma realidade e sim uma exceção. E dois: tenho o privilégio de contar com o fato de que o Benjamin tem um pai que se comporta como tal e não foge das responsabilidades. Eu já disse aqui que acho que nós mulheres temos que aprender a deixar os pais serem pais, mas não quero dizer com isso que toda mulher tem que trabalhar e largar a cria com o marido. Tem ótimos exemplos aqui de mães que não trabalham mas dividem a responsabilidade da criação dos filhos com o marido, se você quiser umas dicas passe no blog da Débora por exemplo (mulher de fases), ela fala bastante sobre os meninos dela e dá pra ver nas entrelinhas como o senhor marido sempre está participando.

Ao ponto… voltei ao trabalho quando Ben tinha oito meses. Minha pretensão de mãe hippie é amamentar forever até que o Benjamin desmame sozinho mas eu tive muito medo de que ele fosse largar o peito quando eu comecei a trabalhar. Então se você está na mesma situação eu digo: calma! Canalize a preocupação para traçar um plano de como é que você vai resolver a ordenha do leite no trabalho.  No meu caso levei para o trabalho uma bomba de tirar leite, comprei uma pequena bolsa térmica e potes de vidro de 150ml. Eu li em algum lugar que deveriam ser de vidro para facilitar a limpeza e esterilização, mas as tampas não devem ser de metal. Enfim, não é necessário comprar potes especiais, eu fiz isso porque tenho condições, mas a maioria dos potes de conserva funcionam muito bem para o mesmo fim. No caso da bolsa térmica é meio importante porque eu passo quase três horas no trânsito até em casa (há, pensa que é só noBrasil que a galera leva três horas até o trampo? Prazer, meu nome é Maria e eu moro na Suécia) então não dá pra só tacar o leite numa bolsa e de boas. Eu recomendo realmente investir numa malinha dessas.

Benjamin é tipo um bezerro e ta mamando toda a hora que me vê. Eu fiquei muito encucada antes de me separar dele. Foi um sofrimento! Eu não tinha idéia de como seria minha produção de leite longe dele. Eu trabalho em regime de plantão, tenho dois plantões de 24h por semana. Então contando as 3h para ir e mais 3h para voltar seriam 30h separados. Eu não sabia quanto vezes precisaria ordenhar também. Armazenamento não seria problema porque temos uma cozinha para o pessoal no trabalho, e a ideia foi sempre ordenhar e congelar o leite.

Eu nunca cheguei a pedir permissão para minha chefe. Talvez porque ela seja mulher, talvez porque eu sempre entendi isso como um direito meu e ponto. Da mesma forma eu comuniquei minha colega de trabalho na época e perguntei a ela se ela tinha alguma observação, ao que ela respondeu com um “é claro que não! Meu Deus é óbvio que você pode e deve ordenhar leite para seu bebê. Não tem nenhum problema. A gente dá um jeito!”

E foi aí que o problema começou.

Minha colega, apesar de mulher, apesar de dizer que não era problema algum e de afirmar que a gente daria um jeito começou a me atazanar de todas as formas possíveis. Eu percebi que eu precisava ordenhar com um intervalo de 6h para não ficar com os seios explodindo de leite, e que também precisava de cerca de 30 minutos para não machucar os seios (se você usa a bomba a todo vapor os bico dos seios podem ficar bem doloridos, machucados até) mas a criatura sensível lá fazia de tudo para me atrapalhar. Precisava de mim no exato minuto que eu colocava as minhas mãos na bomba de leite, e se eu conseguia fugir e começar a ordenha ela ficava gritando, batendo na porta e perguntando quando eu estaria pronta. Cheguei a ficar horas com os seios tão cheios que empedravam, e tinha tanto stress durante a ordenha que o leite não saia todo. Aí quando voltava para casa sofria um  dia inteiro até que o Benjamin sugasse todos os “caroços de leite”. Havia dias em que eu ficava com marcas azuis nos seios.

