Diário Caipira-114

Esses dias estava falando sobre aqueles carros/caminhões que passam na rua vendendo fruta-picolé-panelas-vassouras-gás-e tudo o mais que você já viu ou ouviu… afinal esses vendedores ambulantes ainda existem… existem??

O carro do picolé era um bem particular. Sempre vinha com aquela gravação que era feita pra cidade grande: “chega mais senhora, chega mais senhor, atenção criançada! É o carro do picolé passando na sua rua! Tem picolé de leite, picolé de limão, picolé disso, daquilo e daquilo outro! São doze picolés por apenas (sei lá quantos) reais! O carro passa e não volta mais”… mas voltava. Afinal, a cidade onde eu morava tinha uma avenida de umas 12 quadras talvez? Duas ruas perpendiculares a avenida… e um bairro mais na ponta, com umas ruas mais estreitas. O carro do picolé voltava, várias vezes, durante o dia inteiro. “O carro passa e não volta mais…” mas dali uma hora passava de novo. E de novo. E de novo. Quando não tinha a gravação tinha um megafone e alguém que ficava falando um monte no microfone e a gente só ia adivinhando “zzzzzzzzzz xiii docizzzzz” (abacaxi docinho).

Fiquei pensando nisso e na ansiedade que esses vendedores ambulantes criavam em mim. “O carro passa e não volta mais”… repetidos cem vezes e eu acreditando mesmo sabendo que passaria de novo. Amanhã vou participar de uma reunião online e me dá essa ansiedade, essa coisa de querer correr atrás do carro que passa e não volta mais, ainda que eu saiba que basta esperar, que o carro passa de novo sim, eu quero ir atrás do carro agora.

Eu quero ir atrás daqueles encontros presenciais, quando eu via gente de verdade, com carne e osso. Mas eu nem posso pegar o transporte coletivo porque estou resfriada de novo, o nariz parecendo vela e denunciando a minha falta de imunidade (apesar do pólen e do própolis que eu comprei de tanto a minha mãe insistir). Eu fico ansiosa pensando em cada encontro que não fui, em cada carro que eu acreditei que passaria de novo, mas já realmente… talvez não volta mais.

Eu quero picolé de fruta, doze por apenas sei lá quantos reais. Só que aqui o carro não passa…

Diário Caipira-52

Essa semana estávamos falando de comida afetiva, todas aquelas que te remetem à uma sensação de segurança e amparo, amor. Normalmente estão ligadas à memórias da infância ou de momentos especiais com a família e/ou os amigos.

Eu tenho várias dessas. Tenho lembranças maravilhosas de coisas simples tipo macarrão a alho e óleo e café recém passado. Presunto e queijo eram marcas de quando a gente ia na vó. Vinho novo (suco de uva) da casa da nona. Nhoque de batatas. E, é claro, bolo de fubá.

Interessante como gente associa certas pessoas a determinada comida: minha irmã mais velha comia azeitona assistindo filme, minha irmã mais nova fazia a melhor maionese que já comi na vida e meu irmão era muito novo pra cozinhar qualquer coisa, mas sempre penso nele quando o assunto é “X” (entendedores entenderão).

Falei né que adorava espaguete ao alho e óleo? Mas um dia, eu aqui na Suécia, falando de comidas de mãe que eu sentia falta com uns colegas de trabalhi lá na empresa de limpeza: “putz, o espaguete ao alho e óleo que minha mãe fazia era incrível. Eu sempre ponho alho demais ou óleo demais… Mas o da minha mãe… lembro e chega dar água na boca”. Aí meu colega me olha e diz “minha mãe servia isso pra gente quando não tinha mais nada o que comer em casa… então a gente sabia, agora só tem macarrão, se não entrar dinheiro logo não vai ter mais nada”.

Foi tipo um soco na cara. Demorou muito tempo pra mim fazer espaguete de novo. E cozinhar espaguete me lembra aquele colega. Ainda hoje. Como é que pode comida marcar tanto a gente né?

Então quando meus filhos nasceram tentei envolver eles na preparação da comida pra gente criar essas memórias (que eu espero, sejam positivas) e que façam eles sentir um “nossa que saudade de quando a gente fazia isso ou aquilo”.

Aproveitando que estamos bastante tempo em casa decidi fazer bolo. Pensei na questão da comida afetiva e decretei: vai ser bolo de fubá. Estávamos quase prontos e já ia esquecendo o fermento quando achei chocolate granulado. Deu um quentinho no coração. Olhei pra eles e disse:

– Esse bolo de fubá vai ser um bolo formigueiro, querem ver?

