Diário Caipira – um

A agência de saúde sueca comunicou nessa semana passada a decisão de não vacinar crianças de 5-11 anos. Na moral, já estava esperando que esse fosse o parecer por aqui já que a situação não se compara à de outros países.

A Suécia tem hoje quase 10,5 milhões de habitantes. Desses, 17.62% tem entre 0-14 enquanto 19.68% tem 65 anos ou mais (dados do SCB, outubro de 2021). Segundo a base de dados do ministério da seguridade social (Socialstyrelsen), um total de 11 mortes de crianças e adolescentes foram registradas no país (do total de mais de 14000 mortos). Não encontrei dados específicos sobre a incidência de Covid longa em crianças e adolescentes ou aquela síndrome multi inflamatória que pode acometer crianças que tiveram Covid.

Aqui em casa tivemos Covid na terceira semana de janeiro. O Benjamin pegou na escola e todo mundo entrou no baile. Eu e o Joel ficamos muito mais doentes do que os meninos, que apesar da febre alta e um pouco de tosse estavam com a energia de sempre. Eu fiquei muito aliviada por ver que as crianças quase não sofreram nada com a doença. Mas entendo que a realidade brasileira é muito mais dura e que minhas crianças são saudáveis e bem nutridas, como a grande maioria das crianças suecas.

Espero que os pais brasileiros vacinem as crianças que podem ser vacinadas, porque a vacina salva vidas. Provavelmente meus filhos terão de tomar a vacina para viajar para o Brasil no futuro, assim como gente deu a BCG pra eles que não faz parte do calendário sueco de vacinação. Se assim for, vamos vacinar as crianças sem crise.

Gostaria muito que esse caos chegasse ao fim. A gente fica um pouco mais tranquilo sabendo que passamos por essa e vencemos, mas não dá pra ignorar que mais de 5 milhões de pessoas morreram por causa do vírus no mundo desde o início da pandemia. Estou realmente torcendo para que os cientistas estejam certos de que o omicron seja o início do fim.

Diário Caipira – dois e meio

Estou quase vesga de tanto ficar na frente da tela hoje. Se for contar, provavelmente houveram dias em que eu realmente passei das oito as 16 encarando o computador. Mas como eu estava em casa alguns dias parece que tudo vale em dobro. E, de alguma forma, dei uma mau jeito no pescoço e estou com torcicolo.

Talvez a própria tensão no trabalho seja o agente causador (stress pode causar esse tipo de dor muscular?). Enfim, eu estava pensando que acho que o sueco define melhor a condição (nackspärr – pescoço travado) do que o português. É verdade que o pescoço pode travar de um jeito torto, o que dá aquele ar de que a pessoa está torcendo a cabeça. Mas é fato de que é justo o fato de não mexer como deveria que incomoda mais.

Falando em lesões, me espanta como alguns nativos são lesados – no sentido mais desrespeitoso da palavra. Ontem fomos visitar meus sogros – sempre nos encontramos ao ar livre, na beira do lago. A temperatura estava muito agradável, chegando aos 8°C (entendedores entenderão, ainda mais depois de experimentar temperaturas abaixo de -10°C por dias), e estávamos contemplando o lago que está descongelando… Quando percebo gente caminhando lá no meio.

Todo tipo de gente tem lá seus fetiches com adrenalina: pular de paraquedas, escalar sem cordas, rally no deserto, traking em trilhas perigosas, etc etc etc… já andar no meio de um lago enorme que está em processo de degelo me parece apenas burro. Eu me pergunto se são adolescentes, e me lembro que logo terei dois desses em casa…

Ilhas de água sobre o gelo…

Rachaduras aparentes…

Acho que descobri o motivo da tensão.

Diário Caipira-dois

Tô usando máscara no transporte coletivo. E mercados. A sensação é ridícula. Eu acredito que a recomendação do uso é importante e, cientificamente, aponta que, quando usada corretamente, é um instrumento importante na contenção do vírus.

