Depois que eu mudei para a Suécia descobri que o Papai Noel europeu tradicionalmente vestia verde e que foi a Coca-Cola que mudou a cor da roupa do bom velhinho. Acho que nem preciso acrescentar que fiquei decepcionada… mas é: fiquei muito decepcionada. Não que verde seja lá muito melhor do que vermelho mas, que sem graça né? Nada a ver tipo, uma grande empresa só vai lá e dá outra cor para as roupas de alguém e todo o mundo segue isso.
Manipulações midiáticas a parte, quando estive de visita na casa de uma família brasileira que recentemente mudou para Göteborg é que prestei atenção no quanto é que as culturas do Papai Noel da Suécia e do Brasil são diferentes. Mesmo porque aqui tem neve e é escuro… O Joel me contou que quando era pequeno viu o “Papai Noel” passar perto de casa com um saco nas costas e uma luz. Coitado do Papai Noel sueco… as renas nem deixam ele em cima do telhado para que ele apenas desça o chaminé! Além disso a Emília e o Marco Aurélio me contaram que na escolinha do filho deles as professoras partilharam que aqui o Papai Noel toca a campainha para distribuir os presentes. Coisas de primeiro mundo! Ou porque dava muito trabalho tirar a fuligem das roupas…?
Nunca vi o “Papai Noel” quando criança, a não ser aquelas coisas horríveis mascaradas que o pessoal fazia na escola ou o Papai Noel que passava jogando doces para as crianças de cima de uma F1000 (muito magro o coitado, e bem ranzinza porque sempre tinha uma vara na mão para “controlar” os mais avançadinhos). E o Papai Noel da Igreja, aquele a gente sempre sabia quem era por trás da máscara e barba falsa… O meu presente era deixado na árvore a noite e o Papai Noel saía de fininho…
Depois a gente cresce e lê a história de Santo Nicolau e acha tudo muito esquisito. Aquele calor de 38-40 graus C e um infeliz dentro de uma roupa de mangas compridas vermelha, com touca, botas, barba e barriga falsa. Nada a ver Papai Noel no Brasil! Devia ser baiano o Papai Noel brasileiro – já que trabalha só uma vez por ano… Brincadeira gente! Adoro o povo baiano. Mas seria legal né, um Papai Noel brasileiro preto, de short e chinelo havaiana, bem tranquilo e de fala mansa como os baianos. Vestido de branco para simbolizar a paz e não a Coca-Cola. Devaneios…
Decidi partilhar com vocês a história do Papai Noel sueco antes da coca-cola e até mesmo antes do Papai Noel perfil Santo Nicolau chegar por aqui. O Jultomte (Jul=natal+tomte=gnomo, duende) ou atual Papai Noel sueco foi precedido pelo Julbock (bock=bode; bode de Natal), uma tradição muito antiga que pode estar relacionada as figuras da mitologia nórdica.
De acordo com a Wikipédia, o Julbock pode estar associado a figura de Tor porque o filho de Odin tinha um carro de bodes cujos nomes eram Tanngnjóst e Tanngrisnir. E é isso aí… a ligação não é clara e pode ser que a tradição do Julbock tenha tido início simplesmente porque durante o período de Natal era comum ter/comprar/ conseguir um bode (para a ceia talvez? Também não está claro…). Assim, na véspera de Natal os jovens tinham o costume de sair de casa em casa promovendo pequenas peças de teatros e/ou cantando canções que fossem alusivas a figura do bode. Alguns usavam máscaras ou roupas para se fazer lembrar/passar por um bode. Também fazia parte da tradição de Natal
deixar um bode de madeira na porta de casa do vizinho; o desafio consistia em devolver o bode sem ser visto.
Com a introdução da figura de Santo Nicolau o Julbock passou a distribuir presentes ao mesmo tempo em que a figura do Jultomte foi formada. Acredita-se que mesmo em meados do século XX o Julbock tenha continuado a ser celebrado nas terras escandinavas (dai veio a coco-cola e deu merda). Eu sempre via os bodes de palha espalhados pela cidade e nunca havia entendido. Penso que a tradição do Julbock deveria ser preservada!
Para entender o Jultomte acho que é legal explicar um pouquinho sobre a cultura do tomte. O tomte é uma figura do folclore sueco meio parecida com a do nosso Saci mas a história é a seguinte: em cada sítio (chácara, pequena fazenda) morava um tomte. Os antigos acreditavam que o tomte era a alma do primeiro dono daquela terra que eternamente precisava ficar de olho naquilo que um dia ele havia começado para que tudo continuasse em ordem.
O tomte parece um homem velho de barbas longas e brancas que veste roupas cinza e um enorme chapéu. Como eu comentei ali atrás, segundo o folclore sueco o humor do tomte é bem parecido com o do Saci: ele ajudaria o atual dono das terras em troca de comida, roupas e respeito. Se alguém destratasse o tomte ele bagunçaria toda a chácara e assustaria os animais. Se alguém destratasse os animais o tomte assustaria as pessoas da casa. Mas também não se deveria dar muitas roupas e comida ao tomte pois dessa forma ele se tornava muito preguiçoso e de nenhuma ajuda.
Com o advento da figura de Santo Nicolau os suecos também atribuíram ao tomte a função da distribuição de presentes na véspera de Natal e assim ele passou a ser conhecido como Jultomte; a roupa mudou de cinza para verde (infelizmente não encontrei nenhuma imagem de um tomte verde) e ele passou aos poucos a substituir definitivamente a tradição do Julbock.
É muito gostoso dar e receber presentes no dia de Natal, mas se depender de mim a cultura do Papai Noel não sobreviverá pois há muito tempo ele já não representa nada além do que comprar, comprar e comprar. Além disso para mim Natal é principalmente o dia em que lembramos o nascimento de Cristo e é isso que deve estar em primeiro plano e não está mais, tanto que é impossível encontrar um presépio a venda nessa cidade.
(Não acredito que todos devam pensar como eu mas, se devo respeitar os ateus e não cristãos seria interessante que eles também me respeitassem e que a tradição do Natal de Cristo não precisasse ser suprimida!)
Se é possível conciliar as duas coisas? Acredito que sim. Afinal o primeiro Papai Noel não foi Santo Nicolau? Só que teríamos de tirar o vermelho do Papai Noel primeiro…
Imagens fonte: Google.