Memórias Encaracoladas -11

Esse fim de semana fez um calor digno de Brasil. Eu estava suando às 9h e pude caminhar na chuva sem tiritar apenas de short, regata e chinelos.

Se, por um lado, esses dias grudentos tem um quê de Brasil; por outro não parecem em nada com minha terra natal. Essa coisa de camping, caracol, os lagos suecos, o fast food da viagem, as almôndegas (perfeitas para refeições em uma mini casinha que tem um mini fogão) e pasta… tudo isso é extremamente sueco pra mim.

Me dá uma sensação de viver um sonho, uma realidade paralela onde há sol quente, tempo abafado carregado de nuvens prontas a despencar uma chuva de verão, mosquitos (muitos), suor e aquela leseira típica das tardes calorentas; e também pinheiros, lagos, lagos e mais lagos, trailers (muitos trailers), almôndegas, batatas e o cheiro incessante das churrasqueiras grelhando hambúrguer e salsicha.

Tudo embolado, enrolado, surreal… minhas memórias estão ficando encaracoladas.

Fechado para o verão

Sabe aquele papo de que o ano só comeca no Brasil depois do carnaval?
A Suécia fecha para o verão.
Todo mundo que tem um emprego fixo tem direito a cinco semanas de férias por ano. Até os 40 anos, porque a partir daí serão seis. Quem ainda não tem direito as seis semanas dá um jeito de ter, juntando horas extras ou tirando a licenca parental. E aí tudo fecha porquê, né… ninguém quer estar trabalhando enquanto o colega está aproveitando um dia de verão.
E não se trata apenas daquela loucura para viajar. Se trata de ficar com a família, os amigos e tirar um tempo fora da rotina. Sueco adora uma rotina, mas também é louco por cortar a grama. Eu tenho uma teoria de que essa alegria toda de cortar a grama está relacionada ao fato do “veja, tudo está verde, está quente, eu vou sentar do lado de fora de casa e por isso estou arrumando meu quintal”. Ou só um “preciso um lugar para colocar a grelha”, ou melhor, “preciso um lugar do lado de fora para colocar a grelha”. E, é claro, está relacionado ao fato de que o sueco corta a grama durante dois, três meses por ano – e não o contrário, como é comum no Brasil. Quando eu trabalhava em Falköping tinha um colega iraquiano que se sentia extremamente incomodado com essa coisa da grama. Ele morava num condomínio de casas – aquelas que são grudadinhas umas nas outras, mas tem um quintal em frente e outro nos fundos – e dizia que o vizinho cortava a grama uma ou duas vezes por semana durante o verão. Esse não era o problema. O problema era que o vizinho já havia dado a ele inúmeras indiretas sobre a grama estar muito crescida, e sobre a altura ideal do corte, aquelas coisas tipo de revista de jardinagem. Ele se sentia pressionado a cortar a grama mesmo quando achava que a grama estava curta, só por causa do vizinho da fita métrica. O Joel vive angustiado com o que os vizinhos vão pensar sobre a grama. Enquanto ele se sente em meio a uma plantacão de capim, com grama até os olhos, eu olho para fora e penso: ué… que grama?
Verão na Suécia significa ir para a casa de campo, jogar cartas com as criancas, ler um livro que está em alta e ouvir o programa especial da P1, o Sommarpratarna (Papo de verão, talvez, se eu posso ser um pouco criativa). Ao menos os mais velhos. Ou talvez não. Eu achava que todo mundo que ouvia esse programa era a galera dos 40+ mas sabe o quê? Puro preconceito. Tem muito jovem que adora o programa. Basicamente não é nada além do que gente famosa e nem tão famosa assim falando de coisas da vida. Pode ser uma ativista pelo direito do povo sami, os índios suecos (ela inclusive é rapper gente!); ou o Zlatan, contando histórias da infância; o ex primeiro ministro sueco falando do livro ruim que ele publicou e até freira fala nesse programa – sobre caridade e Deus.
Outra coisa interessante do verão é que, já que a galera toda sai de férias, entra uma multidão de substitutos. Jovens substitutos, em sua maioria, que vão trabalhar apenas o verão ou gente que vai garantir (ou tentar ao menos) uma vaga. É tipo aquele lance de trabalho de fim de ano no Brasil, nas festas: gente que está dando uma mão porque algo extraordinário acontece (sol e calor). Esse lance dos trabalhos de verão são muito sérios aqui porque os jovens recebem um subsídio do governo para estudar (tipo bolsa escola, mas todo mundo em idade escolar recebe dependendo apenas da frequência). O detalhe é que durante as férias escolares não tem bolsa. E isso vale para os universitários também – na Suécia é possível emprestar dinheiro do governo para poder se dedicar 100% aos estudos sem trabalhar. É tipo como se todo o universitário tivesse acesso a bolsa de estudos, só que no caso, você devolve depois de formado. Mas como você só recebe enquanto tem frequência, e a frequência é zero durante as férias, entre junho e agosto/setembro ninguém ganha auxílio… aí o jeito é descolar uma grana extra. E já que todo mundo sai de férias mesmo e as empresas ficam as moscas… junta-se a fome com a vontade de comer.
O lado negativo dessa história é que isso pode até mesmo acontecer em hospitais. Tipo as enfermeira obstetras saem de férias e do quadro de pessoal permanente tem apenas duas pessoas trabalhando… juntamente com uma porrada de jovens recém formados ou em formacão que conseguiram um bico de verão. E isso sem exagero gente.
Eu também saí de férias. Mas como eu não tenho as manhas e não sei das tretas, não vou ficar “deboas” cinco semanas…

É verão em Göteborg!!!!