Mas por isso mesmo e apesar disso tudo, me sinto ridícula. Não quero ficar fazendo comparações – afinal, não sei o que passa na cabeça dos idiotas que usam a máscara no queixo ou aqueles que se cumprimentam com três beijinhos no rosto quando estão usando a máscara (sim, se eu estivesse sem máscara teria arrastado o meu próprio queixo no chão, o que comprova a eficácia da mesma na prevenção)… como ia escrevendo, não quero ficar fazendo comparações, mas – mas sempre vem antes de algo preconceituoso, você sabe – tenho vontade de gritar tipo: você está fazendo isso errado.

E as perguntas práticas:

* como eu tomo água com isso aqui? Resposta, não toma. Não pode mexer na merda dessa coisa. Isso que eu passo, o quê? no máximo três horas com isso na cara. Como é que enfermeiras fazem? É claro que a lei de Murphy de que tudo que pode dar errado vai dar errado se aplica, ou melhor se ajusta, maravilhosamente bem ao uso de máscaras. É batata: botei a máscara, me dá sede. A garganta seca, parece que fazem 45°C e não -4°C. Posso tomar água antes, mas a coisa ficou psicólogica: não posso beber logo estou morrendo de sede.

* meus cílios ficam molhados (imagina quem usa óculos) e eu vi cristais de gelo pendurados dos meus olhos. Sem exagero. Tudo bem, um pouquinho de exagero. Mas é porque os pingos gelados de água nos meus cílios são milimétricos.

* ah! A tênue diferença entre uma máscara escorregando na nossa face e a sensação de estar cortando a orelha fora. Já encontraram esse balanço? Parabéns, eu não. Me parece que apenas ajustando a máscara no estilo “pra que serve a orelha mesmo?” Ela fica no lugar certo.

Quero tanto tomar essa vacina…

Diário Caipira-152

Hoje terminei a primeira manta de crochê que eu fiz na minha vida (que eu me lembre, antes eram apenas cachecóis e panos de prato). Foi muito gostoso fechar o trabalho e sentir que ficou mais ou menos como eu havia imaginado.

Tem certas coisas na vida da gente que são engraçadas, não é? Eu nem sei quantas vezes eu já torci o nariz para bordados e trabalhos com fio em geral, seja tricô, crochê, macramê, tear ou o que seja. Acho que sempre me faltou paciência. Não sei se foi a maternidade que me deu essa lição, a idade, ou o simples fato de que agora era a hora, chegou o tempo em que eu pude me encontrar com aquela Maria que sente prazer em se demorar pra conseguir as coisas.

Falando nisso, ando refletindo sobre o tempo. “O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem?”. Eu acredito que a maioria dos suecos tem uma forma bem calminha de viver. Uma coisa de cada vez, en sak i taget, é um mantra sagrado desta nação. Mas sera que a gente sabe, como indivíduos e/ou sociedade, entender o tempo?

Eu diria que não. De modo geral a gente sofre porque o tempo passa rápido demais. Mas aí a gente está focando no quê? Eu imagino há cerca de cem anos atrás, quando as pessoas esperavam um ano inteiro pra comer maçãs, será que a perspectiva do tempo era a mesma de hoje?

Essa manta que eu fiz me tomou cerca de três meses pra ficar pronta. Eu encomendei novelos pela internet, então percebi que havia encomendado pouco, depois desisti de usar quatro cores e voltei para três cores; por fim ainda faltou lã e eu encomendei uma terceira vez. Tudo isso num curto espaço de tempo. Antes, eu teria que ter comprado a lã, fiado eu mesma, pra depois tingir o fio (provavelmente eu não faria isso pois só gente rica podia/tinha condições) e a manta teria demorado bem mais para ficar pronta. Anos até.

Tudo acontece tão rápido. Será que realmente me tornei mais paciente?