O pedacinho que sobrou foi porque o bolo fez sucesso.

Diário Caipira-34

Acho que não tem nada mais bonito do que um dia de sol e céu azul. Ontem a gente estava na estrada e eu pensando no contraste do verde escuro dos pinheiros com o céu e os lagos.

Fica ainda mais bonito com os campos de canela, parecendo ouro, contra o céu azul. Toda vez que eu passo por esses campos me dá saudades de ver as lavouras lá do Paraná… O soja não é lá muito bonito, acho eu, mas o milho e principalmente o trigo são campos lindos. O vento passando vai ondulando as plantas e a gente tem a impressão de que é um mar verde.

Tem dias que é só saudade mesmo.

A boneca do poço

Não estou falando de filme de terror. Hallowen já passou apesar de que no Brasil a caça às bruxas continua.

Recentemente “li” (ouvi) a tetralogia Os Emigrantes do autor sueco Vilhelm Moberg que trata da saída em massa dos suecos para os EUA durante a segunda metade do século XIX. A obra segue a saga da família de camponeses de Karl-Oskar e Kristina Nilsson que, fugindo da fome, enfrentam uma longa viagem num barco a vela até Nova York com três crianças pequenas. Depois, se fixam no território selvagem de Minesota a beira do lago Ki-Chi-Sago, atualmente Chisago County.

Desde janeiro ando buscando informações sobre meus antepassados italianos e, também por isso, a saga Os Emigrantes mexeu muito comigo. Mas mais do que isso, o autor soube descrever de forma formidável as duas faces da imigração que vivem brigando dentro de cada imigrante: Karl-Oskar está decidido que Minesota é maravilhosa, mesmo que ele tenha que lutar muito para botar em ordem seu pedaço de chão enquanto Kristina vive suspirando pela Suécia que ficou para trás, ainda que a vida no novo mundo lhe traga gratas surpresas.

Eu sofro muito sempre que deixo o Brasil. Sofro porque assim que as portas do avião se fecham eu sei que vou adentrar a zona europeia, o velho mundo de onde tantos fugiram para escapar da fome mas que hoje fecha as suas portas para aqueles que querem fazer o caminho oposto. Sorte minha não ter fugido da fome para cá e ter adentrado este território meio que na birra. Azar o meu ter perdido meu coração para um europeu. Sorte minha ele ser sueco e não húngaro. Azar o meu a Suécia ter nove meses de inverno…

Mas pra não ficar nessa lista interminável, Moberg fala de uma coisa que bateu fundo na minha alma: a saudade que Kristina sente pela Suécia está enraizada na imagem da Suécia que Kristina guarda na memória. A analogia que ele faz no livro é a seguinte: Kristina tinha uma boneca de porcelana, de rosto redondo e branco, touca e um vestido de seda azul. Um dia, quando buscava água, Kristina derrubou a boneca por acidente dentro do poço. Era possível ver a boneca, ou ao menos uma parte dela, e Kristina ficou inconsolável. Seu pai e irmãos não mediram esforços para resgatar a boneca, ainda que em vão. Por muito tempo foi possível vislumbrar a seda azul do vestido da boneca, e apesar de Kristina ter ganhado uma nova boneca semelhante a anterior ela se dirigia constantemente para o poço para espiar a boneca perdida. Como era linda. Na memória de Kristina a boneca perdida era mais bonita do que a atual, o tecido do vestido mais brilhante (apesar de estar mergulhado há tempos na água), o rosto era mais bem desenhado, a porcelana mais suave ao toque.