To muito feliz: essa semana fez sol e “calor” todos os dias; ainda que o sol tenha aparecido apenas durante algumas horas do dia, ou só dando uma espiadinha no meio das nuvens – pelo menos não choveu. Há um clima especial no ar!

Verão na Suécia é igual a férias. Férias é igual a muitas atrações na cidade e uma multidão nas ruas do centro. Da multidão das ruas do centro eu curto apenas uma coisa que eu chamo carinhosamente de “Torre de Babel”: turistas e mais turistas se acotevelando com suas máquinas fotográficas e sacolas de compras cheias de lembranças (a maioria delas, alces) de Gotemburgo, falando e gritando atrás de suas crianças em uma série de línguas totalmente estranhas para mim. Posso identificar turistas alemães (escutei muito na minha vila no Paraná – obviamente que aqui é diferente… mas dá para entender que É alemão); os ingleses, italianos e orientais – claro que os últimos é devido a fisionomia, e não a língua, que posso identificar…

Logo que mudei para Göteborg percebi que havia uma falha nos númeoros dos spårvagnar (trens elétricos, bondes) da cidade, pois os mesmo são numerados entre 1 e 13, e o número 12 não existe. Não existe e existe: o número 12 é um trem especial, extremamente antigo, que roda pela cidade somente nos períodos em que o Liseberg está aberto (entre abril e setembro, se não me engano, e no período do Natal). O Liseberg é o maior parque de diversões da Escandinávia, e atrai realmente muita gente para cá. Ano passado me vi muitas vezes em apuros porque o pessoal me parava nas ruas e dizia: “Ursäkta mig, vilken spårvagnen kommer till Liseberg?” (com licença, qual o trem para o Liseberg?) Eu eu só… então né? Às vezes eu dizia um “Inte svenska” (não sueco – que pode significar de forma simples tanto o “eu não sou sueco” como “eu não falo sueco”), ou só “Fyra och två” (quatro e dois). Mandei muita gente para o lado errado, afinal eu nunca expliquei para qual direção do número quatro ou dois o pessoal devia embarcar!  Já com o número 12…

Há uma agenda especial para a cidade durante o verão. Ontem tivemos o show da Madonna no Ullevi (moderno estádio de futebol de Gotemburgo) e tenho certeza que vocês encontrarão um post com fotos e detalhes sobre isso lá no Diário de uma Teimosa. Eu não sou fã da Madonna e não sei o que os fãs acharam da apresentação dela, mas espero que tenha valido o valor do ingresso… não é exatamente isso que o pessoal do jornal Göteborg Posten pensa: além do show não ter a venda de ingressos esgotados (foram disponibilizados cerca de 70 mil ingressos mas  40 mil pessoas assistiram o show de Madonna… só?????) eles foram negativamente críticos a respeito, e deram para ela nota 2 (numa escala de 0-5). A turnê da Madonna na Escandinávia já recebeu críticas negativas depois da apresentação dela na Dinamarca (na segunda- feira), e acho que o mar não está para peixe para a caravana da cantora pois um dos caminhões que levava o equipamento de som para o show da diva pop tombou próximo a Göteborg na terça (a carga estava avaliada entre 3,5 e 5 milhões de reais!)…

O que bombou mesmo no Ullevi foi a venda antecipada de ingressos para o jogo entre   Barcelona e Manchester United que acontece em agosto. Em apenas 50 minutos todos os ingressos para o jogo estavam esgotados! Mas quem não está dentro não precisa ficar triste porque tem muito esporte rolando de graça durante o verão gotemburguês…

Por exemplo, a Partille Cup acabou de começar. Segundo os organizadores esse é o maior torneio de times (de clubes) do mundo, e eu não to falando de futebol (afinal aqui em Götebog também tem disso, mas é essa é outra história, é a Gothia Cup): a cidade está literalmente poluída de adolescentes fanáticos por handebol. A competição vai até sábado e cada vez que entro no ônibus ou trem encontro um time diferente… é tão legal, todo mundo suado, animado, os mais novos (categoria 10 anos) colados no treinador/equipe, os mais velhos (entre 18 e 20) fazendo de tudo para dar uma escapada… Queria encontrar uma delegação brasileira, segundo a página do campeonato há 18 clubes brasileiros na competição (informações: http://www.partillecup.com/). A Vânia foi lá na concentração em Heden e deixou um post com fotos muito legal a esse respeito (aqui).