Diário Caipira-149

Notícias que chamaram minha atenção hoje:

1. O partido Cristão Democrata KD quer que o ensino de língua materna deixe de ser oferecido nas escolas. Não sei se entendi bem a coisa mas parece que querem acabar com ele porque funciona mal. É, acredito que o sistema de educação sueco tem muitas falhas, agora me parece que o ensino de língua materna não seja lá alguma coisa tão interessante a se preocupar… a menos que, evitando que estrangeiros tenham acesso a sua língua natal também se acabe com uma parte importante da cultura deles.

2. O governo sueco não alterou o número máximo de pessoas permitidas em consertos, shows e eventos. O limite está em 50 pessoas desde março e aí ficará, apesar de terem avaliado a possibilidade de permitir público de 500 pessoas. É lamentável que o corona tenha atingido tão duramente o setor cultural. Eu ainda não me recuperei de todo da deceção por ter perdido o espetáculo do Cirque du Soleil (que nem sei se existirá pós corona). As óperas estão “operando”, de alguma forma. As salas de cinema reabriram. Mas Håkan Hellström não vai mais poder bater o próprio recorde de público do Ullevi (mais uma vez). Ainda assim, soou extremamente contraproducente aumentar o número máximo de pessoas permitidas em eventos culturais e esportivos quando o número de casos vem crescendo.

No mais, parece que o “novo” normal já não é mais tão novo.

Diário Caipira-146

O fim de semana foi cheio de visitas e, como consequência, estava morta ontem a noite. Cheio na perspectiva latina seriam uns doze parentes, com respetivos filhos correndo pela casa em algo que lembra (o filme) 300. Cheio na perspectiva sueca é a cunhada com o bebê.

Mas, enfim, hoje estava conversando com uma colega de trabalho sobre “o novo normal” e as informações desencontradas a respeito do corona. Na cidade de Gotemburgo e região parece que a regra é: se alguém da sua casa testa positivo para Covid você deve permanecer em casa (assim como todos os membros da sua residência). Mas por mais que a gente procurasse não encontramos uma confirmação disso na página da Folkhälsomyndigheten.

Eu fiquei desconfiada pois há alguns dias atrás, quando postei aqui o quê valia pra quem testa positivo, as informações da Folkhälsomyndigheten eram de que não era necessário que os demais membros da mesma família/residência ficassem em quarentena. Agora nada consta no site.

Perguntei, só por curiosidade, para os meus pais o que vale na cidade em que eles moram. Mas eles não sabiam dizer.

Diário Caipira-146

Eu decidi desfazer um pedaço da manta de crochê que eu estava fazendo porque não gostei do tom da cor. Na verdade, o tom estava destoando. Como é lã e é lã de bebê comecei a fazer uma touca.

Desmanchei cinco vezes e já estou na sexta tentativa. Eu sigo a receita mas alguma coisa está errada. Ainda não descobri o que é, mas quando (e se) eu acertar boto a foto aqui.

O marido quase tem um treco quando eu desmancho mas faz parte da terapia.

Diário Caipira-144

E não é que deu batata?

Pra quem está por fora do resumo da ópera: plantei batatas com as crianças e estava muito confiante pois as plantas cresceram vistosas. Ao menos enquanto estavam dentro de casa… A batata floreceu, o tempo passou, eu tive que deixar do lado de fora (porque saímos de férias) e as plantas foram atacadas por lesmas espanholas (o terror das hortas aqui). Sobrou apenas o talo, e eu desisti.

Ontem remexendo nos vasos aonde as falecidas batatas estavam encontrei uma batatinha… e mais uma… e outra, e outra! Chamei os piás que se deliciaram com a “colheita de batatas”.

Diário Caipira-142

Eu poderia escrever que Estocolmo já está vendo um aumento de casos confirmados de corona tão grande que já teve reunião especial pra tratar do problema hoje. Mas… como disse um colega de trabalho ontem, a gente não tem com que se preocupar porque a UTI daqui de Gotemburgo está sem nenhum paciente de Covid.

Palmas pra nós então, certo? Errado.