O Brasil que guardo na memória é sempre mais quente, caloroso, mais feliz. Eu fico meio chocada de ver aranhas e baratas pra todo o lado. Meu primo matou uma cascavel dia desses no sítio em que mora. Tem mais passarinhos cantando (e cagando na cabeça da gente) do que eu possa me lembrar – eu até vi um pica-pau no jardim. Tem chefe gritando com os funcionários. Tem chefe ameaçando funcionárias porque elas engravidam. Tem homem assobiando na rua atrás da gente, quando se tem sorte. Tem gente chamando mulher de vadia e puta o tempo inteiro. Curitiba é cinza. É barulhenta. O som do tráfego intenso de caminhões me dá medo. Caminhoneiro não respeita limite de velocidade. Todo mundo dirige colado na sua bunda. Todo mundo ultrapassa em faixa contínua e na curva. Tem gente pedindo em cada sinaleiro. Tem gente dormindo embaixo da ponte, no meio do calçadão. Tem gente morando no barranco, numa casa que lembra um ninho de falcão. Tem pastor com cabine dupla. Tem playboy gastando gasosa na avenida de um km de comprimento, pra cima e pra baixo. Tem competição de som na porta da casa das pessoas. Tem a vizinha ouvindo gospel no último volume (toda quarta e quinta – aleluia). Tem bolo de chocolate no café da manhã. Tem coca cola na mamadeira. Tem criança obesa, diabética e hipertensa aos nove anos. Tem violência. No campo. Na cidade. No trânsito. No parquinho da praça. No escritório. Dentro de cada casa. Dentro de cada boca gritando impropérios. Dentro de cada mão se fechando num soco e perna se estendendo num chute.

Mas agora eu estou aqui em Nárnia e o Brasil… o Brasil é a minha boneca que caiu no poço.

Saudades

Na semana antes do meu casamento a minha sogra avisou que haveriam dois convidados surpresa para a festa. Adivinhem qual foi o meu pensamento?

Sim, a primeira coisa que passou pela minha cabeça é que essa maravilhosa família sueca que me acolheu havia feito uma vaquinha para trazer meus irmãos – a Gio e o Jorge – para o casório. É claro que a minha sogra percebeu de uma vez como as minhas expectativas pararam em um trilhão, então ela mais que rapidamente explicou que era uma surpresa pequena e que os convidados não vinham do exterior.

Ainda assim, eu esperei até o último minuto que – tanto meus irmãos como mais umas pessoas especiais – aparecessem de surpresa. Sei lá, sabe essas coisas bestas de filme? Sim, eu esperei. Esperei ver eles na igreja. Mas eles não estavam lá.

Desde o dia do casamento eu sinto muito mais falta deles do que o normal. Eu tenho cá essa saudade que não passa, e coisas bestas me fazem lembrar de momentos gostosos que passamos juntos, ou, em outros casos, coisas que eu gostaria de fazer com eles.

Passei a viagem toda na Grécia fazendo planos infalíveis.

Mas ainda não posso ir ao Brasil.

Então eu fecho os olhos e vivo na minha cabeça esses momentos que eu sei que foram reais e que agora são lembranças especiais. Eu faço de conta que posso fazer isso amanhã e daí fica um pouco menos pesado. Eu sei que faz quase um ano, a minha vida está se ajeitando e tenho encontrado muita gente legal, mas vocês são insubstituíveis! E estão fazendo falta…

Eu não ficar nominando, não precisa.

Eu tenho saudades…

Concurso de textos do Borboleta

Faz mais  ou menos um mês escrevi um texto para o concurso “Uma Música, Mil Lembranças” do blog Borboleta Pequenina Somniando na Suécia. O concurso terminou em 31 de maio e agora rola a votação, o texto preferido da galera vai ganhar uma tela muito linda!

Quando escrevi o texto não pensei em ganhar a tela mas sim em tentar colocar em palavras uma época especial da minha vida. Foi muito legal escrever um texto para o blog de outra pessoa e receber críticas boas a respeito dele. Por causa disso decidi deixar aqui um pedacinho dos textos que participaram do concurso, e quem quiser pode entrar no blog da Somnia e votar no seu preferido. O objetivo do concurso era o de contar lembranças referentes a uma música que fez parte de uma época especial da vida do autor.

Não estou pedindo votos (acho que ganhei uns 3 votos até agora) mas quem quiser conhecer um pouco da minha história com o Joel, pode dar um pulinho no link que vou deixar abaixo. Aqui vai um cadinho de cada texto – após o nome do autor e a da música que inspira as lembranças:

Texto 1  Que sorte a nossa hein? (autor Ricardo Perez, música “Ai,ai,ai,ai” Vanessa da Mata)

O relacionamento deles havia acabado há pouco mais de um mês. Programada para ser a comemoração de 4 anos juntos, a viagem não foi cancelada e ambos acharam que tudo bem. Tinham sido felizes juntos mas o que fazer se não dava mais certo, se as brigas tinham se tornado mais frequentes que os bons momentos, se havia tantas outras possibilidades, tantas outras paixões perdidas por aí, tantos outros corpos a serem descobertos? Então, pegaram o avião com a certeza de que tinham o que festejar. Seria um final feliz.(para ler o texto na íntegra clique aqui)