Depois de um mês e meio sofrendo na mão da maluca fizemos um rodízio de pessoal e comecei a trabalhar com uma pessoa sensata. Depois disso nunca mais tive problemas com a ordenha por causa da insensibilidade de um colega de trabalho. Há dias mais corridos em que eu não consigo fazer a ordenha direito, mas é por causa do fluxo de trabalho mesmo e, para minha sorte, agora já não é preciso ordenhar com essa frequência de 6h de intervalo, oito ou nove horas funcionam bem.

Acho que o corpo muda, a amamentação muda conforme a criança cresce e a gente se acostumou a essa rotina, tanto eu como Benjamin. Sempre que chego em casa após um dia de trabalho Benjamin gosta de tirar o atraso e mamar muito então eu também já aprendi que não posso fazer planos para assim que chegar em casa. Sempre tenho que reservar ao menos uma hora para nós, comer bem e beber muito líquido.

Gostaria de deixar algumas dicas práticas mas o que me vem a mente é que cada situação é especial. De modo geral, tente se preparar psicologicamente de forma positiva. Sempre dá um frio na barriga mas tanto a mãe como a criança tem capacidade de se adaptar à diversas situações diferentes. Segundo, tente traçar um plano, analisando o que você precisa para realizar a ordenha, se há possibilidade de armanezar o leite no local de trabalho etc. Terceiro, tente ser um pouco cara de pau com seu chefe. Infelizmente, sei que a maioria das mulheres tem condições muito precárias de trabalho, mas não peça permissão para fazer a ordenha, apresente uma proposta de como fazer da ordenha parte do seu dia mostrando que isso é importante para seu desempenho no trabalho. Não dá para trabalhar bem com peitos explodindo de leite. Tente mostrar ao seu chefe as implicações positivas disso. E na medida do possível ignore colegas insensíveis.

É difícil. Tenho consciência de que mesmo eu contando com muitas facilidades passei por momentos de desânimo e me questionei se conseguiria continuar e se valia a pena. Até agora valeu. Mas eu acredito que a amamentação é mais do que alimentar uma criança, amamentação é parte da relação mãe e filho e para funcionar os dois tem que estar bem. Se a mãe está sofrendo muito com a amamentação precisa de ajuda, de apoio, talvez de um novo plano ou porque não, talvez seja o momento de parar. Na minha balança o lado da satisfação sempre pesou mais do que o lado do sofrimento.

Desejo boa sorte a todas mães que trabalham e amamentam.

Dona Maria

Uma das coisas que mais quebrou as minhas pernas com a mudança de país foi a questão da minha identidade profissional. Eu não sou o tipo Dona Maria que é zelosa com a casa – afinal de contas, Amélia que era mulher de verdade – e o fato de ver meu diploma não valer de nada me angustiava.

Até eu arrumar um emprego…

É aquela velha história: você se mata estudando pra passar no vestibular, mas a universidade não é mole não; você se desdobra escrevendo e reescrevendo currículo e carta de apresentação, mas se dar bem no trampo é que são elas. Ano passado, trabalhei apenas um mês e meio antes de sair em licença maternidade e agora que estou há três meses de volta a ativa é que entendo o quanto foi suave aquele período (vassoura nova varre que é uma beleza). Eu estava mais tranquila, havia outras preocupações dentro e fora do campo profissional. Agora há muito mais pressão de todos os lados.