Eu queria postar umas fotos aqui no blog, mas to com um problema com a camera digital. Sei que tudo fica mais legal e colorido – mais interessante também – com uma fotinhas, mas por enquanto vai tudo no preto e branco. Quando resolver o treco faço um post especial com fotos da cidade durante o verão!

Hoje o jornal trouxe uma curiosidade incrível: o clima da cidade de Göteborg varia tanto de região para região que há locais com uma média de 130 dias de sol por ano, enquanto outros tem apenas 108. A diferença é de quase um mês de sol! Segundo a reportagem, o lado mais ensolarado da cidade é o das ilhas, e o menos ensolarado… fica pras bandas da onde eu moro!!! Quero mudar, já!

Falando nisso, chega de ter a bunda no sofá por hoje. Fui pedalar!

Pequenas Grandes Coisas da Minha Vida Sueca #16

Tava na dúvida se escrevia ou não um post hoje porque não ia dar tempo de escrever sobre o que eu queria, mas no fim das contas to aqui sentada no sofá ouvindo Simon&Garfunkel pra contar um pouco sobre as velhas novas de sempre.

Pra variar, lavei a roupa e ela está no sacola de lavar roupas (dobrada) em frente ao guarda roupa. Eu não tenho preguiça de lavar roupa, acho super legal – vou até a lavanderia coloco tudo para dentro da máquina que lava e depois tudo dentro da máquina que seca e por fim trago a roupa de volta – mas morro de preguiça de guardar as roupas. Eu fico na duvida se abro ou não as portas do guarda roupa só para tirar a prova se realmente a roupa não pula lá para dentro bonitinha. Até abri as portas antes, mas desisti, uma vez que meu guarda roupa tá tão desorganizado seria uma besteira esperar que as roupas se guardem sozinhas…

Cozinhei feijão. Eu tinha que contar isso porque cozinhar feijão é algo que tem me feito muito feliz. Verdade que o clima colaborou essa última semana: todos os dias foram ensolarados, todos os dias com temperaturas mais ou menos nos 20, 20  e poucos graus Celsius, mas isso tem aumentado minha saudade do Brasil. Parece bobo, e é, mas para mim a Suécia é um país de inverno constante e chuva, daí esse clima agora  lembra primavera… primavera em Maripá-Paraná-Brasil: tantas flores para todos os lados, os dias quentes, as noites frescas, aquele cheiro de grama recém cortada no ar, cheiro de churrasco (não é churrasco churrasco, mas o cheiro de uma carne “grillando” é o mesmo do churrasco de domingo) todo mundo animado porque o frio foi embora; parece que logo vão desabrochar as orquídeas nas árvores, e vai chegar aquela penca de feriados que é tão típico de setembro, outubro e novembro… eu até pude usar vestido, gente!

E o feijão… temperei com bacon, alho e cebola. Claro que já enchi o pandu de feijão preto, arroz e uma saladinha. Amanhã vou levar junto na minha marmitinha do trabalho. Dia desses eu cozinhei feijão preto e fiz tipo uma sopa com legumes e tals que levei para o trampo e aí uma guria veio me perguntar o que eu tava comendo! Achei a maior graça, ela ficou me olhando desconfiada (achou que eu tava comendo um tipo de “peixe” – não tenho nem ideia que tipo de peixe possa ser tão preto…) e eu explicando que era feijão. Depois um guri também veio me perguntar: o que é isso? E eu: feijão preto. E ele: mmmm, feijão preto? E eu: é, feijão preto, você cozinha… E ele impaciente: mas tem esse nome mesmo? É tipo feijão preto, como… black beans? Dai eu (rindo): Isso mesmo, black beans. Achei muito engraçado porque eu tenho dificuldade de pronunciar o “ö” sueco, e para falar feijão preto (svarta bönor) você usa o danado; ou seja, como a gente tava falando sueco eu devo ter dito quase “feijão preto” e ele ficou na dúvida se era mesmo isso que eu queria dizer.

Eu e Zemta, cachorra da família – numa dos inúmeros trapixos do lago Mjörn.

Fim de semana a gente foi para Sjövik, e eu adoro: por causa do lago perto, por causa de ter um dia em família, porque é tudo tão tranquilo e calmo. Pena que passei mal, e to desconfiada do meu anticoncepcional. Depois que fui aquela consulta com a dermatologista não consigo mais pensar na danada da pílula como algo benéfico. Li a bula da coisa e os efeitos colaterais são tudo que ando sentindo ultimamente. Essa semana vou visitar o vårdcentralen (posto de saúde) para fazer acompanhamento (de seis em seis meses visitamos uma enfermeira especializada no atendimento a mulher que faz orientação anticoncepcional e dos exames de rotina – tipo papanicolau e do câncer de mama) e vou conversar com ela sobre isso.

Ganhei uma magrela e agora que o tempo está bonito to seca para fazer a estréia. Hoje ia comprar os pneus novos para ela – porque a bike é usada e velha mas tá com tudo em cima com exceção dos pneus – mas desisti porque percebi que eu não poderia arrumar a bici sozinha. Ou seja, vai sobrar para o Joel.

E a roupa… ainda tá na sacola. Acho que tenho de fazer algo a respeito. Tchau!