Texto 2 Escorrendo pelos dedos (autora Ingrid K Lima, música “Slipping trough  my fingers” ABBA)

Parece que o tempo passa cada vez rápido, o tempo escorrega pelos meus dedos. Sinto mesmo que foi ontem que eu vim ao mundo, mas se páro para pensar que já fazem 12 anos que estou vivendo simplesmente não acredito. Se pensar que apenas poucos anos atrás que eu queria estudar no colégio que estou hoje e isso já correram dois anos. Quando me lembro que queria viajar para vários lugares para os quais já viajei. As emoções que eu vivi, as pessoas que eu conheci, tudo isso é fantástico! (para ler o texto na íntegra clique aqui)

Texto 3 The Story (meu texto povo! Música “The Story” Brandi Carlile)

Foram sete meses até nos reencontrarmos, sete meses marcados por ansiedade, impaciência, insegurança, “The Story” e uma santa loucura. Uma loucura movida por lembranças fantásticas – de um amor de verão; pela certeza de que ele me conhecia como ninguém apesar do curto tempo em que estivemos juntos e pela necessidade que eu tinha de dizer para ele: “aquelas semanas maravilhosas não eram uma fantasia, elas são uma verdade porque eu fui feita para você”. (para ler o texto na íntegra clique aqui)

Texto 4 A história da amor entre Pingo e Laura (autora Nina Sena, música “Com minha mãe estarei”)

Eu adoro lembrar da minha avó. Porque foi com ela que senti amor pela primeira vez na vida. Foi ela, com seu jeito simples de mulher interiorana e lutadora e mãe de uma penca de filhos e avó de uma porrada de moleque, quem me ensinou sobre cuidar do outro, sobre solidariedade e amar a todos sem fazer desdén de ninguém. Eu nunca havia pensado nisso, mas foi vovó quem me ensinou o dom de ser generosa. Ela repartia o amor tão bem entre os netos quanto a sopa que sempre fazia em quantidade bem maior que precisava porque sabia que sempre iria aparecer alguém na sua porta com fome. Esse amor era tão bem distribuído que se você perguntasse pra cada um dos netos quem era o mais querido da vovó, cada um iria dizer: eu mesmo, claro! (para ler o texto na íntegra clique aqui)

Espaço para comentar: eu chorei quando li esse texto da Nina, na minha opinião foi lindo demais e o melhor de todos. Quem não lembra das músicas de Maria na infância?

Texto 5 Já sei namorar ( autora Beth Lilás, música “Já sei namorar Tribalistas”)

Quando eu era menina, formava com minha irmã e mais duas amiguinhas um quarteto a que denominamos  “Quarteto fora de si” parodiando um famoso daquela época chamado “Quarteto em Si”, e eu sempre ficava com a voz aguda e estridente da boa soprano que era, ou melhor, achava que era. Cantava muito, parecia uma cigarra durante o dia e também inventava palavras em inglês que eram bem parecidas no som com as originais, já que eu não manjava nada daquela língua.  Era tão divertido cantar com as amigas ou mesmo sozinha em casa, no quarto, no banheiro, em banhos demorados em tardes quentes de domingo. Coisa boa, tempo bom! Babaluuuuuuuuu! (para ler o texto na íntegra clique aqui)

Texto 6 Os verdes campos da minha infância (autora Irene Cechetti, música “Os verdes campos da minha infância” Agnaldo Timóteo)

Nos sábados e domingos a escola se transformava em um salão de baile. As carteiras eram encostadas e a música tocada por instrumentos musicais como a sanfona, violão e pandeiro que animavam os pares dançantes. Foi num desses bailes que conheci meu primeiro namorado. Uma paixão, um amor puro e verdadeiro que meu pai, um italiano ciumento e brigão, de uma maneira violenta, dando um soco na cara do “meu príncipe encantado” colocou um ponto final no romance. (para ler o texto na íntegra clique aqui)

Texto 7 Até mais ver (autora Daniela Barbagli, música “Até mais ver” Trio Virgulino)

Era algo transcendente que ditava o ritmo dos passos numa sintonia sem igual. A felicidade estava no ar. Num desses momentos mágicos, quando o sol estava quase a raiar, a música parou. O silêncio da caixa de som não interferiu no ritmo do salão. Com o céu clareando, continuamos dançando ao som de nossos próprios passos: dois pra lá, dois pra cá; dois pra lá, dois pra cá… a areia trazida das dunas fazia um chiado difícil de resistir. (para ler o texto na íntegra clique aqui)

Gostou de algum dos textos? Clique aqui e deixe seu voto na enquete que aparece ao lado direito da página!