Isso está relacionado ao fato de ser mãe, em primeiro lugar, e ao fato de ser a mais jovem do meu grupo de trabalho, em segundo. Eu mencionei no post passado que apesar da Suécia ser um país liberal me espanta alguns comportamentos conservadores em relação a amamentação, da mesma forma que me espantou que algumas pessoas ficaram surpresas quando eu disse que voltaria ao trabalho antes do Benjamin completar um ano. Eu posso estar enganada, mas senti reprovação também. A pergunta que mais ouvi foi “por quê? Ele ainda não fez um ano, e a licença é longa”. É verdade, a licença é longa, mas eu quero dividir ela de modo igual com o Joel. Porquê eu sou mãe, é super importante minha presença ao lado do meu filho e etc (principalmente até o primeiro ano) mas ele tem um pai que também anseia por um vínculo forte com seu filho. É muito difícil, como mãe e tendo a carga cultural que eu tenho, dar abertura para que o meu parceiro seja pai. Primeiro, porque eu sou o tipo de pessoa chata que acredita que as coisas são muito melhores quando são feitas do “meu jeito”. Segundo, a gente cresce ouvindo que mãe é que sabe o que é bom para o filho. Mas pai também sabe. Eu sabia ser mãe o mesmo tanto que o Joel sabia ser pai quando Benjamin nasceu. Por conta da amamentação, meu vínculo com o Benjamin se estabeleceu mais rápido, mas tudo que eu aprendi aprendi com o Benjamin. Se o Joel não tivesse oportunidade de ficar sozinho com o bebê também não aprenderia.

Então eu quero deixar uma crítica para nós mulheres: temos que ter mais coragem de largar nossos filhos na mão de nossos companheiros. Você casou, ajuntou com essa pessoa porque ela é especial (se você está em um relacionamento saudável), então deixe seu bebê provar disso também. Instinto paterno existe, e o seu filho não vai gostar menos de você porque você é corajosa o suficiente para compartilhar responsabilidades.

Como eu falei, não é fácil… mesmo que racionalmente eu tenha tomado essa decisão, na prática a história é outra. Muitas vezes quando estou no trabalho penso que deveria ter esperado mais para voltar. Que seria mais fácil se eu não tivesse peitos cheios de leite que me fazem perguntar o que é que o meu pequeno está comendo, se ele está dormindo bem (mesmo porquê eu passo 24h seguidas longe de casa). Quando temos alguma reunião em que assuntos delicados estão sendo discutidos pela milésima vez desde que eu voltei, ou quando um dos adolescentes do abrigo começar a ser muito adolescente (e eu com eles né?); eu sempre me pergunto: o que é que eu tô fazendo aqui?

O fato de ser a mais nova do grupo me faz sentir meio burra às vezes porque nosso trabalho compreende tanto questões práticas como burocráticas. Há coisas que a galera já está cansada de fazer e eu não tenho a menor idéia de como funcionam; eu não tenho conhecimento da rede de apoio e frequentemente me pego boiando. É um desafio, e eu me sinto bem com isso, mas sempre rola aquela pressão também. Principalmente no quesito linguístico… meus colegas costumam elogiar meu sueco, mas na hora do pega pra capar ainda sou muito lenta tanto para escrever quanto para argumentar. Normalmente, entro muda e saio calada de reuniões porque não desenvolvi o sueco suficiente para entrar no timing de uma discussão acolorada e conseguir expressar meu ponto de vista. Vai melhorar com o tempo, mas nessas horas minha auto estima fica super abalada e eu me pergunto se eu quero mesmo isso.

Mas eu sei que eu quero. Estou acumulando experiência e apesar da pressão constante (eu sinto que “posso” trabalhar fora mas tenho que mostrar que ainda serei uma boa mãe – bem anos 80, mas é isso mesmo) eu começo a dominar e compreendercada vez melhor o sistema social sueco.

Dona Maria sim. Mas não daquele jeito.

Um ano como mãe

Semana que vem vamos comemorar um ano: um ano do Benjamin, um ano como família, um ano desde que o Joel se tornou pai e eu mãe.

Eu fico tentando me lembrar das minhas expectativas naqueles últimos dias antes do parto, mas eu estava realmente focada no parto em si. A bem da verdade eu não me preparei para o primeiro ano do bebê, eu não me preparei para o puerpério e este último me quebrou as pernas. Eu não sei se adianta muita coisa “se preparar” ou, melhor, que tipo de planejamento eu deveria ter feito, programas, rotinas etc; e até que ponto isso ajuda ou atrapalha. Eu li muito, mas não fiz muita coisa.