Falando em coisas erradas, hoje ainda estou de ressaca. Não há nada que drene mais a minha energia do que uma série de reuniões cheias de pautas super importantes onde ninguém decide nada. Passei a tarde fazendo e desfazendo meu crochê que, afinal, me ajuda a me centrar.

Eu ando sedenta por espontaneidade. Sabem onde vende?

Diário Caipira-139

Ontem escrevi no post que a Finlândia estava fechando as fronteiras com a Suécia e emendei um “onda, onda, olha a onda!”. Não estou dizendo que a Finlândia está tirando onda com a Suécia ou vice-versa; estou simplesmente vendo a segunda onda de Covid chegando por aqui, como já aconteceu na Itália e Espanha.

A OMS já apontou essa semana que tem visto um crescimento significativo do número de casos em toda a Europa mas emendou que isso era esperado já que os paises dispõem de um maior numero de testes agora (em comparação a fev-março). Já na coletiva de imprensa na terça feira a Folkhälsomyndigheten apontou que o número de casos confirmados crescia. Dá pra perceber pelos gráficos. Desde julho, apesar do número de testes terem aumentado e de que a possibilidade de teste tenha sido estendida a toda a população, o número de casos não havia crescido tanto como nas duas últimas semanas.

O inverno está na esquina, aguardando pra cair no abraço… e a Suécia não vai mudar a estratégia, pelo simples fato de que no inverno todo mundo se isola mesmo…

A cidade de Gotemburgo lançou um desafio aos seus funcionários: vai dar um casaco amarelo fluorescente e pneus com garras de neve pra quem prometer andar de bicicleta durante o inverno. Não parece ótimo? Você se protege do corona e de quebra tem direito a um traumatismo craniano.

Onda, onda, olha a onda!

Diário Caipira-137

Hoje eu tinha curso outra vez e, como era no turno da tarde, resolvi ir para casa e participar da formação online. Já bastou ficar sentada quase que de conchinha com outros funcionários da cidade de Gotemburgo na segunda.

Chequei os emails, veriifiquei o horário do curso, avisei os colegas do plano e parti. Quando chego na metade do caminho… “Västtrafik informa: devido a um problema técnico algum linhas tiveram horários cancelados.” E a minha linha de busão era uma delas.

Entro no teams pelo smartphone pra me conectar com a sala do curso mas cadê o bendito do link. Faltavam 20 minutos para o curso começar, eu estava a 20 minutos de casa e o ônibus só viria em 10 minutos. Eu estava muito atrasada.

Mando um e-mail para a palestrante perguntando aonde está o link do curso. Ela não responde. Eu chego em casa suada, morta por correr morro acima e jogo as coisas em cima da mesa pra acessar e-mail e o teams do notebook. Nada. Não tem link.

As 15.00 recebo uma resposta: infelizmente esse curso era apenas presencial.

O curso: como usar One Note para facilitar o trabalho durante a pandemia.

Diário Caipira-136

Temos uma rotina estruturada pra colocar as crianças na cama. Assim que quando chega a hora de dormir eles sempre estão tranquilos, a gente lê uma história e dá a eles um beijinho de boa noite. Apaga a luz e antes que saia do quarto já ouve o som da respiração cadenciada de anjinhos adormecidos.

Mas esse história aconteceu com a prima de segundo grau do namorado da neta de uma pessoa que eu conheço:

“As crianças estavam fazendo a maior bagunça na hora de dormir. Falando sem parar, um tentando contar uma história e o outro também. De repente um começa a cantar Macarena:

– Baila que baila alegria Macarena, êêê Macarena! Ai!

E o Benji outro menino já entra no coro. A mãe já não sabe o que inventar e antes de pensar diz:

– vaca amarela cagou na panela e quem falar primeiro vai comer a bosta dela!

Silêncio. Três segundos. Risinhos abafados. E então…

– ÊÊÊ Macarena! Ai!”

Não sei como é que a mãe, ao fim, acalmou as crias porque é claro que a algazarra continuou alguns bons minutos noite adentro.

Sorte minha que os meus não fazem dessas…