Vi ses!!

Pequenas Grandes Coisas da Minha Vida Sueca #16

Tava na dúvida se escrevia ou não um post hoje porque não ia dar tempo de escrever sobre o que eu queria, mas no fim das contas to aqui sentada no sofá ouvindo Simon&Garfunkel pra contar um pouco sobre as velhas novas de sempre.

Pra variar, lavei a roupa e ela está no sacola de lavar roupas (dobrada) em frente ao guarda roupa. Eu não tenho preguiça de lavar roupa, acho super legal – vou até a lavanderia coloco tudo para dentro da máquina que lava e depois tudo dentro da máquina que seca e por fim trago a roupa de volta – mas morro de preguiça de guardar as roupas. Eu fico na duvida se abro ou não as portas do guarda roupa só para tirar a prova se realmente a roupa não pula lá para dentro bonitinha. Até abri as portas antes, mas desisti, uma vez que meu guarda roupa tá tão desorganizado seria uma besteira esperar que as roupas se guardem sozinhas…

Cozinhei feijão. Eu tinha que contar isso porque cozinhar feijão é algo que tem me feito muito feliz. Verdade que o clima colaborou essa última semana: todos os dias foram ensolarados, todos os dias com temperaturas mais ou menos nos 20, 20  e poucos graus Celsius, mas isso tem aumentado minha saudade do Brasil. Parece bobo, e é, mas para mim a Suécia é um país de inverno constante e chuva, daí esse clima agora  lembra primavera… primavera em Maripá-Paraná-Brasil: tantas flores para todos os lados, os dias quentes, as noites frescas, aquele cheiro de grama recém cortada no ar, cheiro de churrasco (não é churrasco churrasco, mas o cheiro de uma carne “grillando” é o mesmo do churrasco de domingo) todo mundo animado porque o frio foi embora; parece que logo vão desabrochar as orquídeas nas árvores, e vai chegar aquela penca de feriados que é tão típico de setembro, outubro e novembro… eu até pude usar vestido, gente!

E o feijão… temperei com bacon, alho e cebola. Claro que já enchi o pandu de feijão preto, arroz e uma saladinha. Amanhã vou levar junto na minha marmitinha do trabalho. Dia desses eu cozinhei feijão preto e fiz tipo uma sopa com legumes e tals que levei para o trampo e aí uma guria veio me perguntar o que eu tava comendo! Achei a maior graça, ela ficou me olhando desconfiada (achou que eu tava comendo um tipo de “peixe” – não tenho nem ideia que tipo de peixe possa ser tão preto…) e eu explicando que era feijão. Depois um guri também veio me perguntar: o que é isso? E eu: feijão preto. E ele: mmmm, feijão preto? E eu: é, feijão preto, você cozinha… E ele impaciente: mas tem esse nome mesmo? É tipo feijão preto, como… black beans? Dai eu (rindo): Isso mesmo, black beans. Achei muito engraçado porque eu tenho dificuldade de pronunciar o “ö” sueco, e para falar feijão preto (svarta bönor) você usa o danado; ou seja, como a gente tava falando sueco eu devo ter dito quase “feijão preto” e ele ficou na dúvida se era mesmo isso que eu queria dizer.

Eu e Zemta, cachorra da família – numa dos inúmeros trapixos do lago Mjörn.

Fim de semana a gente foi para Sjövik, e eu adoro: por causa do lago perto, por causa de ter um dia em família, porque é tudo tão tranquilo e calmo. Pena que passei mal, e to desconfiada do meu anticoncepcional. Depois que fui aquela consulta com a dermatologista não consigo mais pensar na danada da pílula como algo benéfico. Li a bula da coisa e os efeitos colaterais são tudo que ando sentindo ultimamente. Essa semana vou visitar o vårdcentralen (posto de saúde) para fazer acompanhamento (de seis em seis meses visitamos uma enfermeira especializada no atendimento a mulher que faz orientação anticoncepcional e dos exames de rotina – tipo papanicolau e do câncer de mama) e vou conversar com ela sobre isso.