Eu fico imaginando quais as diferenças entre ter filhos aqui e no Brasil. Pelo que tenho lido, parece que ter filhos aqui (agora estou falando no sentido literal do ter filho – parir mesmo) é melhor do que no Brasil por causa da  violência obstétrica. Apesar da confusão nos hospitais e da falta de recursos humanos, a Suécia parte do princípio de que toda a mulher tem direito à um parto humanizado. Há inúmeras falhas no sistema, mas nem de longe se assemelha ao caos das maternidades brasileiras.

Há boas redes de apoio para mães de primeira viagem também. Normalmente, o pessoal encontra ao menos alguém com quem dividir os perrengues da maternidade nos cursos de pais – mas eu e o Joel nunca fizemos. Felizmente, dois dos casais com quem normalmente saíamos tiveram bebês pouco antes de nós, então acabou que eu tenho mães um pouco mais experientes com quem conversar, as quais eu já tinha um pouco de contato antes. A questão da idade da criança aqui é importante não porque o Benjamin vai ter um amiguinho – a essa altura do campeonato é difícil saber se o santo dessas crianças vai bater – mas porque nós como mães podemos conversar sobre mais ou menos as mesmas coisas.

Mais ou menos né, porque já me disseram que eu escolhi maternar no modo hard: fralda de pano, amamentação em livre demanda, criação com apego, sling, cama compartilhada e… a coisa mais terrível de todas: não dei chupeta para o Benjamin. Particularmente, chupeta é um acessório que serve para calar a boca da criança e estragar os dentes. Felizmente, quando Benjamin era recém nascido dormia tanto que eu nunca tive vontade (ou necessidade) de dar chupeta. Então, antes que alguém me acuse de intitular como “menos mãe” quem dá chupeta eu só digo que não estou afirmando isso. Conheço mães muito melhores do que eu que dão chupeta para os filhos. Eu tentei dar chupeta para o Benjamin quando saímos de carro e ele gritava sem parar, às vezes funcionava, às vezes não. Bati o pé veementemente que não queria comprar mas tive que aceitar e tentar, não dá pra deixar a criança se esguelando por causa de um princípio. Em todo o caso, antes que eu me perca em explicações sem sentido, nenhuma das mães com quem costumo sair com mais frequência fazem isso. Recentemente conheci um casal vindo da Inglaterra, e ela e mais uma guria com quem dividia o coletivo nos meus primeiros meses de Suécia fazem parte do time das mães modo “hard on” com quem tenho contato.

A maioria dessas coisas escolhi baseada em leituras aqui e ali, coisas com que simpatizei pela Internet a fora. O sling foi um achado maravilhoso!! Mas para variar, dá trabalho. E, pobre Benjamin que é submetido a uma série de tentativas para amarrar a criança nas costas, do lado e na frente do jeito certo. Nos últimos três meses tenho praticado carregar ele nas costas e estou quase ficando craque. Deveria ter começado mais cedo, quando ele tinha cerca de 6 meses… mas aí eu não tinha o sling certo. Agora eu tenho dois slings de algodão, mas nunca saí para a rua com o Benjamin neles… seria o ideal uma vez que eu acho carrinho de bebê um trombolho e aqui os ônibus só tem dois lugares para carrinho. É, o transporte coletivo sueco é muito melhor do que o brasileiro em termos de acessibilidade, mas aqui todas as mães e pais tem carrinho de bebê, todas as mães e pais saem pra passear usando transporte coletivo com seus carrinhos e por causa disso, dois lugares no ônibus significa que você vai ficar no ponto esperando uns 15 minutos pelo próximo ônibus, porque o motorista não deixa que um número maior de carrinhos do que o permitido seja embarcado. Então, na maioria dos casos, saio com Benjamin no canguru (ergobaby), que têm o mesmo princípio do sling, só que é mais prático.

Ainda amamento, não tenho pretensão de parar tão cedo e por causa disso já recebi olhares de sensura. Me espanta que a Suécia, mesmo sendo um país muito liberal, tenha tanta gente que se incomoda de ver mulher amamentando. E o Benjamin, por ser um bebê cabeludo e cheio de dentes, parece mais velho do que é. Das gurias suecas que conheço, a maioria parou de amamentar quando o bebê tinha cerca de oito meses. Eu não digo que elas estão erradas de fazer isso uma vez que não conheço os motivos que levaram cada uma a tomar essa decisão, mas ontem estava lendoum artigo que dizia que apenas 14% das mães suecas amamentam o bebê exclusivamente com leite materno até os seis meses.