Ganhei uma magrela e agora que o tempo está bonito to seca para fazer a estréia. Hoje ia comprar os pneus novos para ela – porque a bike é usada e velha mas tá com tudo em cima com exceção dos pneus – mas desisti porque percebi que eu não poderia arrumar a bici sozinha. Ou seja, vai sobrar para o Joel.

E a roupa… ainda tá na sacola. Acho que tenho de fazer algo a respeito. Tchau!

Um ano na Suécia!

Dia 13 de abril completei um ano de Suécia.

E… é difícil definir. Não poderia escrever que tive o ano mais maravilhoso da minha vida na Suécia; nem tampouco afirmar que foi um ano de merda. Foi um ano de adaptação e acho que esses são períodos da vida especiais – como o primeiro ano de facul, o primeiro ano de casados, o primeiro ano em uma cidade nova, o primeiro ano em um emprego, o primeiro ano como mãe ou pai, o primeiro ano sem uma pessoa querida que morreu… Períodos de adaptação sempre trazem surpresas boas e más.

É claro que não me acostumei a ficar sem “o meu povo” mas acho que internet ajuda bastante, e como eu comentei aqui depois que a minha mãe e pai tem skype me sinto muito mais amparada. A gente conversa no mínimo uma vez na semana com vídeo então eu posso ver eles e eles me veem, sem falar que por não ter custos podemos conversar mais tempo.

Dizem que o primeiro ano junto com o parceiro é o mais difícil. Descontando os meses no coletivo – mudamos para o “nosso apê” em dezembro – eu e Joel temos 5 meses de estrada, e vai bem. Claro que eu tenho os meus pits de mulherzinha e que sendo o Joel o Sr. Organização acabamos criando situações hilárias. Hilárias sim: todos hão de convir que a maioria das briguinhas entre homens e mulheres são por coisas tão pequenas que chegam a ser hilárias; basta olhar um stand up pra perceber que a maioria das piadinhas são sobre relacionamentos. Mas graças ao fato de que o Joel tem um ótimo senso de humor e que eu não posso resistir a uma piada muitas vezes quando eriçamos o pelo ao menos um de nós tem o espírito de fazer graça a respeito, quebrando a tensão e estabelecendo a paz e a prosperidade para muitos minutos mais nesse lar. Que frase linda né? Eu sempre digo que se em quase 7 meses no coletivo dividindo um quarto (para nós dois e nossos egos) e a cozinha, sala e banheiros com mais 3 pessoas vivemos bem e não separamos então não será agora que temos praticamente 20 metros quadrados para cada que vai acontecer.

O que eu mais gosto em Göteborg: cinema, o spårvagn, pubs, a academia (que é muito chique e tudo cheira como novo – brasileiro adora coisas com cheiro de novas!), o mar tão perto e a arquitetura da cidade.

O que eu não gosto em Göteborg: chove demais, chove demais e chove demais. E quando chove faz frio!

A maior furada: a distância para o Brasil. Ô que me dá um treco não poder pegar um busão e dar um oi para todo mundo!

A maior tacada: o apê de 41 metros quadrados. É super fácil de limpar e ficou absolutamente lindo mobilhado com poucos móveis. Quem precisa mais?

Coisas que eu queria ter de volta: meus vestidos – to sempre de duas calças e blusa+blusa de manga+blusa quentinha+casaco; ou seja, empacotada – e bailão sertanejo.

Coisas que eu não quero de volta: meu trabalho na prefeitura. Sim, foi ótimo, estável, me deu muita experiência e um excelente salário a cada fim de mês; mas apenas quem é assistente social sabe o quando se paga por trabalhar em uma área que todo mundo quer usar como alavanca política.

Comida que mais sinto falta: churrascooooooo! Mas na verdade quando vejo minha irmã publicar no Face “hoje é dia de lasanha” ou “hoje é dia de nhoque” – como hoje – meus vermes se agitam. Sinto a maior falta de comida de mãe!

Comida que aprendi a gostar: indiana. Nunca tinha provado e acho o maior barato, além do que é a única comida “quente” que consigo botar goela abaixo sem sufocar.

O que eu quero a partir de agora: um emprego de segunda a sexta!

Maior desafio e sonho para o próximo ano: organizar meu casório!

Se eu pesar o que ganhei e o que perdi nesse período acho que a coisa fica empatada, mas o principal objetivo com essa mudança louca foi estar ao lado do homem mais lindo, generoso e super do mundo: Joel Abrahamssom, eu amo você. To imensamente satisfeita com esse aspecto da minha vida assim posso considerar que tenho obtido sucesso nessa empreitada.

Afinal de contas, logo me tornarei a Sra. Abrahamsson…

Brasil x Suécia

Tem dias que eu odeio a Suécia.

Não exatamente o Reino da Suécia em si, no fundo, no fundo; eu curto muito esse país e realmente me sinto em casa. O problema são as coisas que têm no Brasil que não têm aqui. E eu não estou falando das enchentes, corrupção, políticas públicas deficientes, inflação e todas as coisas que nós brasileiros costumamos pensar em primeira instância como sendo Brasil. Também não me refiro a samba, carnaval, capoeira, feijoada, Michel Teló, praias e índios. Tô pensando na minha família, amigos, cerveja gelada e em churrasco.

Racionalmente, sei que me sinto assim porque estava no Brasil com todo mundo até bem pouco. Emocionalmente, é bem mais difícil conter a vontade de só e simplesmente caminhar até aqui e ali, tomar tererê, jogar conversa fora, fazer churrasco e  passar o tempo numa boa. É claro que tenho plena consciência que eu to romantizando e que férias sempre deixam a gente com um gostinho de quero mais, mas eu me dou o direito de pensar que tenho mesmo tudo do bom e do melhor no Brasil e que nem todas as férias do mundo seriam suficientes para aproveitar isso.

Não que o Brasil seja melhor do que a Suécia, ou vice e versa. É só que em alguns momentos quando eu to caminhando no meio do gelo penso tanto no sol e calor do Brasil que me dá uma deprê… Quando to no meio do Nordstan e sei que ninguém me conhece e que eu não conheço ninguém no meio daquele povão, me sinto imensamente sozinha e me dá uma deprê… Eu posso entender todo mundo e me fazer entender no sueco, mas em alguns momentos perco o timing e sou a ultima a rir da piada. Isso também me dá uma deprê… Ninguém me mandou embora do Brasil, e eu vim parar aqui porque quis. E isso também me deprime!

Eu já passei por aquela de “odiar” de verdade tudo que a Suécia representava para mim: salmão, batatas, vegetarianos, frio e neve; e por isso mesmo sei que esse sentimento agora, esse saudosismo não tem nada a ver com isso. Eu tenho uma vida aqui tão boa quanto a que eu tinha no Brasil – poderia até sublinhar que em algumas questões é até melhor, como a questão do trabalho: eu gostei muito de estar assistente social no Brasil, ser funcionária pública e trabalhar em uma prefeitura; mas agora eu tenho desafios grandes no meu trabalho – seja por causa da língua, seja por causa do trato pessoal; uma coisa com a qual estava sonhando antes.

Racionalmente, eu sei que não é culpa da Suécia. Somente porque eu moro na Suécia posso comemorar uma série de coisas que, se não são realmente fantásticas são, ao menos, peculiares: a neve deixa tudo mesmo lindo (estou apaixonada!); eu tenho família em dois lugares extraordinários do globo, e; eu to falando sueco! Hahá, apenas cerca de 9 milhões de pessoas no mundo podem dizer isso!

To numa situação tipo elástico: fico pensando que seria maravilhoso ter todo mundo de “lá” aqui, ou pegar todo mundo “daqui” e levar para lá… simplesmente impossível. Dai que o impasse continua…

Por isso tem dias que eu odeio a Suécia… mas em todos os outros, eu amo de paixão!!

Uma Caipira na Suécia #02

Eu não sei ao certo se o Brasil está há doze ou treze mil quilômetros daqui – ou melhor, o pedaço de Brasil que eu chamo de meu; mas fiquei surpresa com uma coisa: to me sentindo em casa.

Não que as férias não estivessem boas. Foram demais. Infelizmente, precisaria de mais três ou quatro ou infinitas férias para mim fazer tudo o que eu queria, como poder gastar toda a conversa acumulada, e visitar meus irmãos, e tomar tererê e cerveja com as amigas, e ir para baile sertanejo… Me fez uma falta danada ficar mais ao sol, mas eu to com uma manchinha suspeita e tive recomendações expressas de me conter. Fora disso, tudo 10.

Nos últimos dias antes de sair fiquei martelando todos os “se”s da minha existência. Eu realmente queria ficar mais, nem consegui dar um abraço no Silvio! , mas ao final percebi que todo mundo tem saudades de alguma coisa que já teve: da infância, da juventude, de um grupo de amigos, de alguém que não pode mais voltar… e eu não sou exceção. Vou sempre ter um buraco no peito lembrando que eu tenho mais, e não menos, do que eu acho que tenho.