Nesse quesito, acho que a falha está no BVC (a hora que eu puder fazer um texto com mais dados e estatísticas, escrevo explicando o que é o BVC e como funciona, por enquanto digo apenas que é o centro de saúde da criança) pois quando Benjamin tinha quatro meses a enfermeira pediatra já começou a falar de introdução alimentar e de fazer papinhas. Além disso, ela me orientou a dar mamadeira para que o Benjamin dormisse melhor a noite. Disse que ele acordava provavelmente de fome e me orientou a dar välling (um tipo de mucilon, um pouco menos ruim, sueco). De novo, se a mãe quer dar mamadeira, que dê. Mas esse não era meu caso, então fiquei a ver navios pois fora a dica maravilhosa da mamadeira ela não tinha nada a me dizer. Eu não sou muito fã do BVC. E nem de dentistas suecas. Porque elas também sugerem que a mãe deixe de amamentar quando o bebê completa um ano. Mas essa é história para outra hora…

Já escrevi tanto e não escreci nem a metade do que gostaria. Mas vou tentar fazer um balanço simples: a Suécia é um ótimo lugar para parir. Se eu pudesse fazer tudo de novo, teria Benjamin aqui, mudaria parao Brasil (o Brasil que eu conheço) e ficaria lá os primeiros seis meses, depois voltaria para cá. Por quê? Porque senti falta de ter uma mão amiga nos primeiros meses de vida do Benjamin, principalmente no puerpério. Demorou muito tempo para mim me encontrar comigo mesma no meu papel de mãe e quando o Joel voltou para o trabalho eu me vi sozinha em casa com um bebê sem saber muito bem o que fazer. Eu não tive depressão pós parto mas estive perto, muito perto. Tenho certeza que teria sido diferente se tivesse minha família e minhas amigas comigo. Simplesmente porque lá não é tão complicado sair para dar um alô para o vizinho. Só depois de cerca de seis meses como mãe é que eu comecei a me sentir segura. Talvez esse processo tenha sido necessário, mas provavelmente teria sido mais curto.

De uma coisa tenho certeza: aqui é um lugar maravilhoso para ter família, crianças. Não tinha muita ideia do que seria meu primeiro ano como mãe, mas tenho algumas do que será daqui para frente.

Será tabu?

Dias atrás eu comentei que as grávidas suecas costumam esperar no mínimo até o término do terceiro mês para compartilhar a notícia de que estão esperando, às vezes até mesmo nem os membros mais próximos da família sabem. Eu fico imaginando como é que é que ela escondem os enjoos, o cansaço e outros trelelês que são comuns nos primeiros meses de gravidez entre as mulheres em “estado interessante”.

Eu liguei para a família (tanto a brasileira como a sueca) no mesmo dia em que descobri. Mandei sms para as amigas no Brasil (quase matei algumas do coração!) ou recadinho no facebook, além de mandar um sms para o pessoal próximo aqui também. Recebi um monte de recadinhos de volta, sms e também mensagens pelo facebook, com congratulações. Estava me sentindo a própria rainha da cocada preta.

Eu acho que essa parte de contar para todo mundo é tão legal: não tem uma pessoa que fique triste. Eu lembro que uma das minha colegas de trabalho ficou tão emocionada que chorou. Me deu um abraço forte e disse que desejava paz e bem para mim e a criança. Me deixou emocionada também. E encucada… por que as suecas não compartilham do seu “estado interessante” logo que o descobrem?

Uma das coisas que ouvi por aqui é que o pessoal quer ter certeza que a criança vai “vingar”: segundo uma pesquisa de 2010, cerca de 12 mil suecas perdem seus bebês a cada ano, o que significa que entre 10 e 35% das gestações (a estatística varia de acordo com a idade da mulher) terminam antes do terceiro mês. Isso não é muito comparado com os números de abortos provocados na Suécia. Em todo o caso, não estou aqui para retomar aquela discussão e nem para estabelecer um juízo de valor, mas a impressão que tenho é que há um tabu gigantesco em torno do aborto espontâneo.

Uma das primeiras vezes que encontrei uma grávida aqui ela estava no quarto mês e com uma barriga aparente. A gente foi a uma festinha de uns amigos e a guria estava lá, para cima e para baixo com super cara de grávida mas o resto do povo tava assim… sei lá, como que ignorando o “estado interessante” dela… É difícil explicar. Eu perguntei ao Joel se ele sabia se aquele casal estava esperando, e ele só riu e disse que não sabia, que provavelmente ela estava gorda. Daí foi a minha vez de rir: gorda? Com aquela barriga de grávida? Sem essa. Lá pelo meio do jantar o casal levantou e informou aos presentes a gravidez da guria. Achei aquilo super surreal – um monte de gente fazendo cara de surpresa, um monte de vivas e tals e o clima do ambiente mudou, com toda a mulherada passando para abraçar e cumprimentar a futura mamãe… super cara de pau ou sei lá, respeito?

Ou vai ver que o pessoal na Suécia é como o Adão aqui...

Ou vai ver que o pessoal na Suécia é como o Adão aqui…

Recentemente um casal de amigos próximos “engravidou” e eu fiquei super surpresa quando a guria me contou mas pediu que eu não comentasse com outras pessoas, pois eles estavam dividindo a notícia apenas com os mais próximos. Me surpreendeu eu ser uma entre “os mais próximos”, mas também o fato de que eles não queriam que muita gente soubesse porque “a primeira gravidez a gente nunca sabe… há um risco grande de aborto espontâneo”.

Obviamente, a questão é choque cultural… mas eu ainda fico imaginando se não há um grande tabu por detrás dessa história toda. A impressão que levo é que perder uma criança aqui é tão ou mais chocante do que no Brasil, onde ser mãe é ainda uma questão imposta pela sociedade, não uma escolha. Aqui, apesar do debate em relação a questão ter versus não ter filhos parecer estar mais avançado, ainda é chocante que mulheres não possam levar adiante uma gravidez – tanto que elas guardam o fato somente para si e os mais próximos. É claro que cada um tem o direito de dividir o que bem quiser a respeito da sua vida, mas se a gravidez é um motivo de alegria para o casal, por que esconder? Suecos são mais reservados, em todos os casos. Só não entendo gente que tem uma super barriga e ainda disfarça que não está grávida.

Uma das minhas cunhadas me perguntou se eu queria que a minha gravidez fosse um segredo até o terceiro/quarto mês da gestação e eu respondi que elas poderiam comentar que seriam tias para todo mundo  porque eu não entendia essa coisa de “esconder a gravidez” – se eu perder a criança, quero que as pessoas que estão ao meu redor e gostam de mim possam me apoiar; não quero virar uma mártir solitária. Aí ela comentou que também não entendia isso, que parecia que era feio uma mulher perder o bebê… eu fique surpresa por ela dizer isso e começamos a discutir um pouco a questão. Todo mundo que eu conto a respeito da gravidez fica surpreso por eu dividir isso assim (puxa, tão cedo… você ainda nem completou o terceiro mês!), mas eu ficou enjoada toda vez que abro uma geladeira (agora tá melhorando!), recebi uma lista enorme de coisas que não devo comer durante a gestação e aí? Como é que explico que a louca por carne aqui de repente parou de comer presunto? Seria lindo dizer que estou apoiando a causa de ativistas contra os maus tratos animais mas, a bem da verdade é que, apesar de eu respeitar o trabalho deles, quero mais o meu pedaço de bife suculento no prato. Ao invés de ficar de mimimi é muito mais simples dizer simplesmente: estou grávida. Só que na cultura sueca o buraco é mais embaixo…

Tô viajando na maionese? Será tabu? Ou só mais uma questão de choque cultural?