Mais amigos, e mais histórias para contar. Me surpreendi com o tanto de pessoas que mandaram uma mensagem ou um alô para dizer que estavam felizes com a minha volta – o pessoal aqui tem consciência de que o Brasil é um páreo e tanto para a Suécia. Mas o importante é que parece que to aprendendo a ler os suecos, e finalmente, fazendo amigos!

Hoje volto ao trabalho e terça-feira começa a escola. Ainda sonho com o Brasil, mas no fim das contas, minha vida está aqui…

To me guardando para quando o Carnaval chegar

Quem me vê sempre parado,
Distante garante que eu não sei sambar…
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Essa é uma música de Chico Buarque que eu curto muito na versão do Engenheiros do Hawaii em que ele (Humberto Gessinger) canta essas palavras: to me guardando para quando o Carnaval chegar. Eu acho que eu to vivendo um tempo semelhante a isso que ele descreve, como se eu estivesse esperando uma coisa grande que vai acontecer e dai…

E daí o que? Não sei. Não tenho a mínima ideia do dai que vai ser. Não sei se isso começa com o processo do visto (quem passa por isso sabe que a vida fica meio que em suspenso) ou se é simplesmente a minha impaciência com relação a língua. Afinal, eu vivo uma coisa meio louca agora em que eu entendo mais ou menos o contexto das conversas, mas ainda não estou preparada para falar porque quando eu consigo juntar as palavrinhas para um comentário, o assunto já passou.

Eu tô só vendo, sabendo,
Sentindo, escutando e não posso falar…
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Meu trampo com faxina é com uma equipe de latinos: somos brasileiros e uma dominicana. Mesmo assim eu passo mais tempo do que o meu normal quieta. Eu sempre fui uma tagarela, nunca tive problemas para emendar conversas ou inventar conversas, falar em público ou o que, sempre falei, falei, falei e falei. E nessa nova fase da minha vida eu calei. Não penso que isso seja um exercício ruim porque aprender a escutar é um dos melhores e mais importantes exercícios a que uma pessoa pode se dedicar.

Mas mesmo que eu tenha essa pretensão tão comummente humana de “crescer e aparecer”, eu fiquei um pouco preocupada ao perceber que eu to mudando, uma vez que me sinto mais reflexiva, mais introspectiva e madura. Sei lá se isso é realmente do tamanho que eu imagino ou se é uma impressão, mas a coisa é que passei a questionar a minha identidade.

É fato que a gente sempre guarda uma auto imagem que pode estar a quilômetros do eu real, mas será que eu não sou mesmo aquela guria tão animada e barulhenta que eu sempre pensei que fosse? Será que eu sou mais responsável e do tipo “mãe” do que eu jamais soube?

E no fim, como sempre, isso me dá saudades enormes do Brasil. Do Brasil ou de saber quem eu sou e o que devo fazer? Não sei. É fato que eu sabia o que ser e o que fazer no Brasil e isso me faz uma falta danada agora – saber o que ser e o que fazer na Suécia – mas eu penso mesmo que eu gostaria de viver um pouco da leveza e simplicidade da minha vidinha caipira do Brasil.

Saudades de colo de mãe, de pão de mãe e de ver futebol com meu pai. De brigar com a Ana porque ela me faz esperar 30 minutos para ir ao mercado porque ela precisava arrumar o cabelo. Segurar o bebê do meu irmão. Olhar para meus sobrinhos mais velhos e pensar que engraçado é ser uma tia pequena! Comer um churrasquinho feito com sobra de fogo de melado com meu cunhado e irmã mais velha. Ver a Bah rindo das idéias malucas do meu irmão – e eu também das tentativas de ele ouvir musica alta na casa da minha mãe… tomar cerveja com Angela e Lu. Vixe! Quanta coisa né?

Eu penso que eu tenho um bocado de medo de virar uma daquelas pessoas que tem estranheza do Brasil quando voltam para lá. Será que eu consigo ser caipira ainda numa cidade grande européia?

Será que voltar para o Brasil é o Carnaval que eu to esperando?

Eu vejo a barra do dia surgindo,
Pedindo pra gente cantar…
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tenho tanta alegria, adiada,
Abafada, quem dera gritar…
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar…